sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Não se pode confiar na perfeição.

Sinto inveja daquele que não sou. Ele parece muito mais real que eu.

Não é que tenha pretensão de alcançar realidades. É que só queria me saber existir por um momento que fosse.

A consciência do corpo não me basta.

A consciência do que penso tampouco me ajuda.

Nem mesmo saber que por baixo de tudo isso existe o inconsciente, me dá algum conforto. Afinal, se tanta gente anda falando dele, talvez seja um indício de que ele não significa tanto assim.

Por conta dessas coisas é que queria ser outro.

Queria, nem que fosse por duas horas, ser balconista de farmácia.

Queria vender aspirinas para a adolescente e camisinhas para o cinqüentão. Queria conhecer as pessoas da minha cidade pelos remédios que essas pessoas tomam.

Talvez a doença seja a única realidade e os hospitais sejam tão incômodos por conta disso.

Mas não acredito naquele pessoal que morreu de tuberculose nos idos do século XIX: a morte não tem a ver com o amor e o amor não precisa ser tão Werther quanto dizem por aí.

Se existem tantos sambas de saudade, a verdade é que a saudade não fala de uma pessoa.

Se falasse, imagine o tédio que isso tudo seria.

A saudade dos sambas é a saudade daquilo que não se é. Assim como sinto saudade daquele que não sou.

As milongas são assim e os sertanejos também são assim. Se eles são universitários, já é outra história. Se as milongas são mais releituras que milongas, também não vem ao caso.

O que interessa é que estamos naquilo que faltamos.

As brechas do que somos dizem mais sobre nós do que qualquer parede em nosso peito.

Se desvendássemos o altar ao qual nosso sono se curva, talvez fôssemos além do Édipo. Temos de reconhecer que mitos não explicam nada: são apenas a lã que costura o frio. Nenhum divã vai além da palavra.

Mas como balconista de farmácia, talvez com o tempo eu até virasse alquimista. Assim transformava meus metais em ouro e deixava o dia menos cinza.

As coisas, porém, não são o que desejamos longe daquilo que falamos. A realidade é um chute na boca do estômago que jorra sangue pela boca do rosto. Se existe o afago, ele tem voz de criança e está debaixo dos lençóis do dia. Por cima encontramos apenas manchas de suor e sêmen. Mais além estrelas. E mais além ainda, aqueles que não fomos e jamais poderemos sequer pensar em ser.

O depois só é real quando não está para aquilo que sentimos no antes.

Caso as coisas sejam o contrário disso, algo está errado.

Não se pode confiar na perfeição.

4 comentários:

adri antunes disse...

é por ler textos assim que realmente acredito no escritor e nem tanto no homem, por que homens capazes de encapsular sentimentos em palavras ou são mágicos, ou farmacêuticos, ou só são reflexos do alterego (acho que com a nova ortografia é assim que se escreve, se não for, desculpa)!
bjim ;)

Lótus disse...

Entre os frascos do boticário Fabrício Carpinejar, ao acaso e inconscientemente, num ato de consciência cheguei a estas bandas. Saltitei entre as linhas, identifiquei-me com umas, indiquei-as no meu espaço. Surpresa, o balconista-alquimista já passara por lá! Não se pode confiar na perfeição...

Anônimo disse...

Não acredito na perfeição... Os calores dos imperfeitos ainda me faz transpirar!!!

Mas, Goethe foi belo ao falar do amor do jovem Werther por Charlotte.

Ah! Um dia ainda morro de amor!

rsrsr

bjos!

pensar disse...

A beleza esta no olhar, o remédio remedia-não cura.A mente nos permite viajar e ser o que quisermos.Vou a farmacia e encontro o moço das palavras externadas e ele não vende remédio, ele dá o tom da palavra e disperta muita vida, ele mostra a cura.
É a vida do eterno agora, o instante, nem antes nem depois.