sábado, 21 de fevereiro de 2009

“Light my fire, baby! Light my fire!”

Essa coisa de internet cada dia me assusta mais.

Quando comecei a lidar com isso, lembro que a conexão era via telefone e você pagava por minutos. Ou seja: se eu conectasse a rede trinta minutos por mês, pagava quinze reais; se eu conectasse a rede sessenta minutos por mês, pagava sessenta reais.

Mas o pior não era isso. Em dias de chuva, as linhas de telefone encharcavam e você ficava isolado do mundo. E pra feder mais a situação, enquanto você estava conectado ninguém podia ligar pra você já que o telefone ficava ocupado com aquele chiado provindo do Quinto Círculo do Inferno de Dante. Daí era pai e mãe berrando pra tudo quanto é lado. Por isso que acho que apesar dos cartões de crédito estourados, os vinte e poucos anos tem suas vantagens. Se a coisa ficar muito feia, minha dica é atravessar o Uruguai à nado, casar com uma correntina e virar chamameceiro.

Entretanto, antes desses fatos e gauderiagens pinkfloydianas, lembro dos meus primeiros contatos com os computadores. Lembro que havia um programa chamado Logo no qual o protagonista era uma tartaruguinha desenhista. Você digitava uns comandos que esqueci completamente e ela ia criando linhas numa tela cor-de-rosa. Algo completamente surreal, quanto mais para uma tartaruga.

Mas naquela época eu achava aquilo bem lindo. E quando inventaram o MS-DOS então! Quase surtei de felicidade! Cheguei até a pensar que minha vida seria trabalhar com computadores. Sorte que recobrei a consciência em tempo e tampouco comecei a jogar RPG e escutar essas bandas metal chatas pra caramba.

Mas continuando o assunto, meu fascínio informático foi maior ainda quando vi o primeiro mouse da minha vida e pensei:

- Puta que pariu! Agora sim vou jogar o Top Gear que nem homem!

Mas que nada! Jogo de corrida com mouse não tem fundamento. Se tivesse, o dito nem mouse se chamaria. Mouse só serve pro Word do Tio Gates e olhe lá.

Além disso, no colégio onde eu estudava, o professor dos computadores deixava a gente jogar Doom a tarde toda. Então eram uns trinta adolescentes desocupados tentando destruir monstros imaginários que sangravam babas em pixels decadentes.

Contudo, uma reminiscência mais longínqua me surge: o primeiro computador no qual mexi parecia uma caixa de abelhas. As letras eram verdes e o teclado era enorme. A única diversão que havia nele era um joguinho desses ao estilo Star Wars, no qual você tem que destruir as navezinhas que aparecem por cima da tela, coisa que hoje o celular mais fuleiro do mundo traz de brinde em seu aparato de catador de latinhas.

Mas a razão de eu estar cada vez mais assustado com essa coisa de internet, é o fato de você poder comprar pela internet. Tenho um casal de amigos que trabalha com informática. Fazem sites, vendem peças, tem uma lan house e por aí vai. Diz que esses dias a Fernanda, esposa do Mauro, conversava com uma cliente via MSN nos seguintes termos:

- Os seus monitores chegarão amanhã, senhora.

- Sim, mas quantos são mesmo?

- São treze monitores, lembra?

- Ah sim, treze LSDs!

Então a Fernanda, que nunca foi boba nem nada e é mais desconfiada que bugio da Jóia, teve um estalo de quem é procurado pela Interpol, isso que nem descendência islâmica ela tem:

- Bueno! Se nós compramos produtos diretamente da China e essa mulher fala que está esperando treze LSDs, imagina se a Federal está monitorando nossa conversa?! Imagina se daqui uns dias inventam a Operação Monitor Psicodélico e nos colocam em cana por causa disso?! E pior: imagina se formos pra Guantánamo?!

Com toda certeza ela estava e está coberta de razão, apesar de ter sido um pensamento meio megalomaníaco, convenhamos. Mas isso deve ser culpa do horóscopo.

Porém, como a sorte quase sempre olha pros lados que mais erram, a Federal não estava monitorando a conversa e a transação se deu sem maiores enleios, já que os monitores eram LCDs mesmo. Apesar disso, as compras que o Mauro e a Fernanda fazem da China andam cada vez mais atribuladas.

Esses dias os chineses mandaram de brinde uma tartaruga-dragão que tem uma árvore nas costas e uma mini-tartaruguinha em cima dela. Tudo isso com cor de vinho tinto passado do ponto. Quase avinagrado, pra ser franco. E pra ser mais franco ainda, achei aquela estatuazinha meio sadomasoquista. Mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que a alfândega, com fuças de pastor alemão, viu que aquele estranho objeto não era produto declarado na nota.

Conseqüência? Seiscentos contos de multa. E o que dizer diante disso? Dizer que os chineses devem deixar de ser prestativos ou educados ou que nossa burocracia tem que deixar de ser neurótica? O fato é que a resposta simplesmente inexiste, porque tanto a educação quanto a burocracia são espécies da mesma neurose.

Se sou educado, sou educado porque espero que sejam educados comigo.

Se sou burocrático, sou burocrático porque sei que os outros também me tratarão de maneira burocrática.

E qual o cerne disso tudo?

A desconfiança mútua. E mesmo assim ainda tem gente que acredita que pode existir amor via internet, que um casal pode ficar um ano sem se ver, só falando pela internet e ainda assim ser um casal apaixonado. Que acho possível, até acho, mas os pares de guampas que acompanham tal ensejo chegam a me dar náuseas. E chego até a pensar nos calos nas mãos do companheiro que, se não põe guampas na moça, tem de se virar com os cinco guerreiros.

Por esses e outros fatores, é que tudo quanto por cá escrevo, se tem um pé na realidade, tem um pé ainda maior na irrealidade.

Se as palavras dão o nome ao mundo e se só podemos conhecer o mundo a partir das palavras, o que é o mundo afinal?

Como poderemos conhecer o mundo se só sabemos dar nomes às coisas mas jamais saberemos como as coisas são ou o que as coisas são de fato?

Por isso é que não existe autobiografia. Se o Roberto Carlos fizesse uma autobiografia, ia dizer que fumou maconha uma vez na vida e transou com cinco mulheres em pleno Haiti, já que ele é O The King – e só O The King é o maior amante e comedor do mundo. Mas se fossem investigar isso a fundo, a história seria bem diferente. Sorte dele que a Federal não foi atrás assim como não foi atrás da Fernanda e seus monitores de LSDs, já que na época áurea do Robertão o que mais haviam eram Syd’s Barret’s espalhados por aí.

Mas acho que estes questionamentos só me surgem porque sou da Idade da Pedra. Sou um neandertal confesso. Sou machista, ciumento, histérico, nervoso e acho que a cerveja é o pão em formato líquido. Sou um completo neurastênico, coisa do que me orgulho, já que tenho como companheiros tanto o Henry Miller quanto o Fernando Pessoa. E pra completar minha rudeza, lidei com Logo, com MS-DOS, joguei Doom nos computadores do colégio e tive durante anos conexão discada.

Nessa época da conexão discada, aliás, até conheci uma moça de Porto Alegre que acabei namorando um tempo. Porém, tudo que começa no virtual e quer sair para o real acaba se dando mal. Em tempos de photohop, nem a imagem de uma imagem na verdade é uma imagem. E não me peçam pra explicar isso porque não sei explicar isso. Mas para ilustrar minha tese, vide essas declarações de “eu te amo” que irão circular o carnaval inteiro e acabar na cama de um motel barato – isso se o próprio banheiro da concentração do bloco não tiver espaço para tanto.

O fato é que o sexo está em todos os lugares. E nós só chamamos ele de sexo porque este é o nome dele: sexo. Mas o que ele é jamais saberemos, assim como jamais saberemos o que é uma mesa além da própria palavra mesa.

Transar é uma coisa. Gozar é outra coisa. O gozo é solitário. A transa é em conjunto. O gozo é de olhos fechados. E os olhos só se abrem quando enfim se desfez a perturbação da convulsão do corpo.

Se há amor, é uma coisa. Se há tesão, é outra coisa. Mas no fim tudo acaba na virtualidade das palavras, ainda que sintamos corpo no corpo, boca na boca, coxa na coxa, peito no peito e uma vontade imensa de dar mais uma caso não haja muita vodka no sangue.

Conclusão? Defendo de maneira ferrenha a Operação Monitor Psicodélico.

Ao menos assim veriam que o Jim Morrinson tinha razão.

“Light my fire, baby! Light my fire!”

Um comentário:

Ana Valeska Maia disse...

Teus textos promovem uma viagem. quando a gente percebe já percorreu um bocado de estrada.
E o amor sempre vai entrelaçando os caminhos, de uma forma ou de outra.
Gosto de percorrer e sentir o efeito das tuas palavras.
Ei, me passa teu email pra gente compartilhar algumas impressões sobre o mundo de direito e outras coisitas mais.
Bj.