domingo, 20 de setembro de 2009

Linhas sobre Dalí.

Nem sempre as coisas são como a gente quer.

Essa frase soa tão simples que aparentemente não quer dizer nada. Mas o fato de se dizer que a realidade está dissociada da nossa vontade, implica em negar a própria premissa do Iluminismo ao colocar o humano enquanto razão como centro do universo.

Cabe a pergunta: o querer é racional a ponto de ser colocado em contraponto ao racionalismo iluminista ao passo que sua não-realização está para a constatação de uma realidade demasiada humana sobre qualquer ponto de vista?

Chegamos ao ponto chave do questionamento que levanto: o desejo e a razão não traçam rumos separados, mas complementares, um influenciando o outro ao sabor das conveniências. Mas ao se falar em conveniências, logo se pensa nas conveniências que trazem sucesso para uns e fracasso para outros, seja de qual realidade falarmos.

Neste sentido, deve-se dizer que entra em cena um conceito primordial: o inconsciente. Se as coisas nem sempre são como a gente quer em virtude de fatores que implicam tanto o desejo quanto a racionalidade quando direcionados a uma determinada realidade, há de se afirmar que esse mesmo desejo e essa mesma racionalidade, ao se direcionarem para uma realidade exterior, estão imantados do próprio meio do qual essencialmente provém: o inconsciente.

Mas se chega aqui a um impasse que poderia redundar na negação de toda argumentação até agora levantada: como provar o inconsciente com o uso do consciente se o primeiro seria o perfeito contraponto do segundo? Essa argumentação negativa cai por terra quando se diz que podemos pensar a morte, refletir sobre a morte ou mesmo buscar meios de evitar a morte. Dizer que há um inconsciente por detrás de um manto de consciência, implica em dizer que a própria vida, para ser vida, necessita da existência da morte, o que é uma verdade incontestável.

No entanto, apesar de defrontados com tais impasses indissociáveis da própria faticidade humana, ainda haverão críticos, os quais, em suma, dirão que associar a vontade humana – vista aqui como a união do desejo e da racionalidade – a uma realidade inconsciente, implicaria em reafirmar o dogma cristão do livre-arbítrio, sendo os psicanalistas de hoje os párocos de ontem.

Para tal entendimento, há apenas que se afirmar que nem sempre, como disse Tom York, 2 + 2 são 4. Por vezes o resultado pode ser diverso: 2 + 2 = 5. Dessa forma, falar que o desejo e a racionalidade estão ligados a um inconsciente que é formado de acordo com nossa carga genética associada a nossas vivências que formam o próprio cerne do nosso ser, é admitir que, enquanto humanos, não somos exatos, e a mais explícita matemática, quando defrontada com o espelho da realidade que nos circunda, pode expandir sua lógica ao ponto de deixar de ser lógica para o mais racional dos olhares.

Aliás, também se deve questionar o seguinte: ao que nos levou o olhar cartesiano, racionalista, iluminista, tecnicista, buscando o homem como o centro do universo? Acaso não nos levou ao estado de pré-colapso global, no qual todas as forças do planeta, desregradas pela ação humana, digladiam conosco em busca de um controle que escapou das nossas mãos? É justamente o que se depreende de tal premissa que busca uma ação/reação em todas as forças universais, acreditando que a abstração proveniente de tal metáfora científica é suficiente para sintetizar humanamente o próprio universo.

Onde o homem for, somente o homem haverá, e não há Kubrick ou Hawking que neguem tal fato, sendo que nosso olhar, nossa vivência, nossa existência, a tudo contamina – e a tal ponto que, ao nascermos numa realidade previamente dada enquanto cultura, jamais seremos capazes de sair dessa mesma realidade, já que a própria condição da nossa existência recai nessa realidade na qual nascemos, crescemos e quem sabe morremos.

Mas e essa última afirmação, como fica? Quem sabe morremos?

Partindo do ponto de que nascemos inseridos em uma cultura e a nossa própria possibilidade de ser humanos está adstrita a essa cultura, pode-se dizer que de alguma forma o humano morre, sendo que de boca em boca, de palavra em palavra, a carga cultural de gerações e mais gerações atravessa qualquer dizer? Não, o humano não morre, o homem jamais morre, apenas se transforma cultura: cultura dada de boca em boca, de palavra em palavra, e, por vezes, de obra em obra, perpetuando a solidão terrestre pelo vácuo universal de jamais termos alguém que olha por nós.

Dizer que morremos, então, é o mesmo que dizer que não-vivemos, uma vez que apenas podemos viver enquanto cultura. Assim, se nossa condição existencial é a carga genética no sentido biológico e a carga cultural no sentido vivencial que, somadas, criam justamente essa condição, deve-se admitir que se a carga cultural no sentido vivencial faz nós sermos o que somos, a carga genética no sentido biológico, falecendo, não torna moribundo o humano, mas apenas faz certo corpo deixar de ocupar certo espaço no sentido físico que permanecerá, em contrapartida, ocupado no sentido imaterial: no sentido cultural.

No entanto, é óbvio o fato de que a aceitação dessa realidade, uma vez que a clareira que ela aponta ao mesmo tempo alenta e atordoa com uma angústia imensa, não será aceita por muitos. Não haverá de se admitir jamais que jamais morremos, mas apenas nos tornamos simplesmente cultura, assim como não haverá de se provar cabalmente jamais a existência do próprio inconsciente, pois dele apenas temos sintomas, jamais realizações concretas.

Se o inconsciente está ligado à vontade, à racionalidade e à cultura enquanto condição humana, falar do inconsciente implica em falar do contexto imaterial da própria existência humana, que, enquanto calcada na materialidade, jamais irá compreender a imaterialidade que a possibilita – pois ela própria é tão-somente cultura.

Nem sempre as coisas são como a gente quer, realmente. E tanto, que nem mesmo quem acaba de fazer esta reflexão, moldado por dizeres de lembrança e arrependimento, detém a real capacidade de dizer que chegou ao resultado que esperava

E o que esperava? E o que é real? E o que é um resultado?

Racionalidade, desejo, inconsciente, cultura, existência: humanidade.

É isso que esse domingo me fala. São as minhas linhas sobre Dalí.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A Liberdade da Palavra.

O artigo que abaixo publico desvirtua um tanto do contexto desse blog. O motivo é que ele consiste na coluna semanal (todas as quintas-feiras) que escrevo para o jornal A Tribuna Regional da cidade de Santo Ângelo (RS), local onde resido. Porém, seu teor fala de temas universais, razão pela qual decidi postá-lo aqui.
Logo, abaixo segue o mesmo.

Escrever não é só ordenar idéias em palavras. Escrever é dedicação. Escrever é obediência a determinadas regras. Vez ou outra me pego pervertendo o português. Isso é triste. Ainda que consiga uma mínima coerência textual, isso não basta. Quanto mais no espaço exíguo de uma coluna. Ao falar disso lembro de Dostoiévski e outros tantos autores que inicialmente estruturaram seus livros publicando capítulo após capítulo em jornais. Isso daria certo hoje em dia? Presumo que não. Minha negatividade com relação a esse ponto é simples. Mais vale se atirar numa poltrona e desfrutar das beldades que a tela encena do que sentar, ler e imaginar o que se passa em determinado livro. Com certeza alguns argumentarão que o livro traz maior liberdade de imaginação para quem lê. Mas aí entra outra pergunta: as pessoas querem liberdade? A resposta é não: as pessoas querem prisões de liberdade.

Artaud dizia que a liberdade total viria com a ausência do corpo. Enquanto estivermos confinados nessa carne e nesses ossos que nos fazem humanos, jamais seremos livres. Isso é uma crítica, uma provocação. Nosso limite é a morte. O que não propicia, para um pensamento que se queira minimamente lógico, crendices do tipo “pós-morte”. Não entendo como tanta gente fala disso se ninguém conseguiu ir para o outro lado e voltar para dizer como acontecem as coisas por lá. O fato em si é que é o medo que alicerça toda e qualquer crença. E é também o medo que alicerça todo e qualquer agrupamento humano.

Rosseau, Hobbes e Locke são unânimes ao dizer que os seres humanos construíram o Estado para ordenar suas vidas. Caso assim não fosse, não teríamos faixas de segurança, não teríamos direito ao voto e muito menos eu teria o direito de falar o que estou falando. Mas a questão central que Rosseau, Hobbes e Locke colocam é que existe um contrato tácito entre as pessoas que vivem em sociedade para que o Estado lhes dê as mínimas condições de sobrevivência. E falar desse assunto pode gerar várias polêmicas.

Tentando setorizar essas polêmicas, vejamos o Bolsa Família. O que ele tenta fazer, baseado no pensamento de John Rawls, é equiparar os pontos de partida social. Isso quer dizer que todas as pessoas deveriam ter as mínimas condições de partida econômica na sociedade para conquistar e efetivamente concretizar suas ambições. Os puritanos, defensores da moral e dos bons costumes, certamente dirão que isso é auxiliar vagabundo. Mas eles apenas dizem isso porque para eles não é interessante que haja o mínimo de igualdade social entre os cidadãos. Afetaria sua riqueza, seu poder. Então não me venham falar que é preciso aprender a pescar ao invés de dar o peixe. Nem todos os riachos tem peixes e nem todas as pessoas detém condições mínimas para pescar.

Mas voltando para a questão da liberdade, trata-se de algo que muito me atordoa. Ninguém jamais conseguiu conceituá-la. Deve-se dizer também que toda e qualquer espécie de liberdade está inserida em um contexto de relações de poder. Portanto, junto com Artaud, digo que a única liberdade possível é a ausência do corpo. Mas como apenas podemos ser apenas enquanto corpos, o que nos resta? Poderia escrever um poema. Mas para me fazer minimamente inteligível, tenho de escrever parágrafos um tanto encadeados para chegar a uma idéia final. E qual a idéia final? A simples, boba e óbvia idéia de que não há final. No Universo nada tem fim: tudo continua. E quando aceitarmos isso, finalmente saberemos da nossa condição essencial: seres-para-a-morte, como disse Heidegger, mas que detém as condições de seres-para-a-vida a partir da consciência de que estamos aqui por um curto espaço de tempo e é nele que devemos fazer o possível para descobrir alguma coisa acerca desse mistério que é a vida e a morte.

Com a escrita acontece o mesmo. Desvendei algo com essas palavras? Não. Como diz o amigo Érico Müller, jogo idéias para cima e que caiam na cabeça de quem cair. Essa é minha intenção. Se eu quisesse trazer respostas, viraria demagogo. Como suscito perguntas, quero provocar o pensar. Mas os que duvidam das minhas letras, me aguardem. Razão? Não sei, mas descobrirei. E é essa a força que move minha existência, quer ela siga padrões gramaticais ou não. Arrogância? Não. Apenas sou humano. E minha liberdade é a palavra, o sangue e a honra de ser humano e poder falar. Isso me basta. É a única dignidade possível.

sábado, 12 de setembro de 2009

Sobre direito e política.

Direito e política são subsistemas difusos. Mas comunicantes. Por isso temos um sistema jurídico-político.

São comunicantes porque se a política representa o poder, o direito representa a limitação do poder da política. Pode-se dizer que o direito também exerce o poder. Mas o poder exercido pelo direito é limitado pelo próprio direito, fazendo com que ele seja um subsistema que se auto-reproduz.

Essa auto-reprodução, porém, não se dá separada da esfera política. Ao contrário, depende da esfera política. Isso acontece porque o jurídico enquanto lei é formulado pelo político enquanto expressão democrática. E dessa comunicação entre direito e política surge a democracia como método. Logo, algo nada grego e completamente moderno.

Quando dizemos que a democracia tem raiz grega, apenas podemos fazê-lo a partir da representatividade do voto com a intenção de governar uma sociedade. Mas na Grécia Antiga o voto era privilégio de poucos, além do fato de que a democracia representativa nos moldes como a conhecemos inexistia naquela época. O que ocorria então era uma democracia direta, onde os cidadãos exerciam o voto através da discussão em praça pública.

Trazendo essas questões para o suposto impeachment que poderá vir a sofrer a Governardora Yeda, algo pode ser dito. Primeiramente, deve-se falar que o impeachment, nesse caso, ocorreria por conta de uma omissão da Governadora com relação a fraudes no DETRAN efetuadas por seus pares de partido. Se isso se deu, foi por uma questão política.

A partir dessa afirmação, secundariamente se pode afirmar que a própria motivação do processo de impeachment é política. Isso se dá pela proximidade das eleições bem como pela improcedência do pedido de afastamento da Governadora dada pela Justiça Federal em razão da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.

O que está em discussão, portanto, não é a esfera jurídica, mas sim a esfera política.

Partindo da realidade de que a Comissão Parlamentar que irá apurar as irregularidades é composta por deputados do partido da Governadora, é óbvio que essa discussão certamente não renderá o afastamento de Yeda. Ao contrário, apenas acarretará o desgaste político da Governadora. Esse desgaste poderá beneficiar outros partidos nas eleições que se aproximam. Mas juridicamente, certamente não terá nenhuma repercussão, a menos que surjam novas provas contra Yeda.

Isso comprova o fato de que apesar de vivermos em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira, é o direito e não a política que tem preponderância nessa realidade. Ainda convivemos com o favorecimento com relação a nomeação de Cargos de Confiança, por exemplo. Mas isso é mais um problema social do que um problema político, embora também diga de relações de poder.

Se formos tentar analisar esse cenário a partir do Causo do Seu Juarez, podemos imaginar que o sujeito que seria levado vivo para a cova coletiva certamente se levantaria da maca e correria para ver se dentro da cova não havia mais alguém vivo.

São todos cidadãos, afinal.

E ainda que no Brasil a cidadania seja um projeto a se concretizar talvez no próximo século, desde que tente se reduzir a desigualdade social a partir de uma aproximação dos pontos de partida social, essa revolução já está ocorrendo.

O doutor pode até dizer que estamos mortos, mas jamais poderá afirmar isso se alguém contestar seu método.

É esse nosso caminho.

Por isso a democracia que está para o sistema jurídico-político brasileiro é tão importante.

Mas resta saber qual seria a motivação do cidadão que não estava morto em ir para uma cova verificar se mais alguém está vivo. Senso comunitário? Senso fraterno? Em realidade esses termos se confundem.

O desafio para a democracia, portanto, é construir não uma sociedade, mas uma comunidade.

É uma discussão muito importante, a qual ainda não foi abordada por aqui.

Por isso essa primeira pílula. Seguirá o frasco, a bula e quem sabe o laboratório inteiro de agora em diante. Mas em doses calculadas.

Como dizia uma musiquinha que minha professora da segunda série me obrigava a cantar, “somente o necessário, o extraordinário é demais”.

Mesmo assim, pensar é o mínimo. O máximo seria pensar e agir, estabelecendo uma ligação entre esses dois tempos os quais estão inseridos, por sua vez, em um outro tempo.

E que tempo é esse? A história.

Por isso tudo é imprevisível. E por isso há um sistema jurídico-político para tornarmos as coisas minimamente previsíveis em sociedade. A pergunta é como isso será interpretado por cada pessoa. Aí entra a necessidade de uma equiparação dos pontos de partida social. Caso contrário, a desigualdade fará com que tudo quanto construímos como civilização desabe logo.

Queremos isso? Não.

Podemos evitar isso? Tentarei elencar algumas possibilidades nos próximos dias.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Causo do Seu Juarez.

O Seu Juarez, amigo de Ijuí, me contou um causo interessante a partir do qual tentarei falar alguma coisa nos próximos dias. O que não sei. Mas falarei, apesar de até o site do Hotmail me dizer que anda pra lá de ocupado pra abrir meus e-mails.

Deixe estar.

É o seguinte (e por hoje é só o seguinte).

Certa feita houve uma epidemia desconhecida em uma cidade do interior. Morreram tantas pessoas que o cemitério lotou. O prefeito, tentanto achar uma saída para o dilema, resolveu que aqueles que morressem pela epidemia deveriam ser enterrados em covas coletivas. “Estão mortos mesmo”, pensou.

Mas foi aí que surgiu outra preocupação: se havia somente um médico por aquelas redondezas, como verificar que todos aqueles que estavam jogados pelas ruas da cidade estavam realmente mortos? Foi então que chamaram o médico e disseram pra ele dar um jeito de fazer isso com a máxima rapidez.

-Rua cheia cheia de mortos não é rua limpa! – disse o prefeito.

O doutor não se fez de rogado e logo chamou dois negros fortes que trabalhavam numa estância ali perto e disse para os dois pegarem uma maca de campanha.

-Resolvemos isso pra já! – falou ao prefeito.

E qual era sua metodologia? Cutucava cada corpo que via pela rua com uma taqüara afiada. Se o sujeito resmungasse, estava vivo. Se nada acontecesse, estava morto. Com essa técnica conseguiu encher uma cova com uns quarenta corpos em pouco tempo.

Mas contam que quando os negros estavam levando pra cova um sujeito meio barbudo, ele se remexeu e disse aflito aos seus carregadores:

-Eu não estou morto!

Nisso um dos negros respondeu:

-Tá morto sim! Não inventa de contrariar o doutor
!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

"Rosa de Fogo".

Ligo a TV e passa um filme chamado “Rosa de Fogo”. O título original é “Spanish Rose”. Mas chamam ele aqui de “Rosa de Fogo”. A primeira tomada é banal. As tomadas subseqüentes também são banais. Pelas roupas e pelos carros, deduzo que é uma daquelas produções chatíssimas dos anos 80. O que isso poderia me dizer? Absolutamente nada. Então faço um chá de maracujá e venho pra frente do computador. Abrir uns sites de notícia ou alguns blogs seria uma boa pedida. A insônia normalmente é afeita a todo tipo de besteirol.

Lembro de quando era adolescente e passava na madrugada um programa onde mulheres seminuas dançavam dentro de enormes taças de martini. Como sempre fui desses que dorme lá pelas três da manhã e acorda cedo caindo de sono, pá e tá assistia esse programa. Não que seu conteúdo fosse interessante. Longe disso. Era um programa de perguntas e respostas que algum produtor gordo e fedendo uísque bolou pra entreter marmanjos insones ou simplesmente vagabundos. No meu caso era uma mescla de insone com vagabundo, já que todo cara com seus 14 ou 15 anos é mais ou menos assim. Apesar disso, acho que era melhor ver um programa desses do que buscar sites de notícia ou blogs pela rede. Com uma porcaria dessas passando na TV, pelo menos você tinha a possibilidade de enjoar daquilo e buscar um livro na estante. Comigo era o que acontecia. E quando cansava de ler, puxava um caderno e começava a escrever o que me vinha na cabeça. Foram essas noites que me fizeram aprender a escrever razoavelmente com o passar do tempo, apesar de tentar isso sem muito sucesso até agora.

Mas hoje um adolescente ou mesmo um camarada da minha idade certamente não fará isso. Sem sono, cairá na net com a intenção de conversar com desocupados no MSN ou olhar sacanagem nos seus e-mails. Raros são aqueles que ou buscarão um livro na estante ou escreverão em um caderno espiral seja lá o que for. Deve ser por isso que os jovens saem do Ensino Médio escrevendo tão mal e mal sabendo pensar. Parece que somente conseguem pensar dentro do contexto excessivamente resumido da internet. Seu mundo é http://. Pensam que pesquisar é dar um Google em qualquer assunto e deu. Não existe mais o gosto de abrir um livro surrado nas mesas da biblioteca pública. Claro que alguém poderia argumentar que a internet traz muito mais informações que uma biblioteca pública. Mas como dizia o Fausto Wolff, informação não é cultura. E aí que as coisas começam a ficar complicadas.

Me pergunto isso quando penso na expressão “inclusão digital”. O que verdadeiramente significa isso? Com certeza que um conhecimento mínimo do Word é essencial nos dias de hoje. Mas até que ponto vai essa “inclusão digital”? Alguns amigos chegam a me dizer que os livros desaparecerão em seu formato clássico. “O papel será banal”, falam. Rebato que pelo menos para mim não será. Digo que jamais trocarei livros amarelos por um notebook novíssimo. Diante disso, dizem que ainda vou aceitar isso normalmente. E infelizmente começo a acreditar que será possível.

Se lá na minha adolescência, tempo de internet discada e MS-DOS, eu mal ficava no computador a não ser pra jogar Stunts ou Sim Farm, hoje venho para o computador normalmente para escrever. Não mais puxo de um caderno espiral para isso. Minha grafia tem ficado cada vez mais ilegível. De uns anos pra cá, me obriguei a deixá-la decifrável por ser professor e ter a mania de montar esquemas conceituais imensos no quadro. E certamente será algo assim que ocorrerá com a maioria das pessoas. Mas no fundo, ainda que isso dê uma discussão interessante, não me interessa muito. As coisas mudam, a vida muda, nós mudamos. E de uma ou de outra forma, sempre existirão vagabundos e outros nem tão vagabundos assim que passam pela insônia.

Nessa insônia continuarão a existir programas bestas na TV e filmes sem a menor criatividade passando de canal em canal. Permanecerá talvez apenas a palavra que cada um registra seja da forma que for, em livros ou em HDs pela rede. A questão será saber se continuarão traduzindo “Spanish Rose” como “Rosa de Fogo”. Convenhamos que os puritanos chamarão isso de incitação à pornografia. Por essas e outras é que navegar nem sempre significa ter um rumo. Normalmente significa estar à deriva. E pior: sem perspectiva de salvação.

P.S.1: A net também tem suas genialidades fast-food. Descobri que o tal filme é de 1993. A paspalhice não tem idade e muito menos década.

P.S.2: Ainda quanto ao filme, joguei no Google o título do dito pra ver se achava um cartaz e colava aqui. Achei só uma imagem minúscula. Por isso atirei ali em cima uma telinha verde dos tempos jurássicos do MS-DOS. Pelo visto eu nem era nascido quando essa foto foi tirada. E se me perguntarem do diretor do filme, não tive a menor vontade de pesquisar. Dêem um Google nele.

P.S.3: Não se sintam ofendidos com meu texto. Mas se se sentirem, por mim OK. Reconheço que nem tudo que existe na internet seja tão ruim assim. Se tudo fosse, esse espaço e os espaços de vocês que me visitam estariam inclusos. E pelo menos ao nosso gosto não estão. Fato é que não confio nadica de nada na web. Mas é algo como não confiar em mulheres e não viver sem elas. Por isso, isso.

P.S.4: O mês de agosto foi o menos produtivo da história desse blog. Não se trata de uma história longa. Mas isso não sonega o fato da baixa produtividade do mês de agosto. Se eu fosse místico, diria que é culpa dos astros. Faço aniversário no dia 17/08, o que talvez tenha me incutido um karma que me impossibilitou de escrever. Já indo pro lado pragmático, poderia dizer que tive muitos afazeres nesse mês e que essa é a razão do silêncio. Porém nenhuma das duas alternativas serve. A realidade clara e simples é que sem querer acabei dando uma certa roupagem pra esse espaço. E quando costumamos aparecer para as pessoas de chinelo e bermuda, é um tanto estranho aparecermos de terno e gravata numa ocasião completamente banal. Isso explica tudo. Acontece que as coisas não deveriam ser assim. Já postei contos, poemas, crônicas e alguns artigos quase-científicos por aqui – aliás, melhor chamá-los de ensaios, pois é isso que são. Mas com o tempo você acaba meio que canalizando esforços para um tipo de texto e esse texto aprisiona você. É como ser funcionário do Banco do Brasil por mais ou menos 25 anos e achar que será capaz de empreender algum negócio com a grana que veio do programa de demissão voluntária. Simplesmente não cola. Por isso preferi me aquietar. Nesse mês de setembro certamente aparecerão mais algumas coisas por cá. Tentarei voltar praquela minha face de muitas faces que na verdade sempre acusa quem é. É isso ao menos que julgo importante dizer agora. Falar mais seria mentira. Quanto mais prometer. Por isso meus 3 ou 4 leitores podem ficar tranquilos. Eu estou vivo. E não escrevo só pra sentar a ripa no governo ou incitar suicídios em massa. Mas nem tudo que escrevo é publicável. Tenho bom senso. E era isso.