sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Ao modo de Sá Carneiro.

Ontem passei a madrugada lendo Mário de Sá Carneiro e me saiu esse poema que tem o cheiro da sua métrica. Nunca pensei em publicar poemas por aqui, mas hoje certa realização incerta me comove ao saber que de certo modo compartilhei sua voz lusa com minha voz gaúcha e rouca de mate. Fiquei tão feliz que não dormi a noite toda, passei o dia na correria, cheguei em casa cansado, capotei às oito da noite e acordei agora pra tomar um banho e passar alguns produtos nesse meu rosto, o qual, apesar de contabilizar tão-somente vinte e quatro anos, já guarda as marcas desse mundo corrido que nos incute olheiras e neuroses dia após dia, fazendo com que as pernas por vezes tropecem em si mesmas na urgência extrema da tortura dos relógios. Da qualidade do poema não posso falar nada. Mas o mero fato da felicidade que senti ao escrevê-lo, já me dá razões mais do que plausíveis para por aqui postá-lo, ainda que isso seja mais questão de vaidade do que qualquer outra coisa. Mas certa vez um conhecido me disse que Napoleão falava que o mundo é feito de vaidade e egoísmo. Da realidade da sua premissa, nada posso falar, mas se a felicidade é o que nos dá um pouco de sossego nessa humanidade desvairada, ao menos assim temos um up manhã após manhã, conflito após conflito, fazendo com que nossos abacaxis, como disse uma amiga, se tornem mais salada que abacaxis e portanto se tornem arte.

Ao modo de Sá Carneiro.

Existe uma dor de assombro em tudo aquilo que faço:
se me vejo, me refaço, nervoso no meu transtorno.
Nada me diz ou sussurra um remédio pr’este mal,
o qual, além impingir mil inconstâncias vis,
me coloca no nariz um certo ar de palhaço.

Mas o que faço se desço dessas mesas nas quais subo?!
Se subo é porque conheço as palavras que direi!
E ainda que o que direi seja pura nostalgia,
que se faça a alegria desses males que tracei!

Nos bares e nas esquinas, tramo pernas como vidas:
subo ruas cambaleantes que transtornam meu planeta.
Se sei que o teto gira, por que o Sol há de girar?
Qual o motivo de estrelas, se sei que vou apagar?

Mas não! Não é para tanto! A vida tem os seus risos!
Por exemplo: esses livros que tenho aqui na estante,
são as palavras estanques que eu deveria ter lido.

Deveria mas não li por pura preguiça e pirraça,
porque tenho achado graça dessa gente que escreve
e que em versos transcreve desassossegos banais
que por certo seus iguais sentem mais mas não expelem.

E por que é que deveriam cantar ao mundo seus gritos,
se os gritos do mundo bastam pra acordar os vizinhos?

(Hã... são todos grandes sozinhos!)

Os galos que se anunciam não são meus amanheceres,
mas nem por isso quereres deixaram de me habitar
distantes de qualquer bar mas perto dos meus viveres.

E confesso que as lembranças são mais vivas na saudade
e que essa mocidade mais consome do que ri.
Se num canto alguém beijo, noutro canto me mato,
nem que seja como pato daquela lá que traí.
Porém não há de ser belo um canto sem qualquer dor,
já que dizem que o amor é assim assim com ela.

Portanto, pra encurtar essas palavras sem nexo,
só predigo que o sexo é a razão do meu estar.
Se ao amanhecer chimarreio o gosto de erva e chá,
é porque não existem lençóis para eu me enrolar.

Na verdade os poetas, escritores ou o que o valham,
que cantam suas proezas nas línguas dos sete mares,
são recalcados vazios de vasta imaginação,
que na solidão dos sótãos se masturbam nalgum colchão.

Já eu, que aqui confesso, minha completa negação,
entre o nada e o tudo, prefiro alguma palavra.
Por isso meus dedos caem, de cara, peito e cabelo,
esperando que além de pêlos minha escrita tenha alma.
Mas não essas almas chulas que andam pelos botecos,
fazendo com que garrafas sejam mais que uns tarecos.

Quero minh’alma limpa, ao modo de Sá Carneiro,
pra quê este fevereiro não me acabe com transtornos
e pra quê o ano todo seja assim tão igual
quanto essa insônia banal que me fez fugir do sono.

Completo assim o meu canto que de cantar só tem nome,
porque nenhum verso insone vale mais que uma joaninha,
dessas vermelhas e pretas que nos sobem pelas mãos
e que certa vez minha mãe disse que trazem sorte.

Assim, joaninhas do mundo, vermelhas, pretas ou verdes,
caiam por sobre as redes de todas as minhas palavras!
Façam com que as bocas de cada linha que traço,
sejam mais que um passo e um mergulho no nada!

Tragam pra mim a sorte de encontros inesperados,
de feriados e compassos que sequer imaginei,
fazendo do meu assombro algo mais que lembrança
e trazendo alguma esperança pra este que já nem sei.

11 comentários:

gloria disse...

Ai, ai eduardo. Conhece Win Mertens (Iris)? agora, um som feito lâmina derrapa em notas quentes sobre cada ponto de espreita do meu corpo. quem disse que os poros não são pequenas fendas de sensibilidade? "Gosto da voracidade de seu carinho": de onde você me vê? Como sabe dos meus dedos que fazem de cada coisa tocada um vasto lugar de sentido e de êxtase? mesmo que os dedos tenham ímpetos de se retirar, de se guardar? Seu poema mais parece aqueles escritos rupestres, traçados com fogo, como quem esculpe a vontade de dizer. Teu poema ode Mário de Sá Carneiro faz parentesco estreito com todos os seus escritos (dele). É forte e tenso. "essa mocidade me consome mais que ri". Uma usina que não pára, um combustível queimando mesmo que o tempo seja de descanso. Homem, depois te direi como pude ao longo do tempo respirar e dar um estatuto de terra, uma fundação às minhas imtepestivas vontades de criação. Mesmo que ainda escorram sob a palma das mãos, como era o sangue dos visionários e santos, sensações à deriva.è preciso criar um reservatórios de si, para que se possa fertilizar por mais tempo o tempo. (depois te conto, sobre eu já ter livros editados, fora da literatura e da poesia). te cuida, é precioso para mim e, certamente, para tantos. bjs na testa e no dorso das mãos.

Anônimo disse...

Ainda bem que madrugadas assim existem....E que me falte o sono e nunca os suores de uma ispiração.
belo! belo!

adri antunes disse...

querido, Du! dizer que vc escreve bem é chover no molhado, certo? então vamos aos fatos: vc tem uma verborragia que me assusta sempre que passo por aqui! escreve, escreve, escreve e parece nunca perder o fôlego! tão diferente de mim, que mal falo algo e já entonto...sua poesia é cheia de prosa, algumas rimas (ainda bem que poucas, desculpa a sinceridade!), e um violento quê de realidade, o que a deixa cheia de vida. seu texto me fez lembrar de murilo mendes, conhece? gosto mto dele, lembrou essa:

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.


Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.

no mais, querido, poesia é fluxo, deixe vir, sem se importar com o que ela quer ou não dizer, é como uma veia que jorra sangue sem parar e feliz de quem estiver por perto e souber apreciar o doce da vida a escorrer! (ui, meio vampiresco isso, ehe)

bjuuu

Biba disse...

Diante do que Glória e Adri disseram, o que posso acrescentar? Concordo com elas sobre seu poemae também fico pasmada com sua prolixidade!
Bj
Carpe Diem!!!

Mauro disse...

Mas bah tche.
Acho que no final da tarde isto é pesado para eu, um mortal que conhece muito pouco das palavras.
Mas tenho que concordar que o senhor Frizzo é digamos, um gênio da Lampada. Transferindo para a minha área, digamos que o frizzo é um criador do google, inventor do windows, chip quantico, criador do big blue. Porém como diz meu pai, de a enxada para ver se ele saber capinar (carpir), foi o que fiz, dei a enxada e ai está ele, gerando muitos bits para a blogosfera.
Um abraço Frizzo, daqui uns dias damos um Upgrade na apresentação dos textos virtualmente falando.

Mauro

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Rapaz!

A cada dia, fico mais admirado com a qualidade dos textos que a gente encontra nos blogs! Você é um gênio! (rsrsrsrs) O poema é lindo! Parabéns! E acho que você deve se aventurar mais por essa área. Se aos 24 anos já está escrevendo bem assim, imagine com 40, 50, 60... Obrigado por ter perdido parte da sua noite me respondendo. O seu comentário já valia um post aqui no seu blog! Afinal, você teceu uma verdadeira reflexão a respeito do guarda-chuva! Incrível! Muito legal! Também tenho dessas coisas de ficar até tarde lendo ou escrevendo. No dia seguinte, a gente sente as consequências. Contudo, fazemos isso pela felicidade...

Abração. Voltarei.

Pedro Antônio - A TORRE MÁGICA - www.atorremagica.blogspot.com

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Uma vez que acabei de escrever o post de sábado, intitulado "E minhas desculpas nada sinceras", o qual me consumiu umas quatro horas entre razão e revisão, agradeço a todos pelos elogios, incentivos e críticas, dizendo, desde já, que se eu realmente fosse gênio, tinha inventado uma lâmpada há tempos. Não responderei um por um dos comentários agora porque o sono, às cinco e meia da manhã, em que pese ser sábado, está me chamando, sendo que feliz ou infelizmente, as palavras, perto das seis da manhã, continuam jorrando. Quanto a eu seu prolixo, sou vários e isso eu sei há tempos. Talvez seja doença ou talvez eu apenas esteja tentando encontrar minha voz. Dentre essas três hipóteses (prolixidade, doença, busca da própria voz), fico com a última, pois é muito difícil ouvir o que o nosso próprio ser tem a dizer. No mais, ele é quieto e por isso nós existimos. Mas como alguns inventam de ser artistas, quanto mais das letras, com ele tem de conversar e ainda por cima suportar a megalomania de uma solidão sem fim que diante do papel só é apaziguada por pessoas como vocês que por aqui me vêem e me lêem de corpo-língua inteiro - ainda que eu esteja ao avesso da reforma ortográfica, como todo bom escritor é avesso ao seu país, nas palavras do nobre Mencken. Amanhã respondo todas as mensagens. Um grande abraço e muito obrigado por tudo, Eduardo.

Anônimo disse...

Instada a dizer, digo: você não sabe fazer poesia, você é todo prosa - riso. E agora?

Do que somos, palavra, ficção, a um bom pé no chão, copo na mão, gosto confesso, nos separa medo e vontade.

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Mas os gênios não produzem lâmpadas. Eles realizam sonhos! (hauahauahauahauahaua). Portanto, reafirmo: você é um gênio. Pronto e acabou!

Abração.

Pedro Antônio - A TORRE MÁGICA - www.atorremagica.blogspot.com

pensar disse...

Oi edu, adorei tua poesia(e ela voltou a sair!!) e adorei:
(Hã... são todos grandes sozinhos!)

Somos grandes sozinhos, nascemos e morremos só, mas no meio disso(vida) tentamos apartar nossa solidão-das mais diversas formas.Sim, como nossos comentários(mútuos) nos alegram e nos
sentimos menos sós, olhados e talvez gostados.Sei que adoro teus comentários, me aconchegam.
Bjs

Lótus disse...

Nostálgico, tão nostálgico você! E sequer chegou à terceira década! Cuide-se, faça acupuntura, pratique ioga, respire do outro lado do vidro escuro. No mínimo, vai ser mais fácil compactuar com as horas em claro. Ou no escuro. Dias de muita labuta por aqui, e de muita leitura também, ainda que sem tempo para comentar. ;o)