quinta-feira, 5 de março de 2009

Não fossem os umbigos, Thomas Morus seria eterno.

Provérbios dizem mais do que aparentam. Geralmente são parábolas curtas nascidas da sabedoria popular acerca de constatações lógicas e cotidianas. Por exemplo, falar que “santo de casa não faz milagre”, significa muito mais do que podemos imaginar.

É fato que a sociedade é dividida em “guetos”. Esses “guetos”, ao contrário do que possam pensar senhoras de boa índole, não se encontram apenas nas periferias. Uma das origens da palavra “gueto”, aliás, remete aos bairros nos quais os judeus italianos eram forçados a morar, sendo que por conta da imposição de um determinado regime, seu espaço territorial era aquele bairro e nenhum outro, muito embora este bairro tivesse ligações com outros bairros.

Entretanto, quando falo em “guetos” sociais, falo em facções da sociedade que, por conta de um acordo de favores, defende os interesses dos seus membros frente a quaisquer outros interesses. Essa defesa, porém, pode gerar injustiças quando é contemplada com algum poder, fazendo com que aqueles que pertencem ao “gueto”, tenham regalias que não são legadas àqueles que não pertencem ao “gueto”. Distante do termo “gueto”, poderíamos usar o termo “panelinha”, o qual até discrimina melhor o assunto. A “panelinha” detém estrutura idêntica ao “gueto”, e assim como acontece com o “gueto”, a “panelinha” pode ser contemplada com algum poder, fazendo com que aqueles que não pertencem à “panelinha” não tenham as regalias que os que pertencem à “panelinha” têm.

Acaso esses “guetos” ou “panelinhas” detenham algum poder, com certeza serão árbitros de algumas escolhas da sociedade. Mas se a estrutura tanto dos “guetos” quanto das “panelinhas” defende apenas seus membros, certo é que essas escolhas não irão seguir critérios de respeito àqueles que não pertencem aos “guetos” ou “panelinhas”, fazendo com que a seleção que provenha das escolhas seja completamente desprovida de crédito quanto a qualquer ética.

Em cidades de médio porte como Santo Ângelo, facilmente se nota essa realidade, já que essa mesma realidade se estende a toda e qualquer organização social. Na verdade, existe um quê de infantilidade cruel nos “guetos” ou “panelinhas”, pois se faço parte da “turminha”, posso brincar, considerando-se que se não faço parte da “turminha”, cantarei sozinho no quarto aquilo que ninguém ouve.

Quanto aos “guetos” ou “panelinhas”, temos de admitir que muitas vezes existem benefícios que provém da sua existência, visto que é fato que em dados momentos é necessário que alguém tome as rédeas da sociedade para que haja alguma organização. Mas quando essas rédeas tomadas pelos “guetos” ou “panelinhas”, especificamente com relação à seleção que provenha das escolhas feitas por elas, as quais detém o poder, falta com respeito àqueles que não fazem parte da “turminha”, temos de admitir que todo e qualquer padrão ético é abolido em função de uma estrutura social defensora dos seus próprios interesses.

Aliás, o provérbio “santo de casa não faz milagre”, talvez não se aplique apenas àqueles que pertencem aos “guetos” ou “panelinhas”. Quanto aos demais, assim como os judeus italianos, ficarão isolados em seus espaços territoriais, ainda que tenham certas ligações com outros territórios e mesmo com os “guetos” ou “panelinhas” sociais. O que acontecerá, então, será a formação de novos “guetos” ou “panelinhas” que competirão umas com as outras para deter o poder de escolha com relação a quaisquer seleções.

E o que isso indica? Indica o egoísmo e a falta de ética diária nas relações humanas, nas quais só respeito o outro se do outro me aproveito. Por isso é que uma sociedade estruturada em função de “guetos” ou “panelinhas”, viverá um eterno clima de Guerra Fria, realidade onde nenhuma bomba atômica explodirá, mas onde as intrigas e as informações falsas irão fluir por todos os lados.

Mas o pior é ainda assim pregarmos que temos de ajudar o próximo ou que somos melhores que fulano ou cicrano. O pior é o elogio seguido do riso que guarda nos caninos a vontade de morder. E qual conclusão tirar disso tudo? Os “guetos” ou “panelinhas” são conseqüências diretas da existência dos nossos umbigos, em torno dos quais, seja por sonho ou egoísmo, esquecemos de ver podridões para criar jardins nativos.

Não fossem os umbigos, Thomas Morus seria eterno.

5 comentários:

pensar disse...

Panela serve para fazer comida, se formos vestir ela viramos menino maluquinho.rsrsrs E ai esta a metafora da loucura das panelinhas.
Um grande beijo

Anônimo disse...

umbigo bonito o da foto. é o que prefiro ao lado do umbigo do sonho (meu, eu). no mais, de que adianta qqr 'ajuda', se a linguagem, suposto colo do entendimento mútuo, é mais 'suposto' que 'colo do entendimento'? :)

gloria disse...

guetos, seitas, sociedades secretas, alas são cercas e grades daquelas que se julgam seguros atavés de signos de semelhenças. A ilusão da pureza, da homogeneidade, do pacto entre supostos iguais produziu todos os "ismos"; facismo, nazismo, racismo. por isso, que a semana de arte moderna no Brasil é um referente significativo da ode às mestiçagens, às misturas que consagram o diferente (o outro) como "prato principal". o medo da contaminaçào, da transmudaçào de arraigadas crenças produz solidão e mais medo. sua escrita é um brado alto e livre sobre os que temem tudo que desconhecem. eu assino embaixo.

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Sim: panela serve para fazer comida, com toda certeza. Problema é que se uns meninos forem maluquinhos e outros tentarem ser mas não poderem ser por conta da ausência de panelas. Quanto ao umbigo bonito, concordo: belo umbigo de sonho. Mas sem linguagem não somos. Logo a questão não é "de quê adianta a linguagem", a questão é que precisamos da linguagem para ter algum entendimento ainda que esse entendimento escasso seja. No que pertine ao nosso mundo de "ismos", os problemas nem são os "ismos", mas sim os cataclismas que esses "ismos" podem causar. Vide essa crença boba de que tudo pode ter nome. Concordo que a mistura é o caminho correto: chamamé com samba, samba com salsa, salsa com rock, rock dodecafônico e dodecafônicos com tangos, tudo isso nessa penela de todos que a Latino América é. E temer o que desconhecemos é temer a nós próprios, pois ao que me consta ninguém mergulhou no espelho - a não ser nos rios e piscinas. Talvez o colo do entendimento seja o nada. E nem haja angústia nisso, seu Lacan. Um beijo a todas.

Anônimo disse...

desfazer mal-entendidos: a linguagem é imprescindível, a minha questão não é a que você supôs. e só reforça o meu dizer e o seu. bjos.