segunda-feira, 16 de março de 2009

E Like A Rolling Stone é que me põe a cara limpa pra essa semana que inicia.

Bom mesmo é fazer a barba escutando Bob Dylan.

Além disso, bom também é imaginar que na quadra lá embaixo, dois garotinhos brincam em um monte de areia – e que por detrás deles existe uma pilha de tijolos.

Bom é saber que apesar de não saber, intuímos que a semana será boa e que algumas mudanças são necessárias.

Bom é acordar com esse sorriso em Z na cara e com esse riso em W no rosto.

Sim, porque cara e rosto são duas faces completamente diversas de uma mesma matéria: a cara esconde o rosto assim como o Z esconde o W.

E não que as coisas aconteçam assim, linear, harmônica e logicamente, como se tudo que fizemos justificasse tudo que somos.

Mas é que as máscaras são necessárias, ainda que o sol deste meio-dia desfaça qualquer cera que não seja cera de abelha – pois qualquer cera que não seja cera de abelha, nada irá compartilhar, morrendo só no porão de um navio eternamente atracado em completa ausência de embriaguez.

Por isso é preciso ser mais que fôlego. Afinal, Cabral certamente não sabia mergulhar.

Por isso, antes de puxar as âncoras e sair para o Cabo da Boa Esperança de cada rua, é necessária essa minha barba feita ao som do Dylan. Se calhar, também grito outro Dylan, mas o Thomas, pra fazer com que o mundo se aquiete e enfim me ouça para ouvir a todos.

Se ontem haviam ambulâncias e acenos da origem no terreno de memórias vermelhas, hoje há uma ânsia de futuro, uma vontade de seguir em frente sem medo de esbarrar em qualquer poste. Se esbarrar, basta levantar e caminhar, porque do contrário logo virão os cães – e os cães, espelhos de nós, não suportam gente diferente em seu território.

Mas será que as coisas são bem assim? Ou melhor: será que as coisas devem ser bem assim?

Existe uma grande fenda entre o ser e o dever-ser. E quando esta fenda diz dos outros que conosco cruzam em cada rua, esbarrando ombros imaginários e despencando papéis pela calçada, o mínimo que podemos trazer nas mãos é o respeito da pele, é o respeito de que o outro é outro e não apenas um reflexo do que pensamos desse outro.

Distantes de quaisquer intelectualismos, distantes de quaisquer coisas que chamam científicas, é necessário esse sentir, é necessária essa obra em infindável construção/reconstrução, sendo que sem essa necessidade nossa pele passa a ser uma Auschwitz de saudades, uma compilação de afetos que foram e não mais serão porque nos tornamos prisioneiros do medo.

E de algo adianta ser prisioneiro do medo? Se calhar ficar em um porão escuro, que assim seja. Mas como a mim não calha isso, prefiro esse senso de Bispo e Rosário mesclado a um quê de Descartes pra não perder completamente o referencial nessa coisa que chamam de líquida e que dizem que é o tempo atual.

Mas não que eu queira as antiguidades. Não que eu conserve minhas entranhas em um baú de formol, my Baby Blue.

O fato é que temos de nos abastecer na constância das sensações para só então carregar conosco não apenas um monte de areia que por detrás aponta uma pilha de tijolos. Temos de carregar conosco essa necessidade de seguir, essa ausência de bússola, essa falta de comprometimento com a completa sanidade, ainda que alguma página matemática sempre seja necessária.

E Like A Rolling Stone é que me põe a cara limpa pra essa semana que inicia.

4 comentários:

pensar disse...

Adorei, isso mais claramente é que eu adoro teu modo de pensar que acabas experessando em palavras. Mas somos isso, o viver intenso, a vida e nao o medo dela,a ausencia, a protecao(de que?)
Um grande beijo e uma otima semana

Anônimo disse...

advertencia:
teclado sem acento. cuidado!
comentario:
eita, que vida de intertexto a nossa. seja fabula, quadrinho ou o bardo contemporaneo. assisti a i'm not there no fim de semana. fiquei louca pela Cate Blanchet sendo Jude Quinn sendo Bob Dylan. vc deve ter visto o documentario do Scorcese. muito bom, nao? bjos, musicas e, qdo eu postar de novo, dou outra advertencia :)

gloria disse...

acho que nunca estou de cara limpa. cada jeito meu de franzir a testa, morder os lábios, olhar na ponta dos dedos me diz dessas tantas máscaras que me vestem. Quando dói, dói de ficar a dor grudada na cara, prego uma máscara de aço por cima daquela da dor."por isso é preciso ser mais que fôlego", guardar porosidades para a hora do possibilidade de naufrágio. Você grita Dylan e ontem gritei "mercy street" na voz sentida de Peter Gabriel.

let's take the boat out
wait until darknes
let's take the boat out
wait until darkness comes

O escuro pode ser a possibilidade de, finalmente, poder dispensarmos as máscaras. Essa claridade absurda que nos impede até mesmo de ouvir e ser escutado. Você ouve agora os sons daqueles que têm medo? Eu sei que não há misericórdia para as ruas, pelo menos enquanto qualquer delírio feito o do Bispo que borda os rosários para Deus escutar, for classificado e remetido às grades institucionais. Eu trago o respeito da pele, tenho traçados de indignação. Eu também me abasteço nas constâncias das sensações. Mesmo que a música me leve de barco para um lugares-ilhas. você me conduz para o escuro e o brilho da estrelas pedem que tiremos as máscaras. estamos, de cara limpa.
bjs

.SL. disse...

Sem dúvida, caro Eduardo. Você realmente exara uma visão (super) realista da própria realidade. De fato, o é. Sua ânsia é gritante por um novo movimento. Para que o mundo movimente-se a cada dia. Ao textualizar que "Temos de carregar conosco essa necessidade de seguir, essa ausência de bússola, essa falta de comprometimento com a completa sanidade, ainda que alguma página matemática sempre seja necessária", demonstra uma indiganação diante da inércia humana e que, de mãos atadas, o que pode-se fazer é empurrá-la com palavras. Ainda que sejam ditadas ao vento.

Como vê, ainda prendo-me a uma realidade mais romântica, pensada e repensada com palavras, pontos e vírgulas que valem textos. Traduzo minha perfeições até em imperfeições sintáticas que a poesia me permite emitir. Mas ainda que eu não escreva, sua realidade também é vivida por mim. E digo mais, é vivida por muito e por tantos. Um beijo e que Stone o acompanhe sempre para que possa iniciar todas as semanas com tal disposição.