sábado, 7 de março de 2009

E o Fábio Júnior, quem diria, já havia dito tudo isso.

Não sei do meu amanhã. Sequer do meu hoje sei.

Sonho uma vida sem sonhos. Sonho uma vida de sonhos.

Por isso trago essa canção no rosto e essa melodia nos olhos. Por isso esse acorde é minha íris e esses metais são minhas mãos.

Se algo crescerá dessas partes, nada posso prever. Ao revés do amor que minto, não sou cristal cigano. No máximo sou vidro de café quebrado pelo chão da cozinha. Café este que, aliás, ao invés de pela manhã me acordar, me embutiu um sono do qual até agora não me desfiz, como mochila colada à coluna que sobe até o cerebelo.

E ainda que eu queira, a vida está longe de ser como um filme do Lynch.

Sei desses corredores. Sei dessas portas verdes e de tantas faces conhecidas em cada sala por abrir. Sei também desses estertores de verbos que pelos meus dedos escorrem – influência do Raduan que insiste em criar seus coelhos. Mas além de saber disso tudo, nada sei, nada sou além disso que sonho: uma vida sem sonhos – uma vida só sonhos, falando como pessoa e Pessoa.

Não é que eu queira ser um Breton do século XXI. Muito ao contrário dele, não tenho ares de médico e sequer um bisturi para cortar minhas idéias.

Quero, antes disso, que esse acordeon continue juntamente com esses metais e esses acordes de olhos, com esse Beirut que me traz tanto um ar de Kusturica quanto um ar de Jorodowsky, porém desprovido daquela crueldade de ferro quente que queima a película de ambos e as veias de quem os assiste.

E mesmo que tantos queiram, hoje vejo que não somos gado ou rebanho, ainda que o Zé Ramalho nos tenha dito isso a torto e a direito, ou que a voz do Nietzsche nos tenha sussurrado que um cubo só é um cubo porque ninguém soube sair de lá. Os continentes se desprendem, pode acreditar nisso – e me deparar com a Sbornia assim nas torres de Torres, não seria nenhum assombro.

Sonho com essa vida de sonhos, portanto, não como quem quer uma Hollywood, pois nunca me desejei uma calçada que não esteja para o rastro dos navios.

Sonho essa vida de sonhos, como sonha o malabarista de rua com o Cirque du Soleil, sabendo que apesar disso, estou anos-luz de distância desse mesmo malabarista que na minha frente encena com esses galões de trânsito – supernova que descamba em uma coesão do peito e provoca o próprio texto.

Se meu amanhã é incerto, essa incerteza não vem do futuro, mas sim do agora. Do futuro vem apenas o anseio, a síndrome dos barbitúricos que tantos divãs comportam.

Quanto a mim, renego esse analisar, já que sou muito egoísta para falar mais do que falo.

E eis a contradição: se digo da falta de ética desses umbigos/panelas, que por todas as cidades giram seus guetos sem samba, por que não me abro também aos ouvidos de um divã e me entupo de qualquer droga pra suportar o vazio?

Sei que a camada é fina e do sem-nome a hipotermia. Talvez por esse saber, quase profeta de mim, persista em me analisar, parodiando tudo que vejo e sinto na prolixidade de sempre, na angústia de cada nome inventado.

E assim meio capenga, gauche Drummond/Baudelaire, construo e fundamento minha própria ética de fortaleza na carência de tantos braços, amigos e amores, já que o diesel que vem das minhas veias só existe em outros corações.

Mas se meu agora é incerto, como poderei nomear o tempo dessas algas que se prendem à minha medula de sono e mala, neandertalesco das próprias necessidades, faroleiro de uma razão que inexiste distante da plena falta?

Não há janelas, meus amigos: só fendas, seja para nascer, chupar, espiar ou chover.

E essa é minha conclusão.

O certo, contudo, é que o relógio afundou e permaneceu somente o mar e o barco: três personagens distantes que nunca encontrarão margem, pois não existe nenhum farol além das tartamudices da Virginia Wolff e dos meus poemas sem graça.

O certo é que o tempo parou ou sequer um dia existiu.

E o completamente certo, é que seja eu um balzaquiano que nem trinta anos tem e por isso mesmo traz angústias que não suportou e talvez nem suportará.

Mas a única verdade mesmo, é que não me desfaço dos meus planos, quanto mais com estes meus vinte e poucos anos.

E essa minha vida de sonhos virá, pode crer, meu chará: só não esmaguei seu pescoço aquele dia no banheiro, porque me escorreu a mão assim como sabonete. E foi por isso que aquela noite você me pôs metano nos olhos, seu safado. Mas aqui está minha vingança: tapa de luva e verbo na sua face de nada. Portanto estamos quites, seja você o outro que em mim habita ou simplesmente o meu silêncio de depois. Mas sei que você não tem nada de bossanovesco, seu grunge chato.

E o Fábio Júnior, quem diria, já havia dito tudo isso.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Eduardo. Agora percebo que, na primeira vez que fiz um comentário de teu texto, estava sem qualquer inspiração. Equação ou contradição? Não conseguia escrever = não conseguia ler! Agora, aos poucos, todo está voltando (e tenho medo que isso me fuja, como os raios do sol entre os dedos da mão). Retorno à escrita e saboreio teu texto. O que postaste é PAULADA! Abraço e bom final de semana!

pensar disse...

Que profundo!!! Tu mergulha e desbrava, mas talvez nao veja que mesmo parado sempre a algo acontecendo, e que mesmo na solidao sempre tem alguem pensando em ti. Sorria para vida e a vida sorri para ti.
(mesmo sabendo q ha momentos dificeis, talvez incompreensiveis, mas a melhor compreencao do incompreensivel 'e nao compreender-o q nao tira sua verdade)
um grde beijo

Biba disse...

Du, sinto este texto em tom mais coerente do que outros lidos aqui. Mas o que é coerência, afinal? Falo de uma lição, de um efeito mágico que tuas linhas inspiram. Falar sobre amor e tantas outras coisas ao mesmo tempo, questionando e dizendo que não há janelas, só existem fendas, é muito para nós que acreditamos nas janelas ainda. É duro de ouvir, mas é preciso, eu sei.
Beijo grande,
Carpe Diem!!

gloria disse...

Eduardo, esses metais feito mãos, esses vidros de xícaras quebradas de café, esse acordes de canção que te nomeiam me parecem tào desprovidos de uma imagem de ti. Quanto mais tu negas que és cristal cigano mais pequenas pedras brutas, que ainda nem reluzem como preciosas, tintilam diante do meu olhar incrédulo. O relógio afundou desde que o tempo esgarçou no compasso de tantas esperas. as frestas sào pequenas janelas de um olhar que se recusa as passagens permitidas. outras janelas poderiam "abrir as portas que dào dentro".haveria jardins, ruas, águas correntes e corais alinhados aos cabelos de quem se ama. podemos prever essa intensidade que espreita os poetas, insistentemente. Quem ousaria dizer que alguém para migrar em busca de algo-que-nào-se-sabe-o-nome deveria esperar os sinais de luz desse farol, quem acredita nessa chama de uma razào que gagueja? quem? se os iluminismos sào de outros fachos de razão, para que esperar alguma luz fora do túnel ou um lugar no além-mar? eu prefiro as frestas e fendas das pequenas descobertas. sem nenhuma saber sobre o amanhã e nem mesmo o ontem. Cada vez que percorro teus escritos me sinto em cordilheira de palavras. sem balsa, sem bússola, sem tempo. bj