domingo, 16 de novembro de 2008

um gosto de cerveja me desce pela garganta.

jan steen.
um gosto de cerveja me desce pela garganta. minha língua também tem gosto de cerveja. fazendo com que ela cruze por sobre meus dentes sinto que até mesmo eles tem gosto de cerveja. ouço um ônibus cruzar na rua e sinto um vento agradável de domingo me bater no rosto. aliás, dizer que o vento me bate no rosto é forte demais. mais valeria dizer que o vento acaricia meu rosto. porém, dizer que o vento acaricia meu rosto é meigo demais no sentido de que beira a homossexualidade. logo, prefiro dizer que existe um vento que chega no meu rosto através da janela aberta. pronto. assim tudo fica metódico e quase sistemático como a descrição de um produto eletrônico. mas alguém entende a descrição de um produto eletrônico? existem aqueles manuais que para os incautos de vez em quando servem. mas quando os caras começam a utilizar siglas demais, letras e números desconectados das palavras às quais estas letras e números apontam, já começo a ficar tonto e ligo para um técnico. certamente o técnico, ao chegar no meu apartamento para ajeitar a parabólica ou o dvd ou o computador, daria risada da minha cara se fosse sincero. deve pensar tu é um baita burro! quando exponho meu problema pra ele. contudo, como certamente irá me cobrar uns belos cinqüenta reais para resolver meu problema, fica com uma cara de seriedade de criança no vaso e demora algum tempo, coisa de uns vinte minutos, pra consertar um problema que resolveria em não mais que cinco se fosse levar as coisas verdadeiramente à sério. entretanto, como no seu trabalho se ele levar as coisas verdadeiramente à sério ele perde clientes e por conseqüência dinheiro, fica brincando com uns fiozinhos que conhece há décadas até que grita um achei! e me fala que tudo está resolvido. até entendo essa posição do técnico em eletrônica, frisando aqui que esse termo sempre me soou inefável. para sermos francos, o que é eletrônica? eletrônica pode ser várias coisas que tem a ver com coisas que lidam com eletricidade para funcionar. e como estou com preguiça de visar o dicionário para dar embasamento a estas palavras que agora se fazem texto neste pequeno comentário que faço acerca daquilo que vejo, fico com essa rasa conceituação. entretanto, se o técnico tem que demonstrar seriedade para ter credibilidade e por conta disso passar uma imagem social de profissional, vejo que todos os supostos profissionais também são assim. se um cliente chega no escritório de um advogado querendo se aposentar, por mais que o advogado, averiguando os documentos do cliente veja que este facilmente alcançará a aposentação, ele irá fazer uma cara feia e dizer para o cliente que o processo será difícil e que administrativamente certamente não será resolvido. por conseqüência, o cliente, digamos que um homem do campo, daqueles desdentados e fedendo à cigarro de um real, fará olhos de alerta como que defronte a um pastor alemão nazista e irá perguntar pro advogado se isso não teria perigo algum. o advogado, homem educado, acostumado com os clientes que julgam que um código civil é algo semelhante a bíblia, dirá que não haverá perigo algum e que o cliente certamente até mesmo terá assistência judiciária gratuita. entretanto, quando o cliente pergunta se isso queria dizer que ele não precisaria pagar nada, o advogado entra em um juridiquês tremendo e fala que a gratuidade da justiça tem a ver com os expedientes cartoriais e demais diligências que são da alçada da magistratura, a qual, investida da devida jurisdição, tem um aparato organizacional para que os processos que chegam aos milhares nas mesas dos juízes, que tem de estudar mais de quinze anos para enfim serem juízes!, coisa parecida com bispos, serem julgados e terem uma sentença que será publicada no local de costume, considerando, ainda, que é esta magistratura que cobra custas daqueles que podem pagar e não cobra daqueles que não podem pagar. contudo, percebendo que o cliente nada entendeu, já que continua com aquele olhar aparvalhado de quem acabou de assistir uma missa em latim, o advogado resume que ele não vai ter que pagar as custas do fórum, dos capas-pretas, mas que as custas do advogado, ou seja, do serviço que o advogado irá prestar, ele terá que pagar sim, sendo que para isso terá de assinar um contrato. quando o advogado puxa o contrato, o sujeito olha praquelas cinco laudas e não entende bulhufas. mas diante das explicações largas do advogado ao chamar um cafezinho pra secretaria de mini-saia, que agora até sai daquele discurso da dificuldade processual pra dizer que o processo, isso nos veios judiciais, é praticamente ganho, o zé (digamos que o cliente se chama zé e tem apenas dois centro-avantes (e não sei se existe este hífem nesta palavra) na boca) acaba assinando muito feliz as cinco laudas do contrato, a procuração e até mesmo a declaração de hipossuficiência, o que o zé não entendeu direito mas sabia que tinha a ver com o fato de ele não precisar pagar as custas da justiça. neste sentido, desconfio que o advogado e o técnico em eletrônica tenham muito a ver. por que você procura um técnico em eletrônica? para resolver um problema praticamente inefável que surge em algum aparelho da sua casa que a tempestade da semana passada não queimou. por que você procura um advogado? para resolver um problema praticamente inefável que surge por conta do fato de que você soltou uns cheques frios, eles voltaram, os cobradores estão batendo na porta com uma orquestra chuvosa de fevereiro e você não sabe mais o que fazer. há de se dizer que existe muita semelhança entre as duas profissões pelo menos no âmbito dos pepinos que ambas tem de descascar. entretanto, existe também muita desemelhança entre ambas. pra começar, podem até existir advogados técnicos, daqueles que pegam uma tabela de impostos do lado da declaração de imposto de renda de uma empresa e sabem de cara o que o cliente está pagando pra mais. porém, indo mais e mais fundo na legislação que fez com que aquela tabela e aquela declaração de imposto de renda existam, o advogado vai acabar caindo lá naquele conto do borges da loteria da babilônia. ora, se indo mais e mais fundo naquilo que propiciou o próprio governo cobrar do empresário tal imposto em tal ano o advogado ainda assim for considerado um técnico, temos de internar em um hospício especializado para esquizofrênicos aquele sujeito que deu tal diagnóstico, e por conta disso boa parte das pessoas que ensinam direito nesse nosso país. nesse ponto é que digo que não existem operadores do direito. quem opera são operários, e por mais que existam advogados em escritórios por aí que tenham salários de operários, nós que trabalhamos com o direito não somos operários. ao contrário, nós somos no direito e somos do direito, e sendo no direito e do direito, podemos dialogar tranquilamente com todos os ramos do saber, o que faz com que muitos desses seres que estudam leis creiam que podem falar sobre tudo aquilo que não entendem como se fosse uma descoberta feita tão-somente a partir do seu discurso. porém, em que pese existirem esses defeitos, o advogado não é apenas um técnico ainda que execute trabalhos técnicos. contabilizar notas de expediente, fazer grades de clientes, traçar metas e coisa e tal é coisa muito chata, concordo, e por isso técnica. porém, caso sua atividade seja levada ao âmago da mesma, o que teremos não é uma tecnicidade em si, mas sim pura filosofia. e por quê? lembremos da história. dizem por aí que foram os romanos aqueles que mais contribuíram para o direito. discordo disso em parte. e discordo disso em parte porque na realidade os romanos apenas sistematizaram o excedente do pensamento grego que, apesar de apontar para termos muito conhecidos mas pouco utilizados por nós atualmente, como ética e política e até mesmo justiça, era deveras inefável. inefável porque os pensadores gregos passavam o dia pensando e tomando uma bebida da qual não lembro o nome, sendo que não sei se era vinho ou cerveja, e tendo lá suas relações com mancebos e prostitutas sagradas aqui e ali. desta maneira, é impossível não pensar de maneira inefável. é algo como você viver na finlândia, ter um bom salário e boas perspectivas de crescimento na sua vida profissional, e mesmo assim se sentir deprimido com a questão da finitude. ora, trazendo isso para as quadras que existem ao meu redor, já que hoje vim almoçar na casa dos meus pais, é algo que não procede. reconheço que por essas bandas existem pessoas que andam pra lá de deprimidas. entretanto, essa depressão é mais por falta de carinho do que por falta de sentido para a finitude da existência. e pra ser mais franco, é mais por falta de grana do que por tudo isso, porque se falta carinho de outra pessoa, e aqui estou falando de carinho sexual, ao menos mãos e dedos existem, dependendo, é claro, de a qual sexo eu esteja me referindo. mas como prefiro que minha definição seja assim meio andrógina, meio david bowie, as coisas ficam por aí mesmo. mas voltando aos romanos, o que acontece é que estes roubaram tudo aquilo que os gregos haviam produzido em termos filosóficos e trouxeram para o plano da faticidade, para o plano dos fatos. desta maneira, a abstração do pensamento grego, ainda que o aristóteles dissesse aquela história de natureza que até hoje nós usamos ao dizer que fulano nasceu pra chefe e cicrano nasceu pra peão, foi levada para a praticidade do pensamento romano, o qual se preocupava com o agora, o que eu acho que tem a ver com o fato de tantos imperadores terem uma tara voraz por irmãs, sobrinhas, mães e afins. existem alguns relatos que referem camelos e anões, mas nisso eu não acredito, porque aí já seria demais pro meu gosto e acho que até pro gosto deles. mas dentro disso tudo, o que os romanos fizeram foi pegar o que os gregos falaram, distorcer tudo aquilo e limpar a abstração das pedras de platão para que esta mesma abstração ganhasse status na vida de cada cidadão do império, isto para que este império se estendesse mais e mais, chegando a abarcar, como é do nosso conhecimento desde a sétima série caso não tenhamos gaziado essa aula pra ir jogar futebol, todo mundo conhecido da época. e é aí que engrossa o dedão, como escreveu um grande amigo em uma dissertação no segundo ano da faculdade. engrossa o dedão nesse sentido porque estamos falando de um direito que chegou até nós e acabou por redundar em todo esse aparato estatal insuportável, que tem raízes lá atrás, lá nos idos de não sei quando, apesar de sabermos brevemente qual é o aonde desse quando. se este aparato estatal tem origem lá atrás, lá nos idos de não sei quando, o fato é que a realidade da tabela de impostos que o advogado terá que averiguar ao lado da declaração de imposto de renda de uma empresa qualquer será conseqüência, mesmo que longínqua, de tudo aquilo que ocorreu séculos atrás. neste sentido, quanta putaria existe por detrás de um código! quantos incestos não tiveram que acontecer pra que um dia alguém parasse e dissesse: péra aí, isso é interditado, é como a 285 lá pros lados do pará, se andar quebra e morre! e nisso, um tempo depois, surge o freud e diz do édipo e de toda essa coisa que no final das contas tem a ver novamente com gregos. aliás, me indigno com isso. ontem estava lendo uma história (ou estória, como queiram, já que eu acho que a mitologia merece o H muito mais do que qualquer biografia) que me impressionou. no início era o caos, segundo a mitologia grega, sendo que então surgiram gaia, a terra, e urano, o céu. acontece que urano sempre deitava em cima de gaia em um coito sexual cósmico, o que deve soar bonito para algum emaconhado. e de tanto deitar em cima de gaia e penetrá-la, a dita acabou engravidando. só que como o peso de urano era grande demais, os filhos de gaia ficavam presos dentro do ventre da mesma. revoltada com isso, querendo que seus filhos ganhassem ares, gaia forjou uma foice para crono, filho que estava lá embodocado no ventre de gaia, e este, quando urano foi se debruçar sobre o ventre da mãe com os olhos babando de tara, cortou as partes sexuais do pai, que desde então nunca mais pôde penetrar ninguém (o que, pelo tamanho dele, este presumido, claro, até que foi legal). só que desta castração surgiu uma coisa complicada, porque desta castração surgiu o que chamamos de identidade. surgiu o que nós chamamos de identidade, porque a partir daquele momento os seres deixaram de existir em uma unidade gaia/urano, terra/céu, para existirem, então, entre gaia/urano, entre terra/céu. desta forma, ocorreu a individualização dos filhos de gaia, cujo primeiro, não por acaso, foi crono. e como crono é aquele que diz do tempo, talvez essa seja a primeira dimensão que nos é apresentada enquanto humanos. porém, se o tempo é a primeira dimensão que nós é apresentada enquanto humanos, desde quando somos humanos? a pergunta se torna mais e mais difícil. alguns podem até dizer que dentro dos testículos dos nossos pais já somos humanos. porém eu não descarto a hipótese de que, se isso for verdade, nós sejamos, como disse o oliver stone lá no início da década de noventa, assassinos por natureza, já que seria plenamente normal matar os espermatozóides semelhantes que quisessem também o paraíso do útero. e ao pensar nisso outra coisa me ocorre na cabeça: não seria essa coisa de paraíso ao qual todos os povos querem encontrar algum dia justamente a saudade do útero ou a perda da unidade entre mãe/filho, entre gaia/urano, entre terra/céu, que se dava quando ambos habitavam o mesmo corpo? não saberia dizer. talvez isso encontre um bom paralelo com o fato de que logo acima falei que crono decepou os órgãos sexuais de urano e por conta disso criou indivíduos. mas a questão da individualização é muito mais profunda, porque, afinal, crono comeu todos os seus irmãos com medo de que estes tomassem seu lugar. em realidade, apenas nos tornamos indivíduos no momento em que nos conhecemos. nosso conhecimento é eterno mas finito, porque circunscrito no lapso de tempo no qual estamos vivos. sendo um conhecimento eterno mas finito, o que irá dizer se nos conhecemos ou não é tão-somente o modo como nos damos a conhecer a nós e aos outros. porém, a maior parte das pessoas morre sem se conhecer. se não sabemos como e porquê sentimos tal emoção, de que adianta sentir tal emoção? se não sabemos qual o motivo de ter ressaca, de que adianta o martírio pós-trago? nada disso faz sentido ou talvez faça sentido para aqueles que querem mais sentir que pensar. mas como eu faço parte de um outro time, um time que quer sentir e pensar ao mesmo tempo, fazendo com que o pensamento venha do sentimento assim como o movimento vem daquilo que está parado, não concordo com essa visão. concordo, outrossim, com aqueles que dizem que o coração tem neurônios. aliás, descobrir que os intestinos têm neurônios há alguns meses atrás praticamente me chocou. se os intestinos tem neurônios e geralmente são regulares, pelo menos os meus, o certo é que o pênis é um retardado desses de amarrar em jaula, já que aponta pra tudo quanto é lado deixando você zonzo de tesão. mas não reclamo, uma vez que este é o preço que se paga por ser homem. ser mulher, ao contrário, deve ser muito mais difícil. ouvi falar uma vez que nunca se pode confiar em um ser que sangra sete dias por semana todos os meses do ano e ainda assim demora pacas pra morrer. e concordo plenamente com isso. ocorre que quando o componente daquilo que chamam de amor entra em cena, seja lá o que isso for ou o que isso quer dizer, a coisa muda completamente de figura. muda porque o carinho, o toque nos pés, as mãos nos cabelos, o beijo preguiçoso, faz com que tudo isso tenha cheiro de amor, tenha cheiro de uma relação que transcende os limites do simples sexo, que é, aliás, algo como ser funcionário público caso encarado no sentido maquinal da palavra. se um sujeito é todos os dias uma máquina sexual, há algo de errado com ele. quanto a mim, prefiro essa coisa lassa, essa coisa meio baiana, para tudo aquilo que é sexo e se relaciona com o sexo. não me vale uma rapidinha se esta rapidinha não me deixar dormir sentindo o cheiro do pescoço da mulher. não me vale um ambiente bizarro se este ambiente bizarro não vai me deixar beijar as costas da mulher. sou simples pra essas coisas e acho que o amor também é algo simples nessas coisas, apesar de essas coisas, para acontecerem, terem de ser subsumidas, sem a menor dúvida, a um milagre. e por quê? porque encontrar uma pessoa que você ama dentre seis bilhões de pessoas na face da terra é um milagre, e quando eu falo em milagre não estou falando de deus mas sim apenas de milagre. porém, milagre aponta para algo maior que aponta para algo que é capaz de realizar algo maior. em último grau nesse pelotão de super-homens, teríamos deus, mas prefiro sonegar esta explicação e ficar só com o milagre mesmo, cartesianamente falando. nesse sentido não me importa a teia de significações das palavras e dos termos. nesta maré, não me importa aquilo que vejo ou aquilo que toca minha pele. importa, por outro lado, aquilo que sinto nos lábios daquela que amo, aquilo que me faz ter certos arrepios quando aquela que amo me toca, aquilo que me traz uma tristeza estranha no pós-discussão no qual sempre perco. o fato é que os homens são insuportáveis e as mulheres também, e a saída para a alegria é a bissexualidade. mas como não sou tão evoluído assim, fico com minha primitiva heterossexualidade, a qual tem dado conta das minhas dopaminas desde meus anos adolescentes (aliás, desde os meus cinco anos, isto por conta de uma memória que agora me ocorreu mas que convém não comentar). neste sentido é que não acredito em técnicos. ninguém é técnico de nada. como dizia o pessoa, aliás, camarada pode ser técnico mas louco em tudo o mais, e com pleno direito a sê-lo. afinal das contas, até mesmo o técnico em eletrônica tem uma esposa e talvez uma amante, o que torna sua vida muito mais interessante, pois como dizia o poeta daquela bandinha, sempre é bom uma misturinha. se eu fosse um escritor desses da lavra do chamado realismo, isso muito me interessaria. mas como atualmente nem sei se sou escritor pois sei apenas que escrevo, prefiro me filiar na escola da minha palavra à prestar reverências a algo que em nada tem a ver comigo. e dentro de todo este contexto, o que concluo é que para escrever, o escritor, mesmo insciente do que é, em crise existencial, tem de saber o que quer escrever. caso contrário fará que nem o vinícius de morais, o qual, e que me perdoem os saudosistas, lia suas poesias como quem lê uma bula de remédio. e isso sempre com um whisky, o cachorro engarrafado, ao lado, o que talvez fosse uma tentativa de fazer com que aquele amor soubesse que jamais estaria em outro lugar que não no seu fígado e nos seus pulmões tendo por conseqüência a sua morte, como um prometeu que nada prometeu além de sentir e viver, o que de modo algum tira a qualidade das elegias do morais. por isso que sinto que ao ficar mais de meia-hora sem tomar cerveja, o gosto da mesma de doce passa para amargo. por que esse martírio? deve ser pra beber mais, pois ao menos assim o processo de criação, nem que seja de anos à menos na minha vida, se dá de maneira mais eficaz para que minha língua novamente possa lamber dentes com gosto de cerveja.


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