domingo, 9 de novembro de 2008

li em algum lugar que escrever em caixa baixa está em desuso.

piet mondrian.
li em algum lugar que escrever em caixa baixa está em desuso. ou no mínimo é antiqüado e pretensioso. acho que concordo com isso. mas não sei o que isso quer dizer. escrever em caixa baixa poderia demonstrar certo desleixo se ainda estivéssemos nos tempos das máquinas de escrever, porque estaria para o fato de que aquele que escreve tem preguiça em pressionar aqui e ali a tecla que gera as letras maiúsculas. entretanto hoje não existe porque isso demonstrar desleixo, já que os editores de texto fazem e acontecem nos computadores. e tanto que quando aquele que escreve quer realmente escrever em caixa baixa, precisa recorrer a processadores mais arcaicos como o bloco de notas no qual agora escrevo. caso contrário, a soberania dos processadores de texto sobrepujaria qualquer intenção daquele que escreve, seja em caixa baixa ou baixa e alta como nos ensinaram na escola. porém isso não quer dizer nada. aliás, ao escrever que isso não quer dizer nada e ao notar que comecei a escrever justamente por conta do formato no qual escrevo, noto que sempre digo em um momento do discurso que isso ou aquilo não quer dizer nada. mas infelizmente acontece que é justamente isso. quanto mais se queira dizer, quanto mais se queira fazer ou dar significado àquilo que se quer dizer ou fazer, menos se diz ou se faz. o significado ou o sentido é o oposto da coisa ou da ação, e isso faz com que toda explicação se torne tão redundante quanto um adeus quando nada mais vai certo. mas em algum momento as coisas andaram de maneira correta? o fato de dizermos que isso ou aquilo acontece de maneira correta ou incorreta está diretamente relacionado com a percepção que temos disso ou daquilo. se nosso senso moral aponta para o término de uma amizade, por exemplo, é óbvio que o término dessa amizade se dará porque um dos pólos não mais sabia o que fazer ou como se comportar diante da relação. porém, quem termina amizades? na maior parte das vezes, as pessoas apenas colocam o relacionamento em banho-maria e deixam que as coisas arrefeçam por si. na verdade isso é muito mais fácil do que um ponto final. por isso mais utilizado. mas mais correto seria se voltássemos ao tempo em que ser um autor ou ser um presidente significava alguma coisa. o fato dos estados unidos terem sido atacados em seu símbolo econômico lá nos idos do início deste século revela muito. revela, e aqui não quero me alongar no assunto, que não mais importam identidades, mas sim o poder que essas identidades, sejam elas existentes ou não, geram na trama de relações nas quais influem. isso quer dizer que ser uma ou outra pessoa não tem o menor interesse para as outras pessoas, pois o que realmente interessa é o quanto uma ou outra pessoa simboliza na teia de relações com as outras pessoas. é algo que acontece com uma palavra ou um termo próprio de uma ciência qualquer que, quando deslocado do seu contexto, deixa de ter significado próprio daquela ciência ou mesmo ter significado, já que pode ser completamente ininteligível àqueles que o lêem. fico pensando quando me ocorre isso no que deve acontecer na mente das pessoas que não são detentoras lá de muito conhecimento quando ouvem que inventaram ou construíram o grande acelerador de hádrons. pra começar, quase ninguém sabe o que são hádrons. dentro deste grupo me incluo mais por preguiça do que por sapiência. me incluo, enfim, por ignorância, pois algum tempo atrás um livro do hawking me explicou de maneira esmiuçada tudo isso. mas aconteceu que senti que aquilo era lógica demais para a minha cabeça e simplesmente larguei o livro, olhando pra ele de vez em quando ali na estante, sem saber se ele olha ou não para mim. talvez a nossa relação seja como as relações que se estabelecem entre esses adolescentes tímidos e as primeiras meninas com as quais têm contato nas noites da vida. nessas horas, o menino não sabe se a menina está olhando pra ele com olhar de cobiça ou de malícia no sentido de caçoar da roupa, da calça, da camiseta dele. e aí, tanto por conta do fato de ser tímido quanto por conta do fato de estar inserido em um grupo social, pois invariavelmente irá para a noite com um grupo de amigos, sentirá vergonha caso tome alguma atitude e essa atitude venha a ser frustrada pela reação da menina, considerando que esta vergonha, ainda que provenha de um ato feito diante de pessoas que são tidas como amigas, irá marcar o momento daquele adolescente de uma maneira completamente negativa, de modo que no futuro, e aqui falo no campo da completa relatividade, é possível que este mesmo adolescente até tenha problemas conjugais e acabe aos quarenta anos tendo vinte anos de divã no consultório de um psicanalista qualquer. porém, ainda que eu esteja escrevendo em caixa baixa e deixe que as idéias se relacionem ao sabor do próprio texto, não falo de mim quando falo disso. entretanto, lembro que alguém algum dia disse que nunca falamos de outra pessoa que não seja de nós mesmos, o que talvez anule o que acabei de dizer. mas o fato é que isso nada quer dizer, pois tudo quanto digamos, ao contato com as pessoas, com as coisas e com o mundo, é simplesmente anulado pela completa relação de negatividade que tem com as pessoas, com as coisas e com o mundo, de modo que nossa fala, que nossas construções sobre tudo aquilo que vivemos e somos, sempre estará completamente disparatada daquilo que vivemos e somos. talvez seja hora de invocar o pessoa precisamente na figura do caeeiro pra dizer que as coisas não tem sentido oculto, mas apenas existência. contudo, isso seria muito simples, muito lógico, conecto demais com aquilo que se está falando, fazendo com que o discurso ou o texto, como queira, soem de forma completamente inútil diante daquilo que se propõem a falar. mas o quê o discurso ou o texto se propõem a falar? ou melhor: o quê este discurso ou este texto se propõem a falar? vejamos. comecei por dizer que escrevo em caixa baixa e isso me levou a supremacia dos processadores de texto nestes dias que vivo. logo depois falei de relacionamentos, tanto no plano mundial quanto no plano pessoal, e acabei parando no pessoa pra retornar a falar da caixa baixa. acho, sem maiores pretensões, diante deste quadro, tentando traçar alguma logicidade em todas as linhas que traço, que é justamente este espírito, estas camadas sobrepostas de assuntos que se interligam que é o que quero que as pessoas ouçam. afinal, o grande acelerador de hádrons tem a ver tanto com o presidente eleito dos estados unidos quanto com os adolescentes que nesta noite de sábado sofrem pressão das meninas e dos amigos. e por quê? em suma, porque tudo acaba sendo feito da mesma matéria, e a idêntica sensação de desconfiança do olhar do adolescente diante do olhar da menina é aquela sensação que temos ao sentir que mini-buracos negros podem surgir do grande acelerador de hádrons. mas quem saberá o que são buracos negros se quase ninguém sabe o que são hádrons? lembro que uma senhora idosa esses tempos entendeu uma notícia da televisão sobre um acidente com um ônibus no sentido de que este ônibus havia caído em um buraco negro. fico me perguntando o que essa senhora, lá com seus setenta e tantos anos, entendia por buraco negro, o que me faz lembrar que sábado passado fui na missa e tentei não racionalizar nada do que via. fiquei lá no fundo da igreja, em pé, praticando os mesmos atos que as pessoas ao meu redor praticavam tão-somente por praticar e tão-somente para entrar no clima no qual aquelas pessoas estavam, o que me fez sentir toda aquela simbologia eclesiástica de uma forma completamente diversa do que sinto já há algum tempo. quando eu era adolescente, aliás, participava de um grupo religioso na minha escola. lembro que o nome do grupo era remar. confesso que participava mais pra ir acampar com os amigos e jogar truco do que pra rezar, mas a realidade é que uma coisa levava a outra, então aquilo me fazia bem. pensar nisso me faz ver o quanto é impossível separar todos os campos das nossas vidas. tudo tem a ver com tudo na exata proporção de que tudo é feito da mesma matéria, e pensar de maneira diversa seria como que anular a própria tessitura das coisas, das pessoas e do próprio mundo. acontece que quando se vive de cultura e quando não se sabe o que é o mundo e as coisas a não ser através da linguagem, o que significa cultura, corre-se o risco de que os significados sejam completamente diferentes no tempo e no espaço, o que gera, por sua vez, interpretações completamente diferentes dos fatos em todos os lugares. isto acontece mais ou menos no mesmo grau de complexidade e diferença que existe entre um bairro norte-americano e um bairro israelense. mas entre um bairro norte-americano e um bairro israelense, ainda que se vejam enormes diferenças, haverá a similitude das relações entre as pessoas, pois tanto em um quanto em outro haverão adolescentes tímidos e meninas que irão olhar para adolescentes tímidos. mas a carga deste olhar, ainda que tenha o mesmo desejo, será completamente diferente de um lugar para o outro, pois haverá uma moral e um senso de realidade diverso, o que fará com que a própria realidade, ainda que feita da mesma matéria tanto no ocidente quanto no oriente, tenha uma configuração que se mostre completamente disparatada uma da outra, o que me faz lembrar novamente da questão da caixa baixa, pois antigamente era desleixo escrever em caixa baixa. acho até que foi isso que fez com que o keuroac, mesmo que seu tema fosse um tanto diverso dos temas abordados pelos seus antecessores, fosse considerado aquilo que consideram beat, seja lá o que isso for além de uma batida. claro que o jazz e tudo o mais influenciaram nisso no sentido de que as relações entre os instrumentistas tinham muito a ver com a espontaneidade dos textos. isto é: era proposto um tema e este era improvisado por cada componente da banda em várias escalas harmônicas a uma órbita central, fazendo com que este mesmo tema pudesse se estender ao infinito em infinitas relações. e o desleixo que viram nos beats e que fez com que eles influenciassem até mesmo os hippies tem a ver com essa coisa de se deixar levar, de não atravancar o fluxo das palavras com uma racionalidade estanque que procure a certeza em cada passo, pois, ao contrário do que se supunha lá pelos idos do século XVII, a razão não é tão racional assim. desta maneira, acredito que esse seja o espírito de tudo quanto falarei neste espaço que hoje inauguro. as fatias da realidade serão aqui sobrepostas para que tenham um sentido enquanto sobrepostas, para que existam como existem na vida: uma em cima da outra, uma ao lado da outra, uma dentro da outra e uma fora da outra dando sentido a uma e outra. essa intenção pode soar antiqüada, pode soar até universalista, mas o fato é que é tão pessoal quanto o chá de maracujá com leite que tomo neste calor de trinta e tantos graus na madrugada de sábado. por conta disso é que minha única pretensão em escrever em caixa baixa é essa: escrever em caixa baixa. o que já é pretensão demais e mentira demais. afinal, a forma esconde aquilo que dizemos assim como o insufilme esconde aquilo que dentro do carro fazemos. e tanto nos textos quanto nos carros permanecemos parados enquanto algo anda por nós e em nós, pois se de um lado existe a palavra do outro lado existe a estrada, que é, convenhamos, também uma palavra repleta de buracos assim como todas as palavras são, sejam elas em caixa baixa ou alta.

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