domingo, 9 de novembro de 2008

é domingo e sei que o dia será quente.

paul klée.
é domingo e sei que o dia será quente. sei que o dia será quente porque bate um vento que faz as cortinas da biblioteca arfarem como se estivessem respirando após uma corrida. e uma longa corrida. as nuvens, porém, estão brancas, o que talvez queira dizer que logo mais irá chover. entretanto, mesmo que chova, ocorrerá que o calor somente aumentará, isto porque a chuva mais o mormaço desse novembro que inicia quer dizer que o dia será insuportável. mas isso do ponto de vista da temperatura, que fique claro, porque no mais creio que ele será agradável. por isso que tento repensar certas coisas que falei ontem. dizer, por exemplo, que a relação dos nomes com as coisas e os fatos é uma relação negativa talvez esteja errado. a relação dos nomes com as coisas e os fatos é uma relação negativa no sentido de que os nomes nunca estarão para as coisas e para os fatos. ou seja: nosso limite é a palavra, mais precisamente a linguagem ou a cultura. depende, enfim, de quem fala. mas fazer recair o adjetivo negativo sobre essa relação quem sabe seja demais tendo em vista que percebemos essa relação. acredito que antes da evidência de que os nomes são disparatados das coisas e dos fatos ser uma evidência negativa, seja uma evidência que não carrega nenhum pólo elétrico. ou seja: uma evidência neutra, como aqueles elementos da tabela periódica que misturados com outros elementos da mesma tabela periódica se tornam neutros, coisa que nunca entendi. dizer que antes dessa relação ser negativa esta relação é neutra implica em uma posição plenamente existencial frente a própria vida, o que quer dizer que antes mesmo de entrarmos em contato com as coisas e os fatos e com os nomes que trazem ao nosso conhecimento cultural as coisas e os fatos, temos uma neutralidade em relação a eles que se anula ao primeiro contato com os mesmos. logo, antes da negatividade existe a neutralidade. porém, pensar nessa neutralidade talvez seja remeter a instantes intra-uterinos ou mesmo pré-uterinos que jamais poderão ser sondados. pensar nessa neutralidade, enfim, e levando a reflexão mais e mais adiante, talvez remeta mesmo a alguma espécie de eternidade, a alguma espécie de indefinido que justamente por ser indefinido defina tudo. porém, é preciso pensar que essa neutralidade existe porque afinal, antes de termos essa relação de negatividade com os fatos e as coisas, temos uma relação que propicia essa própria negatividade, o que redunda na ocorrência de que em algum momento uma escolha foi feita. contudo, o fator mais angustiante dessa exposição é que essa escolha não nos coube, é que essa escolha de modo algum esteve presente em nosso arbítrio já que mesmo nosso arbítrio inexistia. ou seja: simplesmente fomos jogados em uma realidade que, pela nossa própria natureza, cava um tremendo abismo entre os nomes e os fatos e as coisas. claro que essa abordagem tem por via uma concepção heideggeriana de ser-lançado no mundo para só então se constituir enquanto ser-no-mundo. porém, pensar que o desejo de conhecer as coisas e os fatos gera uma negatividade em relação às coisas e aos fatos por conta da impossível proximidade com os mesmos, implica na necessária ocorrência de um momento de neutralidade no qual nossas escolhas não puderam intervir pelo simples motivo de que inexistiam. e se inexistiam nossas escolhas, outros tomaram essa decisão por nós, sem nem ao menos saber que dessa decisão, impulsionada pelo simples desejo, enfim surgiríamos. esse fatalismo da existência, essa ausência de sentido último para dar sustentação a uma linha lógica que tente explicar a própria existência é o que me ocorre nesta manhã de domingo. minha pele está um tanto grudenta por conta do calor e sei que minhas glândulas suaram justamente para aliviar o calor. porém, não sabem elas que me sinto grudento em um sentido sujo ao sentir o suor calcado no corpo, e quanto a isso não posso fazer nada a não ser tomar um banho, o que mais uma vez é um fatalismo incrível, pois mesmo do nosso corpo não temos o menor controle. claro que conscientes de alguns desejos, ou simplesmente impulsionados por alguns desejos, tomamos esta ou aquela decisão. contudo se tomamos esta ou aquela decisão, isso não quer dizer que esta consciência do desejo seja exatamente uma consciência, porque estar consciente implica em ponderar riscos e amanhãs pelo próprio ato que se pratica. mas se nem o ato que nos gerou muitas vezes foi um ato consciente, já que imerso no simples gozo, quando enfim estamos conscientes? acontece neste sentido que temos apenas alguns modelos explicativos da realidade. sei que a neurociência tem avançado muito nos últimos anos para arranjar constructos químicos para definir nossas indefinições, mas até isso quer dizer de um nomear que será eternamente separado daquilo que nomeia. grosso modo, acaba-se caindo novamente no nôumenon kantiano, no incognoscível da hilda hilst ou no mistério do espírito santo católico, pois tudo se mostra com limites extremamente definidos para se dar a conhecer a nossa possibilidade de conhecer. talvez isso implique em um paradoxo, pois se de um lado temos limites plenamente estabelecidos quanto àquilo que podemos conhecer, de outro lado temos limites inalcançáveis quanto àquilo que jamais iremos conhecer, mas é justamente deste óbvio paradoxo que nem implica em um talvez que surge o drama da existência humana. existência essa que por alguns momentos felizes pelos quais passamos não se torna tão dramática assim. mas o fato é que é sempre necessário algum componente químico, nem que seja a água, para amainar os nossos angustiados sensos da realidade, necessidade esta que aponta para uma ciência que de natural tem a plena humanidade. algum dia eu disse, aliás, que onde o humano for somente o humano encontrará, e é disto que falo quando traço estas linhas. entretanto, sopesando o próprio peso destas linhas, percebo que se trato disso em um instante e em outro instante trato de coisa completamente contrária, pois admito a possibilidade de uma neutralidade pré-lingüística. ou seja: admito a possibilidade de uma existência humana fora dos limites da linguagem, o que estaria para um vir-a-ser-humano e não para um tornar-se humano, já que humano no sentido fisiológico da palavra desde sempre somos. porém, falar de um vir-a-ser-humano está para o próprio conceito daquilo que se considera humano. e partindo do pressuposto de que somente podemos conhecer os nomes das coisas e dos fatos, entende-se que aquilo que é próprio do humano é a linguagem, considerando-se entretanto que o humano não é somente linguagem. mas o fato de eu sentir minha pele grudenta nesta manhã de domingo, por mais que inenarrável frente quaisquer metáforas, já implica em uma forma ou modulação lingüística tão-somente por conta de eu estar falando sobre isso, o que acaba por anular o senso de que, sendo humanos, somos algo além de linguagem. contudo, admitindo que ao sermos humanos no sentido fisiológico estamos em uma condição de vir-a-ser-humano no sentido de conviver com as coisas, com as pessoas e com o mundo, admito que existe um ponto na existência em que a própria existência, por estar em construção, é prenhe de futuro, é prenhe de amanhã e consequentemente de expectativas pelo que será dito. se a existência é prenhe de futuro e de amanhã, por óbvio que também é prenhe de angústia, pois a incerteza do espelho é a pior coisa que existe. explico: imagine você acordando e de repente notando que, da noite para o dia, sua face ganhou uma imensa cicatriz da qual você não tem a mínima noção da origem. podem-se traçar aqui algumas hipóteses, as quais delimito em três para não ser infinito: a) ou você saiu na noite passada, tomou um porre e esqueceu de tudo quanto fez, considerando que você se envolveu em uma briga; b) ou você caiu da cama, esbarrou no bidê e fatiou meia-face por conta dessa inconsciência do sono; c) ou você foi abduzido por alienígenas que introduziram esta cicatriz no seu rosto por puro masoquismo. há de se convir, diante da percepção de que basta uma coisa ser possível para que ela exista, que todas as hipóteses são verdadeiras, levando-se em conta ainda de que basta uma coisa ser possível para que ela exista porque não sabemos do futuro e mesmo assim intuímos o amanhã. contudo, para intuir o amanhã é preciso lembrar do ontem, cavocar algumas cláusulas do passado para elaborar o contrato do dia seguinte e somente assim historiografar o porvir. entretanto, se em algum momento esquecemos do passado, ou seja, não temos a menor consciência da origem, isso quer dizer que todas as hipóteses são possíveis, pois tanto ser abduzido por alienígenas quanto ter se envolvido em uma briga são fatos que, primeiramente no plano da imaginação e secundariamente no plano da experiência, acontecem todos os dias em todos os lugares do mundo. desta forma, intuir que antes da negatividade da nossa relação com as coisas existe uma neutralidade que possibilita a própria relação do humano com as coisas, as pessoas e o mundo através da linguagem, é um caminho que, emoldurando o cenário do hoje, acha as pistas do ontem, assim como o sujeito que cata as roupas de uma desconhecida na manhã de sábado pelo chão do seu quarto. reconstruir o passado com algumas pistas do presente é o que se faz ao falar disso e é também o que se faz quando se constroem máquinas como o grande acelerador de hádrons ou mesmo o telescópio huble. quando o hélio oiticica teve o insight dos parangolés aconteceu o mesmo, pois dançar envolto em arte é perverter a própria noção da forma que está presente em toda a arte, fazendo com que depósitos criativos que antigamente eram estanques se diluam em um presente prenhe de movimento. mais uma vez, vê-se que os níveis da realidade, seja por quais ligações se rumar, estão umbilicalmente coadunados um ao outro, de modo que é impossível dissolver o pai do filho nesta irmandade siamesa completamente surreal. e é impossível dissolver o pai do filho porque criador e criatura são a mesma pessoa, porque palavra e coisa e fato, dentro dos limites humanos, são uma coisa só, apesar de surtirem em nós, por conta do desejo de conhecer, o senso de negatividade daquilo que não se pode conhecer, daquilo que não se pode ter como se fosse um freio imenso que sempre irá nos espremer os dentes. e é por conta desse senso de negatividade que a ciência prossegue tentando conhecer e a arte tentando desvendar o que existe para além da própria ciência, abrindo alas para que o bloco da humanidade tenha ao menos um beco para sambar. nesse beco, talvez nosso passo seja três pra trás e dois pra frente, isto ad infinitum, mas mesmo assim valerá a pena pois haverá movimento e portanto haverá vida. de idêntica maneira, perceber que existe vento e possivelmente prenúncio de chuva por conta das nuvens brancas, ainda que eu me sinta desconfortável, já é algo ótimo, pois consiste em movimento e portanto em vida. logo, torço para que chova, mas para que chova imensamente como talvez tenha chovido aos pré-diluvianos que sobreviveram sem querer a um castigo que nós criamos porque séculos depois escrevemos. por conta disso é que abrirei as cortinas e irei tomar um banho, já que somente a química, seja do vento ou da água, é que constrói tudo o que somos, mesmo que essa química seja o imponderável, o incognoscível, o invisível, aquilo ou aquele que é e simplesmente é.

Um comentário:

Carolina disse...

"Não nos daremos, naturalmente, ao trabalho de explicar aos nossos sábios filósofos que a "libertação" "humana" não deu nenhum passo a frente ao dissolverem a filosofia, a teologia, a substância e todo esse lixo na "consciência de si", ao libertarem o "homem" da dominação dessa fraseologia, à qual jamais esteve escravizado. Também não lhes explicaremos que só é possível realizar a libertação real no mundo real e por meio de meios reais; que não é possível superar a escravidão sem a máquina a vapor {...}, nem a servidão sem aprimorar a agricultura; e que não é possível libertar os homens enquanto não estiverem em condições de obter alimentação e bebida, habitação e vestimenta adequados (...) A "libertação" é um ato histórico e não um ato de pensamento, e é realizado por condições históricas (...)" Marx, A ideologia alemã... estava citando isso na minha dissertação e quando li teu texto lembrei... entre outras idéias, como por exemplo, que é a negação da comunicação que gera a necessidade de se comunicar...Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência... não se parte do que os homens dizem, imaginam ou representam, nem do que são nas palavras, no pensamento. imaginação e representação dos outros, para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso, parte-se dos homens em sua atividade real...separadas da história real, essas abstrações não possuem significam nenhuma... a dificuldade começa apenas quando se considera e se classifica essa matéria, como passado ou presente...enfim... desculpe a crítica, mas parto do real, do concreto, do que de fato interfere subjetivamente, e concretamente no homem... abstrações de sentidos não são base para a intervenção do real...mesmo que sejam interessantes... visão de uma assistente social =) abraços guri