sábado, 15 de novembro de 2008

são cinco e vinte da tarde e venta lá fora.

iberê camargo.
são cinco e vinte da tarde e venta lá fora. aqui dentro tenho o ventilador ligado aos meus pés justamente por conta do sol que faz as cortinas da biblioteca terem uma cor de abajur barato. não sei o que isso quer dizer e talvez até me remeta àquele clássico do abajur cor de carne e lençol azul. mas isso seria associação demais para o meu gosto, ainda que de associações sem fim meu pensamento seja feito. logo ao lado do teclado existe uma pequena garrafa d'água. a água está morna mas eu gosto dela assim. ouço ali da sala o som da televisão em algum jogo de futebol. me parece que os narradores apenas olham o jogo que narram em outra televisão para me passar a sua visão na minha televisão. enfim, de uma representação que têm em sua frente, fazem com que surja outra representação e assim por diante, já que o próprio fato de eu estar escrevendo sobre isso agora implica em uma representação diversa daquela que ouço. em realidade, o fato de eu entrar em contato com essa realidade representativa que ao meu pensamento se desloca, implica no fato de que sobre essa realidade representativa eu posiciono a minha intenção para criar a minha própria representação da realidade. neste sentido, se existe uma representação da realidade sendo vista por aqueles que transmitem o jogo a partir do jogo que vêem em outra televisão, existe também uma representação da realidade que é feita por conta do fato de que eu ouço aqui da biblioteca a televisão ligada transmitindo essa partida de futebol. entretanto, se para mim existe uma representação específica dessa realidade, entendo que para os outros que estão nos apartamentos ao lado e mesmo para a minha namorada que está deitada no puff da sala assistindo esse jogo, existam outras representações da realidade. consequentemente, ainda que a matriz que proporciona a representação única de cada um com relação à realidade seja o jogo de futebol que está acontecendo, digamos, na europa, as realidades que emanam dessa matriz são diversas, de modo que para cada um que entra em contato com ela existe uma realidade. contudo, se para cada um que entra em contato com essa matriz específica existe uma realidade, considerando-se que a matriz específica nem é aqui tocada, já que se fala de uma espécie de jogo de espelhos no qual a própria matriz se perde, uma vez que até no cenário onde o jogo se dá existem variadas representações da realidade, tem de existir algo que propicie a própria comunicação entre as pessoas que entram em contato com essa representação da realidade. aliás, isso tem que existir até pelo fato de que se não existisse, nem mesmo a possibilidade de conhecimento seria possível. neste sentido, para que eu fale de uma representação da realidade que me chega aos ouvidos nesta representação da realidade que agora crio em forma de texto, é necessário que exista um padrão mínimo de comunicação entre os próprios espelhos envolvidos nesse jogo. esse padrão, considerando-se que tenho representação sobre representação, fazendo com que a própria matriz daquilo que é representado se perca, é a linguagem. logo, o que propicia o intercâmbio entre essas diversas realidades que são diferentes de pessoa para pessoa são os caracteres lingüísticos que dão margem à própria comunicação. porém, a organização dos caracteres lingüísticos que dão margem à própria comunicação variam no tempo e no espaço, levando-se em conta também que variam na forma. não fosse isso, não haveria porquê existirem vários alfabetos ao redor do mundo, sendo que se um brasileiro pegar um texto russo, por exemplo, irá ver mais representações figurativas de expressões verbais do que propriamente letras. entretanto, tendo o conhecimento de que são efetivamente letras faladas por um povo que se utiliza de uma representação gráfica diferente da dele, este brasileiro irá intuir que são efetivamente letras, que são efetivamente uma forma de comunicação gráfica, de modo que isso apenas se dá porque esse sujeito tem o conhecimento de que em um outro lugar do planeta, outras pessoas usam um alfabeto completamente diferente do dele. dentro deste âmbito, pode-se falar até mesmo das reformas ortográficas que são feitas na língua portuguesa. anteontem lia um correio do povo que continha uma fac-símile de uma página do jornal do início do século XX. nesta fac-símile, o modo como os caracteres do nosso alfabeto se organizavam era diverso, ainda que pudesse ser entendido por mim. neste sentido, por conta da similitude da combinação das letras eu pude intuir o significado e o sentido das palavras, ainda que este significado e este sentido das palavras seja único para mim. e por quê? admitindo-se que o significado de uma expressão está subsumido ao contexto no qual esta expressão repousa, o que teremos é uma expressão apontando para a outra de maneira infinita. logo, é da trama de expressões que apontam uma para a outra de maneira infinita que o próprio significado surge. entretanto, partindo do pressuposto de que várias pessoas irão ler este texto, pode-se dizer que várias pessoas irão intuir um sentido diverso desse texto, isso porque no mais das vezes sua educação, e aqui tomando por base o sistema cartesiano que existe em todas as escolas do mundo, praticamente, converge mais para as partes do que para o todo, obnubilando a própria noção de trama lingüística. convergindo mais para as partes do que para o todo, ainda que se admita aqui que o significado de cada expressão é subsumido ao significado de outra expressão, o sentido da trama que propicia o sentido das próprias expressões dificilmente será visto, sendo que ainda que percebido, este sentido será diverso de pessoa para pessoa. desta forma, pode-se corrigir o que foi acima dito no sentido de que no texto repousa o significado e na pessoa que entra em contato com o texto repousa a significância, que consiste justamente no efeito que este significado provoca na pessoa. mas levando a questão mais profundamente, chegaremos à constatação de que o próprio texto foi escrito por uma pessoa. afinal, ainda que os sites de bancos e afins tenham toda uma sistemática que toma decisões por conta da sua estrutura, não se pode esquecer que esta sistemática foi feita por uma pessoa ou por um grupo de pessoas ao redor de um mesmo objetivo. se esta sistemática foi feita por uma pessoa ou por um grupo de pessoas ao redor de um mesmo objetivo, pode-se concluir que, ao fazê-la, estas pessoas estão levando para o plano da representação lingüística a intenção que tinham, seja na forma de site ou texto, indo agora em direção ao texto do correio do povo que referi anteriormente. se estas pessoas, prenhes de intenções, irão construir textos e sites, o que irá vazar para os textos e sites são tanto significados quanto significantes. e por que irão vazar tanto significados quanto significantes? porque no instante em que uma coisa é falada, o fato de falarmos a mesma anula o próprio sentido que tínhamos da mesma, pois este sentido, se falado, é uma representação e nunca uma presentação daquilo que se fala. entretanto, se não falado, este sentido existiria? a resposta correta é não, tomando por norte o fato de que é a linguagem que propicia o entendimento entre as pessoas, ainda que estas pessoas sejam de espaços e tempos diferentes, o que se comprova pelo fato de eu poder ler um texto de um século atrás em um jornal de anteontem. desta maneira, não se estaria, porém, anulando a possibilidade de conhecimento daquilo do que se fala? por um lado sim e por outro lado não. por um lado sim, porque se apenas podemos representar aquilo do que falamos através da linguagem, aquilo do que falamos é inacessível, de maneira que só pode se dar ao nosso conhecimento na forma de linguagem, de representação gráfica ou sonora de algo visto ou sentido. entretanto, por outro lado não porque o fato de podermos tocar aquilo do que falamos partindo do pressuposto de que se trata de algo existente no mundo, já dá a entender que existe uma realidade exterior ao próprio plano lingüístico que sentimos mas só podemos dizer quando no plano lingüístico. seria simples se aqui eu invocasse heidegger e a questão dos planos hermenêutico e apofântico. contudo, quero levar a pergunta um pouco mais adiante. se logo acima falei que o fato de só podermos dizer as coisas e nós mesmos através da linguagem e logo após referi que isto se tratava de uma via de mão dupla, já que implicava tanto em um nexo positivo quanto em um nexo negativo, é preciso remeter ao fato de que falei isso tomando por base a idéia da trama lingüística. tomando por base a idéia da trama lingüística, chegarei a ocorrência de que tudo aquilo que falo, quando falo, liga-se a cada termo falado, levando-se em conta que o conhecimento do sentido de um termo implica no reconhecimento do sentido de outro termo. se o conhecimento do sentido de um termo implica no reconhecimento do sentido de outro termo que influi no conhecimento do sentido do primeiro, o que se conclui disso é que o sentido de cada termo não está naquilo que se fala, mas sim nas ligações que são feitas a partir daquilo que se fala. consequentemente, se são as ligações que são feitas a partir daquilo que se fala que propiciam o próprio conhecimento do falado, pode-se pressupor que existe um mundo à parte a ser estudado. neste mundo à parte, as regras de ligação entre os termos, contudo, de forma alguma serão estáticas, isto porque estarão subsumidas a sempre novas leituras feitas desses mesmos termos. se subsumidas a sempre novas leituras feitas desses mesmos termos, novamente se traz à tona o plano da intenção, sendo que cada leitura traz em si a intencionalidade daquele que lê, assim como cada escrita traz a si a intencionalidade daquele que escreve. desta maneira, ao passo que se está falando de um sentido que brota naquele que lê, está se falando de um sentido existente naquilo que é lido, de forma que esse sentido irá brotar como significância naquele que lê para só então se acomodar como sentido, ocorrendo isso quando se insere nesta equação o plano da intencionalidade. por conseqüência, se é o plano da intencionalidade que dá sentido às realidades representativas das pessoas, não seria o estudo desta intencionalidade que levaria a algo mais profundo acerca da própria trama lingüística que tento desvendar? a resposta é dúbia, e não haveria como não sê-la. a resposta é dúbia porque no momento em que procuro estudar a intencionalidade tenho eu também uma intenção. logo, intencionalidade sobre intencionalidade, o que se terá serão novamente âmbitos de realidades representativas no plano lingüístico. desta forma, o estudo recairia em uma intenção tentando explicar outras intenções, sendo que por mais que esta intenção tivesse justamente a intenção de explicar aquelas intenções, sempre haveria um fator subterrâneo influindo na sua própria explicação. afinal das contas, não é apenas o fato de ter a capacidade de ler que leva alguém até o gosto pela leitura. nisso influem fatores externos, como a família, os amigos e os amores. por conseguinte, mesmo que uma teoria desse conta da explicação do funcionamento dessa teia lingüística, esta teoria sempre daria margem a outras teorias e assim por diante. porém, o fato é que isso é inevitável. e admitindo que isso é inevitável, pode ser alcançada uma nova dimensão das próprias possibilidades de explicação. se estas possibilidades de explicação sempre implicam em uma simbiose entre a intenção que se tem quando se fala com aquilo que é falado, considerando-se que neste binômio intenção/fala está imbricado o binômio significado/significante, deve-se admitir que nada do que é falado está isento desta culpabilidade inevitável. se nada do que é falado está isento desta culpabilidade inevitável, é de se dizer que a pretensão da pureza de uma teoria jamais pode ser aceita, pois é o ser humano que conhece, e onde o humano for somente o humano haverá. e se esta premissa está certa, o fato de termos esta compreensão que temos do universo e das coisas que existem nesse universo, poderia ser completamente diferente se ultrapassássemos certas barreiras da própria compreensão. se existe na maior parte das escolas um plano de ensino de aporte cartesiano, por exemplo, saindo deste paradigma e rumando em direção a um outro paradigma que tenha por norte a teia lingüística daquilo que se chama cultura e que constitui o próprio ser humano enquanto fator por ele criado em concatenação com o cunho biológico, a compreensão será difusa. será difusa porque não lerá as partes ou os termos de um texto levando em conta o seu significado unitário, mas lerá as partes ou os termos de um texto levando em conta o seu significado em relação às outras partes e aos outros termos deste texto. consequentemente, apenas uma interpretação holística daquilo que é lido, isto para ter base no exemplo do texto, é que poderá propiciar uma nova compreensão do próprio universo. o ponto máximo da compreensão desse universo talvez encontre ápice no momento em que der foz a um outro universo, este completamente diferente do universo de origem mas composto pelos mesmos caracteres, o que já remete novamente a idéia de teia. neste universo, por sua vez, partindo de um jogo de espelhos inevitável, ou melhor, partindo do próprio reconhecimento da inevitabilidade deste jogo de espelhos, aquilo que é dito será visto de uma maneira completamente diversa da anterior. e se aquilo que é visto será visto de uma maneira completamente diversa da anterior, já que partirá da idéia de teia ao revés da idéia unitária, o próprio sentido do visto irá mudar, influindo, por conseqüência, na própria vida daqueles que vêem, pois se tomarmos por norte o fato de que as palavras de um texto somente existem em ligação às demais palavras existentes nesse texto, e não de uma maneira unitária e (por que não dizer?) individualista, veremos as próprias pessoas com quem convivemos ou não como parcelas necessárias para a nossa própria existência e, por conseqüência, para o nosso próprio sentido na trama do mundo, o qual é feito tanto daquilo que podemos falar quanto daquilo que jamais poderemos levar ao plano lingüístico, o que talvez seja a causa da repressão perpetrada pelas leis e pela religião, pois quando nos deparamos com algo que jamais poderá ser dito, é inevitável que ou criemos leis para não dizê-lo, armando cerca ao derredor do indizível, ou criemos leis para explicá-lo a partir daquilo que podemos dizer, dando a este um significado sublime justamente por conta do seu núcleo indizível. contudo, se este fato for aceitado, até aquilo que é dito é uma sublimação para aplacar a falta do que não pode ser dito. logo, a palavra sempre expressa uma ausência, como diria lacan, pois se ela existe é porque algo falta. por conseguinte, se falamos é porque perdemos um jogo do qual jamais poderemos sair. porém, é possível que aqui nem exista a questão da derrota ou da perda, porque em último grau não existem vencedores ou perdedores neste jogo, já que o mesmo é de saída inatingível. é possível que o tempo nos devore nas tramas desse labirinto, fazendo com que esqueçamos da nossa perda em função daquilo que dizemos e criamos para acreditar ou acreditamos para dizer. é possível que esqueçamos de tudo aquilo que jamais poderemos dizer tão-somente pelo fato de termos que viver ou sobreviver sem esta compreensão. porém, ter que viver sem esta compreensão e não ter consciência da mesma não é algo que me cai bem, sendo que prefiro insistir em tentar compreender o modo como ela se dá para que desta forma talvez possa chegar na raiz da mesma e ultrapassá-la, tendo ao meus olhos mundos completamente diversos deste que agora vejo apenas por conta da minha teimosa intenção que me presenteará com essa suposta compreensão. e terei aos meus olhos mundos completamente diversos deste que agora vejo porque compreendendo ao máximo aquilo que vejo e as próprias possibilidades de ver aquilo que vejo, chegando na raiz última dessa equação, na possibilidade do reflexo que implica no próprio reflexo e portanto implica na palavra, irei desvendar o mecanismo da minha realidade e talvez apagar do meu totem a impossibilidade de ir além desta realidade. se este dia chegar, meus vizinhos serão diferentes, minhas palavras serão diferentes e todos os apartamentos deste prédio serão diferentes. talvez até mesmo as paredes se diluam, já que finalmente verei que elas não existem porque em realidade nada separam: são meras virtualidades da vergonha, meros monolitos do egoísmo. é possível também que todo preconceito entre as pessoas, seja por qual motivo for, também deixe de existir, isto porque não haveriam motivos para desentendimentos já que todo sistema do próprio entendimento seria conhecido, de modo que, ao conhecê-lo, pudéssemos ultrapassar o mesmo em direção a um outro entendimento. mas enquanto isso não chega fico com a cortina que lembra aquela música do ritchie e com o ventilador que ventila meus pés para que eles não sejam tão descascados por este verão que inicia. e ficando com isso, me dou por conta de que irei escrever neste espaço três vezes por semana, mais precisamente no sábado, no domingo e na segunda, o que talvez tenha a ver com o fato de vivermos em um mundo com três dimensões. einsten supôs que a quarta dimensão fosse o tempo. hoje, porém, já são contabilizadas onze dimensões sobrepostas em pequenas cordas que ao soar fazem tudo existir. se isto é verdade não sei, mas o fato é que isso faria com que minha trama de palavras se tornasse um violão, importando agora saber não tanto quem irá tocar, mas sim o quê irá tocar. se for um samba, o mundo será um. se for uma milonga, o mundo será outro. mas o fato de ouvir uns violinos que me chegam da televisão ali da sala, já que minha namorada certamente deve ter mudado de canal, me faz pensar que tanto um samba quanto uma milonga seriam muito pouco para este violão tornado coisa em razão da própria trama de palavras se diluir e dar foz a uma outra realidade. este violão, ao contrário, iria dedilhar a 9ª sinfonia de bethoven, transformando-se aos poucos em todos os instrumentos de uma imensa orquestra do cosmo assim como pôde se transformar em violão. digo isso porque a música é o conhecimento profundo do indizível, é o mais próximo que podemos chegar daquilo que é e somente é, pois ao contrário, ficaremos com blanchot e a morte como o ruído interminável do ser. e entre ficar com este ruído que lembra fábricas e aquela música que lembra vida, que lembra viver e a própria possibilidade de viver, e por conseqüência a grandeza de tudo isso, fico com a segunda talvez porque sejam seis e vinte e dois da tarde e minha garrafa d'água morna esteja no fim, o que faz com que até minhas associações tenham sede e acabem por desfalecer no deserto deste texto. afinal, um abajur cor de carne pode estar coberto por algumas manchas brancas assim como o sol de um deserto pode estar num céu tão azul que por conta do sol parece branco. e por quê? fica para a próxima, pois aqui já lembraria de gaia e urano, ainda que minha sede efetivamente exista - tanto por água quanto por mais palavras: essas perguntas desiludidas que todos os dias me ocorrem.

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