sábado, 29 de novembro de 2008

fico triste toda vez que lembro que o fausto wolff morreu.

fausto wolff.
fico triste toda vez que lembro que o fausto wolff morreu. aliás, nem é questão de ficar triste, pois uma parte de mim será para sempre triste desde que o fausto wolff morreu, mesmo que esse para sempre encontre ponto no meu fim. escritor como ele não existe mais. pessoa como ele, que saiba o valor do outro mas ao mesmo tempo saiba a mediocridade da quase totalidade dos outros, dificilmente será atualmente além de uma mera consciência dos fatos (consciência essa que dificilmente irá para o sentimento, coisa que no fausto ocorria). certa vez mandei pra ele uns poemas que havia escrito, coisa de cinco anos atrás. ele me respondeu quase que prontamente, dizendo que eu tinha jeito pra coisa, o que talvez fosse ruim pra mim, já que podia ganhar dinheiro fazendo algo melhor. nunca me esqueci e nunca me esquecerei disso, sendo que outra tristeza me vem quando me dou por conta de que não guardei esse e-mail que ele me enviou. mas de quê adiantaria guardá-lo? para um dia dizer que o fausto wolff chegou a ler meus escritos? não, isso não vale nada. mais vale dizer que um dia de certo modo pude conversar com o fausto wolff, ainda que essa conversa tenha sido intermediada pela web. mais que isso, aliás, vale dizer que o fausto wolff existiu, que escreveu livros, que andou por aí, que teve várias mulheres e amigos, que foi um sujeito do tipo que não mais existem ou existirão. fausto wolff quem sabe tenha sido fruto de um tempo único, coisa que nosso tempo não mais é capaz de produzir. quer cortando sua biografia com fantasias, como fez com a mão esquerda, quer traçando poemas ao rio grande do seu nascimento, como fez em gaiteiro velho, escritores como o fausto, com a sensibilidade despreocupada do fausto, com a intelectualidade não-falseada do fausto, dificilmente voltarão a existir. e o estranho é que não fico triste ao pensar nisso e mesmo ao me contradizer racionalmente ao pensar nisso, pois pelo menos o fausto existiu e a parcela dele que irá ficar está presente nos seus livros, está presente no amor pela humanidade que escorre dos seus escritos. amor esse, porém, que não existe desprovido de crítica, sendo que apesar de ser romântico em seu comunismo declarado, o fausto era sim um comunista desiludido. não sei porquê isso me ocorre agora: não sei porquê penso nisso após ter chovido, mas o fato é que o calor desse sábado e a chuva que recém cessou me remetem ao fausto. ainda que estivesse escutando o jethro tull e seus quês de pã, tudo isso me lembra o fausto. quem sabe seja foz do quase-dezembro, quem sabe seja sal de uma emoção momentânea ao me dar por conta mais uma vez que uma parcela de mim será para sempre triste desde que o fausto morreu, pois existem pessoas que basta sabermos que estão vivas para nos darem certa alegria. contudo, mesmo que tudo isso me ocorra agora, mesmo que eu saiba que a qualidade dessas minhas frases é pra lá de rasa ao se direcionar a uma pessoa como o fausto, o que me causa repulsa ao sentir isso é saber que muitas pessoas irão referir sua escrita como paradigma ou algo do tipo. ora, fausto não é paradigma pra nada! e mais: ninguém é paradigma pra nada! pessoas são pessoas e não paradigmas, quanto mais pessoas que produziram uma obra como a do fausto. apesar de seres humanos dessa raça serem poucos, estes homens e mulheres não devem se prestar a bandeira de qualquer causa, a hino de qualquer religião. ao contrário, estes homens e mulheres devem ser aquilo que impulsiona mas freia qualquer causa, aquilo que incita mas critica qualquer religião. neste sentido, homens e mulheres como o fausto, mesmo que raros, jamais devem ser encarados como paradigmas pra nada, jamais devem ser encarados como modelos pra algo, porque mesmo mortos, porque mesmo inexistindo entre nós, continuarão com sua obra e palavras pela eternidade entre nós. e dessa obra, e dessas palavras, escorrendo humanidade e sentimento, escorrendo uma consciência filtrada pelo reconhecimento do outro, pela paixão desiludida pelo outro, talvez no máximo nos toque essa melancolia de verão, esse arrebatamento para baixo que hoje me assola. desse sentimento, dessa pulsão, entretanto, é possível que algo surja, é possível que alguma criação venha do nosso peito e mente. porém, esta criação não existirá por conta da influência de um paradigma, mas sim por conta da existência de uma pessoa, porque é da vida que nascemos e não das palavras, ainda que só possamos dizer essa vida na forma de palavras. ter consciência disso, desse movimento, desse ciclo que todos nós atravessaremos, dessa tendência para o fim que cada amanhecer nos traz, talvez seja uma das lições que possamos nos dar sem que tenhamos de ouvir alguém falar. contudo, ainda que não tenhamos que ouvir alguém falar, talvez tenhamos que ler, talvez tenhamos que sentir essas questões surgindo de um texto, de um romance, de um poema. sentindo isso, tomando contato com essa vivacidade estranha que surge das palavras, estaremos tomando contato com aqueles que escreveram estas palavras, estaremos conversando com aqueles que escreveram estas palavras. assim, é preciso ter a consciência de que walt whitman está entre nós e é preciso também a ter consciência de que fausto wolff continua entre nós. apesar disso, é preciso ter a tristeza de que estas pessoas não mais existem e o que ficou foi sua obra. essas pessoas, porém, ao contrário do que ocorre com a maior parte dos auto-intitulados artistas atuais, foram na sua obra e não o contrário, de modo algum fazendo com que essa se dissolvesse ou se separasse da sua vida, o que lhes trouxe a eternidade. essas pessoas, desta forma, foram uma obra, pois sua vida e sua obra foram completamente indissolúveis. não existe como dizer que existiram dois whitmans ou dois wolffs. não existe como dizer que um escritor se divide em fases ou algo do gênero. por que estruturar algo que será pretificado se estruturado? por que não simplesmente aceitar o movimento, o ciclo dessas pessoas, e saber que suas palavras continuam? sim, eu me sinto triste ao saber que o fausto wolff morreu e ao saber que nunca poderei conversar com o walt whitman. porém, eu também me sinto feliz ao saber que pessoas assim existiram e que existem pessoas que atualmente estão sentindo o que essas pessoas sentiram através da obra dessas pessoas. ainda que palavras jamais possam ser exatas representações de sentimentos, a existência de palavras nos dá o presente da única realidade acessível aos seres humanos: a realidade da linguagem. e quem consegue construir um mundo na linguagem, quanto mais um mundo que tenta ir para além dessa linguagem, quebrando a barreira da razão e encontrando o pulso do coração, merece nossa lembrança contínua e nosso riso entristecido por saber que pessoas assim são raras. o que fazer diante disso? o que sentir diante disso? talvez seja necessário apenas viver e tentar ser. e se fico triste cada vez que lembro que o fausto wolff morreu, fico feliz cada vez que lembro que estou vivo. mas há como lembrar da própria vida estando vivo? aí está a beleza do texto, aí está a altura das palavras, a qual não existe de maneira hierárquica: a qual existe em nós e para nós, fazendo com que morte e vida sejam questões inexistentes no universo que a humanidade pode erguer na linguagem. pois afinal das contas, mesmo que com outras faces a cada leitura, wolffs e whitmans nascem e morrem a cada instante das nossas vidas. goethe disse certa vez: “de que adianta o eterno criar se a criação em nada acabar?”. acredito que ele se referia a pequenez do ser humano diante da ilimitude da criação. ocorre, porém, que quando nos tornamos obra ao invés de criarmos simplesmente, ilimitude e limitude se mesclam em uma intersecção que ergue a genialidade. e por mais que não mais possamos existir quando nosso corpo se desgastar, ficaremos nos olhos dos outros e na lembrança dos outros, persistindo enquanto palavra e texto apenas por conta dos outros. se os outros são medíocres, talvez possamos reverter isso. se não conseguirmos, mesmo mortos tentamos, apesar de não mais sentirmos. entretanto, creio que o fausto diria que é uma bobagem isso que estou falando. afinal, ele não mais existe e isso é tudo. a tristeza disso preenche tudo assim como o absurdo disso é tudo. mas se a tristeza e o absurdo disso são tudo, o fato de termos nos revoltado contra isso e por isso erguido um mundo de palavras, ao menos ameniza a não-razão do existir, a incongruência do ser, como talvez diria o camus. não amenizará, por certo, para quem existiu e ergueu esse mundo de palavras, pois mesmo calados sua revolta continua na boca dos outros. porém, talvez isso apenas nos faça comprovar o que há pouco disse: mesmo que com outras faces a cada leitura, wolffs e whitmans nascem e morrem a cada instante das nossas vidas. e isso é o que podemos chamar de eternidade: uma revoltada eternidade que calou mas persiste quieta em palavras para a qualquer momento explodir. e quem duvidará que wollf e whitman não mais existem assim? a absurdidade do fim com certeza pode anular essa afirmação, mas é necessário esse romantismo desiludido, essa certeza da ausência de fim para quem cria, para que possamos não apenas suportar a existência, mas beber da existência justamente a partir dessa constatação. afinal, uma parte de mim para sempre será triste desde que o fausto wolff morreu, mas essa tristeza um dia irá acabar. antes desse fim, porém, eu estarei vivo. e isso é tudo porque respiro e sinto, e isso é tudo porque me alimento e sou e porque diante do meu coração que ainda não parou, tenho a chance inadiável da aposta do infinito a partir da persistência da palavra.

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