quarta-feira, 26 de novembro de 2008

se sinto, tenho um sentimento.

salvador dalí.
se sinto, tenho um sentimento. se penso, tenho um pensamento. logo, pensamento e sentimento são expressões de movimento. porém, se partirmos do fato de que todo movimento tem que ter um impulso, qual foi o impulso dos nossos pensamentos e sentimentos? ou melhor: quando passamos a sentir e pensar e fizemos com que este binômio se tornasse uma constante tão forte em nossa existência de modo que não pudesse ser compreendido fora do eixo do movimento? tais questionamentos remetem invariavelmente ao próprio nascimento. ainda que existam diversas teorias que apontam para a formação da personalidade nos primeiros anos de vida, é fato incontestável que desde os primeiros instantes extra-uterinos já concebemos, quando da nossa relação com o mundo, pensamentos e sentimentos. se tomarmos por norte a premissa de que o choro dos bebês ao serem retirados do ventre materno exprime apenas um instinto de dor, de estranhamento para com um ambiente desconhecido, por certo não poderemos conceber o fato de que pesquisas atuais apontam que mesmo no ambiente intra-uterino os bebês sonham. neste sentido, se há a constatação de que os bebês sonham no ventre da mãe, a suposição inicial aqui apresentada de que o sentimento e o pensamento começam com o nascimento cai por terra. e por quê? pelo simples fato de que existe o sonho no feto. neste rumo, redundamos em outro questionamento: o que é o sonho? o dicionário que tenho em mãos aponta em primeiro plano que o sonho é um "conjunto de imagens que se apresentam ao espírito humano durante o sono". porém, é de se reconhecer que esta definição complica ainda mais a busca por uma resposta. tal complicação se dá pelo fato de que a mesma traz em si a idéia de "espírito", a qual, por sua vez, sempre remete a uma idéia de subjetividade, ainda que esta, pelo menos na concepção religiosa, esteja ligada a uma noção de imortalidade e infinitude, visto que se vê no espírito a substância do próprio ser humano. o espírito seria, desta forma, algo como a água que se conforma ao copo, considerando-se que este copo é o nosso corpo físico, e o espírito, pela sua natureza imortal e infinita, nosso corpo fluido já que inerente a água. mas se o copo é inerente ao corpo porque físico e o espírito inerente a água porque fluido, a propriedade da subjetividade do espírito ainda se sustenta, mesmo que se parta de uma noção metafísica para buscá-la. essa sustentação se dá pelo fato de que a noção de espírito comporta a noção de vida subjetiva, de vida além-corpo ou intra-corpo no sentido não-fisiológico, visto que este transcende a matéria mas se conforma a ela. e se o espírito é a propriedade do ser humano que transcende a matéria mas que se conforma a ela, que está, enfim, contida no ser humano, pode-se dizer que o espírito, tendo a subjetividade como atributo intrínseco, é dotado de pensamento e sentimento - ou seja: é dotado da capacidade de sentir e pensar. conseqüentemente, deve-se reconhecer que, se os bebês no ventre materno tem a capacidade de sonhar, esta capacidade é correlata a presença do espírito, ainda que este espírito, dotado da capacidade de sentir e pensar, tenha sua presença restrita a um ambiente diminuto - ou seja: a placenta da mãe. desta maneira, é de se constatar que apesar de afirmado e refutado o fato de que o impulso do pensar e do sentir é o nascimento, o mesmo se sustenta como alargamento do pensar e do sentir no sentido de propiciar relações intersubjetivas, já que estas relações apenas podem se dar quando o bebê passa da vida intra-uterina para a vida extra-uterina. porém, é de se reconhecer que a própria noção de intersubjetividade não dá conta desse alargamento, uma vez que é fato incontestável que as ações da mãe afetam o feto que carrega no ventre. deste modo, mesmo que restrito ao ambiente diminuto da placenta, o feto já tem alguma vida intersubjetiva, considerando-se o fato de que tanto o feto quanto a mãe são dotados de espírito e de subjetividade e portanto da capacidade de sentir e pensar, ainda que o primeiro tenha uma capacidade reduzida dessa percepção porque adstrita a uma rede intersubjetiva diminuta composta por apenas dois sujeitos - mãe e filho. assim, o que ocorre com o nascimento é um alargamento da capacidade de sentir e pensar porque uma relação que anteriormente era restrita ao espaço diminuto da relação entre mãe e filho, ganha um status intersujetivo infinito, já que prenhe de todas as possibilidades que o mundo, as pessoas e as coisas podem oferecer. e por quê se diz do mundo, das pessoas e das coisas? porque o mundo, as pessoas e as coisas somente se apresentam a nós enquanto plano lingüístico, por mais que se reconheça que é na esfera pré-lingüística que a própria personalidade é formada. neste sentido, deve-se afirmar que quando nascemos estamos justamente nessa esfera. no momento em que os médicos nos retiram do ventre da mãe, no momento em que a luz pela primeira vez toca nossos olhos, travamos um primeiro contato com o mundo que nos provocará sensações diversas. sendo assim, se parto do princípio de que uma sensação é um dos fatores capazes de propiciar um sentimento, invariavelmente terei um primeiro sentimento com relação ao mundo, às pessoas e às coisas que a mim se apresentam a partir do instante do nascimento. desta forma, de sentimento em sentimento, de sensação em sensação, minha capacidade de compreender o mundo irá ao poucos se amoldar ao próprio mundo. e se o mundo que se apresenta a mim somente se apresenta compreensível no plano lingüístico, é a verbalização daquilo que sinto através das minhas percepções fisiológicas concatenadas com minhas conseqüentes expressões psicológicas, que irá fazer com que eu me integre nesse mundo. se o copo era o corpo físico que abarcava o espírito fluido na comparação acima feita, a linguagem é o sistema de pensamentos que irá encadear nossos sentimentos de idêntica maneira. porém, é necessário que aqui se diga que não se está a falar da linguagem no âmbito estrito. ao contrário, a noção de linguagem ora empregada está para a concepção semiológica no sentido de que toda expressão é o sintoma de uma sensação ou de uma doença, isto para aduzir a noção sustentada pela medicina. se toda expressão é um sintoma, toda expressão é um sinal. do mesmo modo, nosso sinal de existência na intersubjetividade do mundo é a linguagem, sendo que na raiz da mesma se encontra o sentimento. desta maneira, percebe-se que há uma ligação direta e indissolúvel entre sentimento e linguagem e por conseqüência entre sentimento e pensamento. se apenas posso pensar por meio de sinais lingüísticos que somente são lingüísticos porque reconhecíveis por meus pares, já que o pressuposto da língua é a co-munidade co-municativa que por sua vez gera o co-nhecimento, conceitos que trazem em si a própria presença do outro, meus pensamentos estarão em ligação direta com meus sentimentos, isto porque apesar dos segundos serem anteriores aos primeiros, aqueles não podem se expressar sem estes. quando acaso existe a expressão daqueles sem estes, a reação normal do corpo social é a etiquetação da doença mental, já que existem referências que não encontram referenciais no sentido de que existem sentimentos que não encontram pensamentos, encarando aqui o pensamento como expressão lingüística que pode se dar mesmo no formato gestual ou comportamental, já que todo gesto ou comportamento também implicam em um sinal. porém, ainda que esse raciocínio seja plenamente aceitável partindo do plano da simples lógica, ele ainda não explica a pergunta inicial: qual foi o impulso dos nossos pensamentos e sentimentos? o que fizemos acima foi, outrossim, apenas constatar que com o nascimento, este considerado como a passagem da vida intra-uterina para a vida extra-uterina, há o alargamento da subjetividade, a qual, partindo dos vetores inicialmente sentidos, irá aos poucos construir sua fala sobre estas sensações para então se apossar da própria linguagem, a qual se configura como o modo de expressão humana no mundo, do mundo e por conseguinte de si mesma, já que a expressão humana somente é no mundo. esses vetores sentidos, por sua vez, quando expressos lingüísticamente, é que irão construir sentidos, o que somente reitera o argumento de que o sentimento precede o pensamento na medida em que a emoção precede a racionalidade, uma vez que aquilo que é sentido que possibilita o sentido e não o contrário. sendo assim, contudo, a pergunta que inicialmente propomos fica vazia, pois o que constatamos foi apenas dois movimentos do binômio formado entre pensamento e sentimento inicialmente proposto, visto que o impulso do movimento não pôde ser alcançado. neste sentido, se o impulso deste movimento não pôde ser alcançado, quem sabe seja necessário partir do fato de que o próprio óvulo já carrega os atributos de uma individualidade e contém em si uma certa autonomia enquanto repositório da possibilidade de vir-a-ser humano se submetido às condições necessárias - ou mesmo se porte as condições necessárias, já que existe a possibilidade da disfunção genética, a qual pode provocar, por exemplo, a anencefalia. partindo daí, entretanto, regressando mais e mais na cadeia evolutiva de quem somos e de como chegamos a ser quem somos, iremos alcançar um ponto que não mais nos possibilitará regressar. a impossibilidade desse regresso acontece porque se dividirmos as fases do óvulo em partes cada vez menores, a seqüência do desenvolvimento desse óvulo que traz consigo a possibilidade de vir-a-ser humano será infinita, já que os estágios de tempo serão cada vez menores. e quanto menores os estágios de tempo, menores nossas percepções desse tempo, uma vez que infinitamente repartida. assim, a solução adotada poderia ser regressarmos ao próprio estágio da fecundação em que se dá o encontro dos gametas feminino e masculino. encontrando-se aí, porém, nossa possibilidade de encontrar respostas iria se diluir em uma infinidade de possibilidades maior do que a própria divisão das fases ovulares, de modo que o respaldo para o próprio fundamento do pensamento e do sentimento se tornaria de impossível alcance. mas aqui cabe uma digressão: se buscamos um respaldo do sentimento e do pensamento mas aceitamos que esse respaldo é um impulso que fez com que surgisse um movimento, acaso estamos buscando um fundamento? se tomarmos por norte o fato de que um fundamento é a "base" ou o "alicerce" de algo e de que um impulso é um "estímulo" ou "abalo", chegaremos a noção de que o fundamento que buscamos não está para o próprio impulso que almejamos pelo simples fato de que este impulso já implica em um movimento. logo, se no ato da fecundação há a possibilidade de infinitas combinações e na própria evolução do óvulo no ventre materno acontece o mesmo, veremos que o movimento é inerente à própria raiz daquilo que somos. portanto, se o movimento é inerente a própria raiz daquilo que somos, sendo que o fundamento está fora do questionamento abordado e perseguimos o impulso, é de se reconhecer que este impulso, implicando em um "estímulo" ou "abalo", já indica um movimento. ora, se o impulso já indica um movimento e se o movimento se encontra na raiz daquilo que somos, a própria possibilidade de alcançar o impulso do sentimento e do pensamento se torna impossível, uma vez que para tanto teríamos que regredir infinitamente na linha evolutiva da própria vida e por conseqüência do próprio universo, chegando por fim a singularidade que deu origem ao cosmo. contudo, se tomarmos por guia o fato de que mesmo chegando aí encontraríamos evidências de que o cosmo que conhecemos talvez consista em um universo em um mar de vários universos, conforme propõe as mais recentes teorias quânticas, veremos novamente que o impulso, ainda que se aceite a teoria do big bang em seu formato clássico, não pode ser alcançado. porém, se o impulso não pode ser alcançado, o que se alcança é a própria pulsação, esta tida como "ato ou efeito de pulsar", uma vez que o movimento do cosmo que nos deu origem e da própria vida que nos legou a capacidade de sentir e pensar no formato humano, está para uma pulsação contínua cujo impulso inicial não pode ser alcançado, já que aparentemente existe desde sempre ou pelo menos desde um tempo imperceptível à percepção humana. admitindo-se este fato, veremos que tanto o pensamento quanto o sentimento fazem parte de uma pulsação contínua daquilo que somos mesmo antes de tomarmos contato com o mundo, com as pessoas e com as coisas. é de se dizer que talvez nessa constatação resida a origem de toda a teologia, pois se tal é admitida como verdadeira, o próprio pensamento e o próprio sentimento implicariam em uma eternidade que estaria para o âmbito divino. contudo, partindo do fato de que uma divindade implicaria em um ato criador e o próprio impulso criador não pode ser alcançado visto que perceptível apenas enquanto pulsação, este raciocínio não mais seria válido, visto que esbarraria em uma tentativa de responder limitadamente a ilimitude de um questionamento que em sua própria origem demonstra essa natureza. desta forma, se respondermos limitadamente um questionamento ilimitado, estaríamos sendo incoerentes com a próprio questionamento, uma vez que tal implicaria na adaptação de um gênero sob uma espécie que de modo algum pode abarcar. assim, se sentir implica em um sentimento e pensar implica em um pensamento, tanto um quanto outro implicam em uma pulsação, em um "batimento" e um "pulso" que é diretamente relacionado ao "movimento de contração e dilatação do coração e das artérias". ao contrário destes, porém, mesmo que se admita que o sentimento e o pensamento em um dado momento terão de cessar em razão da própria finitude humana, o questionamento acerca do movimento de tais questões jamais poderá cessar, visto que a pulsação lhes é inerente. no mesmo sentido, talvez aí se encontrem as origens da própria noção de imortalidade do espírito inerente a grande parte das culturas conhecidas, isto porque não cessando a pulsação das questões acerca do sentimento e do pensamento, visto que estes são atributos da subjetividade que é por sua vez correlata ao espírito, o próprio espírito não poderia cessar, sendo dotado, portanto, de eternidade. porém, admitindo-se que a linguagem já existe no mundo antes mesmo de nascermos e que é ela que irá continuar existindo após morrermos, considerando-se ainda que é ela que se conforma ao que sentimos para organizar o que pensamos, o que se constata é que a linguagem que nos é transmitida quando nascemos é que carrega o questionamento acerca da origem do sentimento e do pensamento. desta forma, é a carga histórica dessa mesma linguagem que faz com que o questionamento persista mesmo após a nossa morte, considerando-se que nossas virtuais contribuições a tal questão irão redundar em outras questões em uma pulsação infinita, talvez limitada por um movimento do cosmo que faça com o universo A entre em choque com o universo B e promova o surgimento do universo C, o qual será o resultado de A+B, isto para adentrar no plano hipotético da própria teoria quântica. entretanto, mesmo aí haveria a persistência da pulsação, sendo impossível encontrar qualquer impulso fora desse movimento que não iniciou, aparentemente, em instante algum, visto que apenas pulsa. logo, o binômio formado pelo pensamento e pelo sentimento não pode ser compreendido fora do eixo do movimento, pois nós somos a carnalidade do verbo.

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