quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O problema é ser sozinho.

Morar sozinho não é o problema.

O problema é imaginar uma cidade na qual você não está com os cabelos molhados de garoa.

O problema é saber que essa cidade é meio cinzenta quando chove no começo da noite e as luzes dos táxis parecem luzes de natal.

Começa a angústia quando você sabe que não irá sentir aquelas luzes nos seus olhos e o cheiro da rua não será o mesmo cheiro da rua na qual você está.

Aí sim começam os problemas.

E o pior disso é que você tem que saber lidar com isso.

Sua mãe dirá que as coisas tinham que ser assim porque não poderiam ser de outro modo. Seu pai dirá que uma nova vida começa naquele exato momento. Os amigos irão querer arrastar você pra mil gandaias na qual você vai comer mil mulheres. Até os cachorros irão se compadecer de você na rua e talvez até sentem embaixo da sua cadeira naquela lancheria que fica bem na esquina da praça.

Se um cachorro sentar em baixo da cadeira da lancheria e deixar você passar a mão na cabeça dele, será meio caminho andado, apesar do Galera ter escrito um livro que você julga ser legal sobre alguma coisa a respeito.

Mas a verdade é que você não é tradutor, não está a fim de modelos e nem freqüenta shows underground. Na verdade você até queria freqüentar shows underground, mas o fato é que você não está naquela cidade com os cabelos molhados de garoa para freqüentar qualquer show desse tipo. Na cidade onde você está, lá de vez em quando haverá algum evento legal no qual não existam somente solteiros loucos por solteiras ou solteironas loucas por sexo e afins, apesar de no fim das contas tudo se resumir a sexo.

Enfim, na cidade onde você está nada disso acontecerá.

Você poderá até sair noite após noite e encontrar alguém pra se encostar pelas esquinas. Serão ruivas, morenas, loiras, castanhas e etcetera. Serão mulheres das mais diversas tonalidades e tonalizantes. Mas entre todas elas, será que você vai encontrar o cheiro que queria? Entre todas elas, será que você vai encontrar aquilo que um dia teve mas deixou escorrer assim como quem se cura de um porre com uma boa dose de sal de fruta?

A sua intuição diz que nada disso surgirá.

A sua razão diz que sua intuição está errada.

Entre uma e outra, você tenta ficar com a imaginação. Mas quando chega no terreno no qual ela existe, lembra que fazem anos que você não cruza por ali, que você apenas olha de longe e diz para si:

- Aqui não é o meu lugar.

Então, ainda que você saiba que será considerado um estrangeiro naquele lugar, ainda que você saiba que talvez até mesmo acabe no consultório de um psiquiatra, já que aquela novela de quando você tinha sete anos falava de paranormais esquizofrênicos, você irá parar por ali, mesmo que esteja longe de se tornar esquizofrênico e perto de abandonar toda e qualquer realidade – reconhecendo que isso, entretanto, não tem nada a ver com paranormalidade.

Andando por aqueles metros quadrados, você encontrará o Bobi, um cachorrinho de quando você tinha seis anos que morreu atropelado quando você deixou ele fugir pra rua. O que mais lhe deixará triste ao ver o Bobi, é saber que ele foi atropelado por um caminhão de frete. Você não saberá porque ficará triste ao saber disso, mas o fato é que a tristeza será real. E por mais que você tenha mudado, o Bobi permanecerá igual, com seu pêlo marrom e liso.

Olhando pra ele você ouvirá:

- Cara! Por que tu demorou tanto pra chegar aqui?!

Você olhará para os lados procurando alguma outra pessoa mas não achará ninguém. Logo, certamente era o Bobi que estava falando.

- É que assim Bobi...

E o Bobi interrompe você com um latido que diz mais ou menos isso:

- Assim o caralho!

Você fica meio perturbado e sai correndo daqueles metros quadrados.

Entre se defrontar com um cão que já morreu e uma cidade que ao menos pode imaginar, ainda que esteja longe de você, melhor saber que a cidade existe e está longe.

- Pelo menos até a próxima notícia, a cidade existe e está longe. – você dirá aliviado.

Então você irá pra casa, porque morar sozinho não é o problema.

O problema é ser sozinho.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ser sozinho em meio a multidão, trago amargo, lábios calados, cheiro de mato, alcool no sangue, choro da alma. Vida morta cheia de vida, cheida de anseios e receios. Que descance em paz.

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Receio que nem todos estejam tão atribulados consigo próprios quanto o Sr. Anônimo que escreveu o comentário. Em que pese ser sozinho seja algum problema, de maneira alguma isso significa desapego à vida. Muito pelo contrário, significa o que o Joseph Conrad já disse lá n'O Coração das Trevas: "vivemos como sonhamos: sós". Creio que nos resta levar isso às últimas consequências, tendo sempre por norte um individualismo que veja alegria, plenitude e realização em cada arfar de pulmões. Apesar de ter meus momentos sartreanos de nada em meio à ruína, procuro ser bem mais Camus que Sartre. Um grande abraço, seja lá quem você for. Mas deixo claro que farei um jejum textual de uns cinco dias pra ver como ser comportam essas letras nos meus dedos. E até.

Anônimo disse...

estou no pc de cingapura que nao acentua. fica bem mais dificil de ler, mas nao desista :).

Jejum textual poe riso na minha boca, mas e de fato necessario descanso e distanciamento. No meu caso, provocam sempre repudio - repudio veementemente tudo o que escrevi antes!!! (mentira :)
Ser sozinho e problema se vc nao quer ser sozinho, como a sua personagem, que busca 'algo'... Quando o cheiro que se tem e o cheiro que se espera e que se nao fosse tambem nao causaria mais que uma pequena surpresa...
Enfim, a impossibilidade de comunicacao entre as pessoas, seja atraves da fala, seja atraves do sexo, e o carimbo da solidao toda nossa. Fazer o que? Por aqui, tem garoa, tem chuva, te enchente. Tem minha pessoinha, tao desconforme com tudo (Maysa), e tudo que eu abraco sem perdao porque vivo (Tagg). Nao e Camus porque Camus nao tem paixao...