quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Dia primeiro de janeiro: um sentimento de renovação deveria percorrer meu corpo.

Dia primeiro de janeiro: um sentimento de renovação deveria percorrer meu corpo. Entretanto o que sinto é apenas o vento de uma quinta-feira que prenuncia chuva, a qual, esta sim, traria alguma real renovação para esta terra que habito.

No mais, creio que tudo sejam apenas símbolos: calendários que caem, ponteiros que giram, champagnes que estouram, fogos que explodem e o escambal. Problema é conviver com esses símbolos sabendo que todos eles não tem nada a ver com você e mesmo assim irão despontar na sua frente quer você queira ou não.

Mas acaso não é sempre assim?

O fato é que eu poderia e até deveria discorrer sobre isso. Porém cairia em uma digressão acerca da liberdade humana frente às condições inevitáveis da própria existência – e confesso que não estou com a mínima vontade de fazer isso.

Logo, mudo de rumo.

O que falar então?

Vamos às descrições mesmo que essas nem sempre sejam frutíferas.
Minha caneca preta de café está cheia. O ventilador ventila meus pés assim como o vento que prenuncia chuva entra pela janela e faz uma folha de papel voar em cima da mesa. Isso até me lembra uma cena de algum filme que vi umas três vezes no cinema, mas também não quero falar sobre isso hoje.

E por que esse incômodo estagnado que me faz morder os lábios?

E por que esse suor que estanca os poros em um grude intermitente que encharca a camiseta pólo que ganhei da minha sogra?

Tudo tem a ver com tudo ao mesmo tempo em que eu não tenho nada com isso, o que certamente já me leva ao Albert Camus e seu O Estrangeiro, sabendo, contudo, que qualquer reflexão acerca deste meu "estrangeirismo” no mundo redundaria também nessa dissociação inevitável entre as coisas que despontam na minha frente e eu defronte as coisas que despontam na minha frente.

E por quê? Porque é essa a condição. Porque é essa a carga e ponto final.

Mas é dia primeiro de janeiro e a ONU diz que é Dia Internacional da Paz. Porém há paz afora esse vento que anuncia chuva e por conseqüência real renovação?

Andam dizendo cá por esses lados do Rio Grande do Sul que a estiagem será extensa esse ano.

Qual oportunidade que terei então no decorrer desse mês de sentir novamente esse vento?

Isso sim é dar significado ao ano que inicia.

Isso sim é saber que algo está para mudar.

No mais são símbolos e redes de símbolos que contaminam toda percepção que se queira pura. (E sim: por mais que eu admire Kant e saiba que ele era genial, “pureza” não rima com “certeza” caso você se coloque no lugar onde você está – ou seja: “humano, ridículo e limitado que só usa dez por cento de sua cabeça animal”, como disse o Raul.)

Enfim, dia primeiro de janeiro de 2009 e tudo parece igual ao dia trinta e um de dezembro de 2008. Mas não fiz nenhuma promessa para esse ano apesar de saber que tenho muitos compromissos esse ano, o que talvez já diga muito daquilo que viverei no decorrer do mesmo.

Acho que aliando essa antevisão dos meses que se seguirão a esse vento que prenuncia chuva, tenho um certo sentimento de renovação que me percorre o corpo, ao contrário do que falei inicialmente (o qual, não fosse o calor, me traria algo mais que tranquilidade).

O problema é que não me sinto aliado a ele.

E é isso.

(P.S.1: A tela de hoje é do Andy Warhol. Essa repetição infinita de formas que retiram a própria identidade da forma que a face anuncia é algo que diz muito do que dizemos da passagem de um ano para outro. E meu diagnóstico não é pessimista, pois prefiro pensar junto com o Montaigne que “pensar é aprender a morrer”, o que já é plenamente satisfatório. E convenhamos que isso de "ser satisfatório" já é muito.)

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