quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ao futuro, pois, pertence a verdade.

Era preciso muita força para sair da caverna.

Aquele ambiente calmo e relativamente iluminado, aquela fogueira que fazia um ruído contínuo como uma melodia cujo autor era desconhecido, eram muito mais acalentadores que a claridade cega que vinha de fora.

Além do mais, sair implicaria em utilizar as pernas e mesmo em desprender as pernas daqueles grilhões de aço, o que consistiria em um esforço sobre-humano para um propósito desconhecido.

Afinal, qual seria a recompensa?

Se todos os dias alguém lhes empurrava alimento até o fundo da caverna e eles podiam continuar ali quietos ou conversando sobre qualquer coisa, valia arriscar uma saída assim sem qualquer projeto, assim sem qualquer futuro?

Por certo que a resposta dos mais antigos seria não – e talvez justamente por isso os seus esqueletos ainda se encontrassem por ali como uma lembrança da negação imperativa a uma pergunta tão descabida.

E era isso que os cinco pensavam enquanto a luz se fazia diminuta na entrada da caverna e eles jogavam mais gravetos na fogueira para ficarem despertos até a hora do sono chegar.

Costumavam acordar quando a entrada da caverna se iluminava calmamente, pois apesar de não terem qualquer relógio sabiam que aquela paulatina e contínua iluminação correspondia ao início de algo. Logo, costumeiramente tinham sono no momento em que essa mesma luz começava a cessar, perfazendo o movimento oposto àquele que traçava no início do dia.

Porém, naquela data alguém havia jogado uma pedra dentro da caverna, o que consistia em um acontecimento inusitado, pois nada do gênero jamais havia transcorrido por ali até então. Apesar das suas barbas serem longas e seus cabelos quase alcançarem a extremidade daquela rocha oca, em seus anos de estada e fogueira nenhum havia presenciado algo do tipo. E pelo que o mais velho deles lembrava ter ouvido do último ancião que morrera, nada de tal monta havia se passado mesmo.

Portanto, o fato de alguém ter jogado uma pedra dentro da caverna consistia em um acontecimento digno de análise, e muito embora a linguagem desses homens seja construída por meio de um alfabeto perdido no tempo, aqui se tentará a reprodução aproximada dos diálogos que porventura tiveram em todo o tempo que passaram a refletir sobre a pedra jogada dentro da caverna.

Entretanto, antes disso, são necessários alguns esclarecimentos, visto que sem os mesmos lugar algum poderá ser alcançado.

Primeiramente, é preciso dizer que para ter posse da história dos homens que viviam na caverna, sendo que tais eram no número de cinco, isto em um tempo remoto, quase próximo à aurora da humanidade, anos de pesquisa foram despendidos. Escavações e pesquisas incessantes nas mais renomadas bibliotecas do mundo foram feitas, o que ocorreu pelo fato de que até então tal história apenas passava de boca em boca como uma anedota e nada mais.

Contudo, quando determinado artefato foi descoberto em um deserto da América Latina cuja localização não pode ser revelada por motivos de segurança, a versão de que tal história não passava de uma anedota caiu por terra, e desde então este pesquisador que tenta romancear esta suposta anedota constrói invólucros de palavras ao redor da mesma, fazendo com que o lume às conseqüências de sua descoberta se torne mais e mais intenso.

Secundariamente, é imperativo reconhecer que nunca na história se ouviu falar em um imperativo negativo. Normalmente os imperativos são de natureza positiva, de sorte que os imperativos negativos jamais se encontram em qualquer domínio humano. Apesar de se reconhecer que no campo moral tais traços podem vir a ser evidenciados, é de se dizer que estas evidências caem por terra quando se admite que as mesmas dizem respeito a uma negação e mais nada, visto que tratar de um imperativo negativo consiste em tarefa muito diversa.

A natureza do imperativo negativo, portanto, deverá ser averiguada antes mesmo que o diálogo dos cinco homens na caverna seja revelado, uma vez que é do conhecimento da mesma que toda e qualquer palavra poderá ser traçada. Do contrário, o que se fará será mera órbita em derredor do senso comum daqueles que julgam saber de algo e por conta disso escrevem periódicos ou coisas que o valham.

Em terceiro lugar, é necessário saber quem é que irá contar a história. E os exercícios que foram feitos até agora e ainda serão feitos até que se obtenha o êxito almejado, consistem justamente na busca deste conhecimento. Se nem aquele que escreve – ou seja, este pesquisador – sabe quem é, como poderão aqueles que lêem saber algo da história que aquele que escreve quer contar? Apesar de se reconhecer que talvez algum fundamento possa ser alcançado com essa coisa de “escrever pra se conhecer”, admitamos que tal hipótese é por demais acanhada diante de objetivos tão grandiosos quanto estes que se afiguram.

Do contrário, nem seria necessária qualquer linha para enumerar os três propósitos essenciais desta importante página humana.

Assim, saber que anos de pesquisa foram despendidos nesta empreitada (mais precisamente vinte e quatro anos até o presente momento), saber que um imperativo negativo nunca houve na história humana nem antes e nem depois do acontecimento que se quer narrar, bem como saber que é necessário conhecer aquele que conta a história antes que a própria história seja contada, em que pese haver uma breve introdução no início deste relato, são eixos que irão guiar a reflexão que será feita a partir de agora.

Deixa-se claro, todavia, que todos os excertos até o momento jacentes por aqui tem relação direta com este feito, consistindo os mesmos em fases preparatórias ao terceiro e mais complexo eixo do objetivo central ao qual este pesquisador se dispõe.

E é por conta desta disposição e por conta da ocorrência de não ser possível escrever mais de três páginas seguidas sem o devido cansaço e sem o devido reconhecimento de que somente assim a história que se almeja e se conhece poderá ser verdadeiramente contada, que se encerra por aqui esta confessional página inicial, atentando, antes de mais, sem que o alcance do terceiro objetivo almejado para o tema proposto, nada relativo à história será revelado por motivos que ninguém hoje vivo poderia compreender.

Ao futuro, pois, pertence a verdade.

(P.S.1: A imagem correspondente à foto que encabeça estas palavras, foi encontrada em uma das paredes da caverna referida. Ainda que a localização nas enciclopédias conhecidas diga de determinado local, é de se revelar, mesmo que de modo temerário, que tal local é falso e que se alguém lembrar de Platão ao ler essas linhas, tudo não passa de mero equívoco historiográfico, já que o sábio filósofo grego ficou sabendo da mesma por via da oralidade e nada mais. No mais, desta forma, reporta-se inteiramente às linhas acima, visto que a verdade ao futuro pertence. E quanto ao artefato, convém uma reveladora realidade: trata-se da pedra jogada na caverna, de cujas dobras toda a palavra até então proferida tem tido origem. )

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