quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Mas ficou triste quando lembrou que as notícias sempre seriam de ontem.

Sofrer aos dezesseis anos não tinha nada a ver com sofrer aos vinte e quatro anos.

Sofrer aos dezesseis anos implicava em escutar Nirvana e se revoltar contra o mundo. E ainda que esse mundo estivesse nos limites das paredes do seu quarto, aquele mundo era verdadeiramente um mundo, onde os pais encarnavam os rivais e os amigos os aliados em uma guerra que tinha a única finalidade de se empedrar de vinho com cachaça e coca aos finais de semana.

Sofrer aos vinte e quatro anos já era completamente diferente. Pra começar, não havia música alguma que traduzisse aquilo que sentia. Até tentou escutar Vitor Ramil ou mesmo Miles Davis, mas o fato é que entre milongas e trompetes preferiu o silêncio quase mudo da sala.

Esse silêncio era quase mudo porque a televisão, sussurrando devagar, dizia algumas notícias do dia. Um presidente americano negro que havia tomado posse. Uma igreja evangélica desabara. Uma porção de coisas acontecendo enquanto ele tomava seu chá verde com limão na caneca preta de plástico.

De certo modo era confortável aquela situação. A porta da sacada entreaberta, um frio que enganava o calendário e a quietude no resto do apartamento, bem poderiam ser reflexo de uma paz ou algo do gênero. Se existem pessoas que se refugiam em montanhas para encontrar a paz, aquele seu refúgio modesto de poucos metros quadrados, com certeza poderia ser comparado a algum monte do Tibet ou mesmo da Serra Gaúcha.

Mas o fato é que por mais que os fatos exteriores dissessem exatamente isso, haviam algumas pequenas pinceladas nos seus olhos que mudavam completamente a cor de tudo aquilo que lhe rodeava.

Primeiramente, ainda que seu tapete fosse preto, tinha a nítida impressão de que seu tapete fosse cinza. Olhava para ele desconfiado, tentando acreditar que a cor era mero disfarce da luz da cozinha acesa. Fechava os olhos, fitava a cozinha e voltava ao tapete com a intenção de mudar aquele tom. Mas nem a televisão desligada ou a luz da cozinha apagada surtiam qualquer efeito, pois tentara essa tática duas vezes sem atingir sucesso algum. E isso o deixava desconfiado ao ponto de desconfiar do seu próprio sofrimento.

Se seu sofrimento fosse real, haveria motivo para enxergar seu tapete preto com tons de cinza? E mais: se seu sofrimento realmente fosse sofrimento, conseguiria comparar períodos da sua vida em torno de um mesmo sentimento? A experiência lhe dizia que sim. Se sim não fosse, ninguém daria conselhos pra ninguém e nem seu pai diria o que tanto já disse:

- Meu filho: tu tens que tomar jeito na vida!

Porém, ainda que os conselhos do pai ou de qualquer outra pessoa até tivessem alguns pedacinhos de realidade, notava que aquelas palavras nada tinham a ver com ele. E o pior é que notava que todas as vezes nas quais fora sincero, havia apenas simulado uma espécie de sinceridade, como se toda a cena e todo o choro fosse apenas uma pequena parcela de um filme que só ele assistiria.

Aliás, podia mesmo se imaginar sozinho no cinema. O estranho é que sua imaginação fazia com que a tela se transformasse em altar com uma pequena estátua que parecia Nossa Senhora Aparecida. Até tentou relutar esse cenário e essas imagens, mas de que adiantaria esmurrar o que criara? A resposta claramente é que nada adiantaria, é que tudo seria como aquelas bolinhas de papel que lhe jogavam na cabeça na terceira série lá em Curitiba. Por isso aceitou a visão e voltou ao tapete que parecia cinza.

Lembrou que quando apertava a parte de cima do olho, as coisas ficavam duplas e até se fundiam umas às outras, como se seus olhos tivessem o poder de transformar o mundo. Por isso apertou o olho esquerdo com o polegar até que a televisão, o tapete, a luz da cozinha e a porta da sacada entreaberta fossem apenas uma coisa só.

Mas as sombras se fundiram em um entrelaçar de pernas que lhe remeteu a outras pernas.

Mas as luzes fizeram danças em flechas que lhe trouxeram abajures de um hotel.

Chegou então a conclusão de que era melhor parar com aquilo. Por isso não demorou a sair de casa.

- Give me a Leonard Cohen afterworld. – cantou baixinho quando pôs os pés na rua e viu que havia deixado a televisão ligada no terceiro andar.

- All apologies. – disse sorrindo um tempo depois enquanto caminhava até o centro.
Mas ficou triste quando lembrou que as notícias sempre seriam de ontem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Imagino tudo, menos sofrer. Tive uma doenca recentemente que afetou algumas areas do meu cerebro. Meu QI sofreu sensivel queda mas, em compensacao, sou feliz full time. Se e verdade que pessoas assim sao mais chatas, pelo menos elas nao sofrem com isso...:)
Saio para ir ao cinema. Vamos?