quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mas bolhas de sabão não são imbecis porque estão no céu.

Não cumpriu com sua promessa imbecil.

Não conseguiu conter as bolhas de sabão.

Por mais que não quisesse, elas saiam dos seus dedos assim como um cavalo foge do dono – o que cata caixas de papelão ali na esquina, mesmo que essa fuga fosse tão-somente uma hipótese das tantas hipóteses que traçava.

Mas que graça teria a vida sem hipóteses? Que graça teria a vida sem a incerteza quanto à sorte boa ou má? Seria melhor apenas aceitar os fatos como eles supostamente se apresentam ou continuar acreditando que algum pedacinho de realidade ainda pode mudar tudo?

Por mais que a ciência – ou quem sabe essa coisa aristotélica que chamam de lógica – diga o contrário, mais valem as hipóteses.

E pra ser franco, se não fossem as hipóteses, nem Einstein seria quem é. Na época dele não era possível verificar metade das coisas que dizia. E nem por isso ele estava errado. Portanto, poderia estar perfeitamente certo ao dizer que o cavalo do sujeito que catava caixas de papelão na esquina fugia de vez em quando. E ponto final.

Porém, as coisas que queria esconder com essa hipótese eram outras.

Eram coisas bem diferentes.

Coisas que diziam respeito a sua cama. Coisas que diziam respeito aos seus cobertores e mesmo às almofadas desarrumadas no sofá da sala.

Diziam respeito a um Brahms que ouvia às sete da manhã quando pensava que estava acordando mas na verdade estava dormindo.

Diziam respeito a fios de cabelo que se prendiam na gola das suas camisas mesmo que ele não tivesse a menor idéia de como foram parar ali.

Passavam até mesmo por uns pedaços de carne sangrando que tinham cor de bandoneon portenho.

E o que dizer do entardecer pintando pelo Hopper?

E o que falar das coisas na frente da televisão, minimalistas qual Picasso em rolha de vinho?

E havia o que discutir sobre as cores da tarde que mais pareciam pinceladas do Renoir, ainda que os tons não fossem tão claros quanto os sentimentos?

Tudo isso lhe dizia respeito.

E entre tudo isso e as suposições do cavalo do sujeito que catava caixas de papelão na rua, havia uma larga diferença, havia um largo abismo.

Certa vez lera que abismos não são abismos: são cumes ao contrário. Na época até achara a idéia bonita. No mínimo poética. Hoje, porém, tinha uma certeza: não passava de geometria invertida. E geometria invertida não põe curativo no coração de ninguém. Muito menos cerveja, muito menos whisky, muito menos vodka põe curativo no coração de ninguém. Se outro alguém põe curativo no coração de alguém, já é outra história. Mas no fundo dá na mesma, porque a realidade é que a ferida nunca pára de sangrar.

A razão são razões. Mas uma é clara: nenhum amor acaba. Nenhum amor pára. Quando amor é amor, o sangue flui para sempre. Tem horas que parece até alegria. Afinal, até saudade dá alegria. Mas sempre existe uma dor ciumenta, uma dor de posse, uma dor de macho latino-americano, mas ainda assim dor. O Fausto Wolff dizia que na falta de posses reais, o homem aqui desses lados do mundo pensa que a mulher é sua posse. Ele estava errado? Sim e não. Que lógica existe naquilo que se sente? No máximo a lógica da falta. E era essa lógica que lhe suava os braços: a lógica da falta.

Estruturar a lógica da falta seria um caminho para entender a falta. Mas entender a falta seria apenas relembrar que a falta é falta e nunca deixará de ser falta. Seria como estudar o nada que esses psicanalistas estudam e estudam e nunca chegam a lugar algum. E o pior é que quando chegam, dizem que o sujeito tem que aceitar a falta: caso contrário fica recalcado. Mas se é necessário aceitar a falta, a falta física, a falta que é mais carne que alma, a falta que é mais cheiro que sentimento, como sobreviver sem essa água, como continuar sem essa coisa que impulsiona, que dá calor quando é preciso e dá frio quando é necessário?

Não: esses psicanalistas estão todos errados.

Até os filósofos estão errados, porque ao contrário de dizer que nada provém do nada, tudo provém do nada. Mas pra ser sincero, até achava que devia existir alguém que dizia o contrário. O Lacan, que não é filósofo mas psicanalista, dizia algo do gênero. Mesmo assim, ele dizia que temos que aceitar o nada ou a falta.

Mas ele, ele que sentia a falta, ele que sentia aquilo, não era o Lacan e não aceitava o nada. Muito menos entendia de matemas e coisas do tipo.

Sabia que o nada há. Sabia que o nada lhe habitava.

E por conta disso que não aceitava o nada.

E por conta disso que não aceitava a falta.

E por conta disso iria conviver com a sua saudade, mesmo sabendo que a cura dela era tão inexistente quanto a cura para a sua necessária morte, já que, como diria um juiz de direito, ele estava vivo.

E a conclusão era essa e era uma só, apesar de quase sempre se dividir em duas.

A primeira dizia da necessidade das coisas acontecerem daquela forma, porque, tinha de reconhecer, pouco remédio havia.

Mas a segunda doía demais e era difícil demais escrever.

Era assim: sentia saudades e portanto estava vivo.

Esse era o seu combustível.

Mas bolhas de sabão não são imbecis porque estão no céu.

2 comentários:

Anônimo disse...

sei o que é amor não. mas às vezes, de manhã, quando um ventinho frio e bom entra pela janela, fico bem com vontade de saber... :)
p.s.: eu adoro bolhas de sabão, brinco disso até hoje.

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Se eu soubesse o que é o amor, não falaria tanto sobre ele. Se nós soubéssemos o que é a vida, nem vivos estaríamos. Não gosto do Platão porque ele diz que somos reflexos. E não gosto dos reflexos porque eles nos dizem o que somos. Mas talvez você estivesse coberta de razão quando falou que meu blog era uma Eva. O fato, porém, é que essa Eva é tão apaixonada por si que virou Adão para que pudesse ser dois ao mesmo tempo. Quanto às bolhas de sabão, acho que as crianças que agora estão brincando com a mangueira no pátio do vizinho são a mesma coisa que elas. Afinal, o Machado já dizia: "o menino é o pai do homem." Um beijo.