segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Haveria de ser essa sua casa.

Estômago de areia.

Cafeína por cima.

Acorda e o céu está cinza.

Deve ter chovido, mas isso não interessa.

Importa que acordou com o estômago de areia e jogou cafeína por cima. Coisa bem adocicada para atrair os neurônios para alguma lógica.

Lógica? Necessidade, seria?

Não, talvez apenas intenção, mas jamais necessidade.

Encadear as coisas, as pessoas e o mundo em uma linha não tem o menor sentido. Se tivesse, não haveria uma linha. O relógio, bem se sabe, gira em espirais. Os passos, ainda que tramem uma teia coesa no cimento das calçadas, se radiografados, intuem pés que se confundem com sombras e assim indefinidamente. Então não haveria necessidade de trair suas sensações com alguma logicidade ou cientificidade, o que seria pior ainda.

Mas qual é a fronteira entre intenção e necessidade? Onde começa o desejo e termina a fome? Misturar faces e mãos, cabelos que grudam no rosto, com pratos em cima da mesa, havia de ter algum significado. Não tivesse, a mesa não seria mesa e a cama não seria cama, apesar do sofá servir muito bem aos propósitos do que se queria. Porém o que queria esbarrava em outros propósitos, depenava as placas da rua e fazia com que aqueles passos de cinco anos fossem quase como asas.

Voariam essas asas? Criariam raízes essas asas?

Nem uma nem outra opção.

Ao contrário, essas asas seriam no máximo um passador de gravata: enforcariam o desapego, fariam uma graça para qualquer espécie de riso e trancariam toda leveza em um tanque profundo demais para ser tocado.

- Está aí? – gritaria alguém lá do alto. (Esse alguém não teria face porque usaria uma máscara com a sua foto.)

Ele responderia mas ao mesmo tempo notaria que sua voz não conseguia subir as paredes do tanque. Por mais que se agarrasse em cada pedaço de cano que havia naquele cilindro, a voz não conseguia subir.

Restava então descer as escadas do seu olho. Cada veia da íris como um corrimão de limo, ainda que jamais estivesse só.

E se estivesse, isso seria mais que alegoria da sua própria condição?

Certamente não.
Mas os problemas começariam quando a condição se tornasse tato, pele de si e ossos de outro.

Ninguém consegue seguir adiante distante da própria vida.

Nenhum coração marca o próprio compasso.

Haveria de ser essa sua casa
.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Viver é tropeçar, afinal de contas".
Tropecei no que já vivi enquanto lia esse seu texto: o que vivi no sonho e o que vivi na realidade. Sonho: eu presa no fundo do rio (o mais não conto, só se pedir - riso). Realidade: juro que voei quando tinha cinco anos. Uns dez centímetros do chão. Nunca mais consegui. Só no sonho.

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Realidade é aquilo que a gente tosse quando tem dor no peito. Sonho é aquilo que a gente sente quando enfiam um termômetro em baixo do sovaco da gente e dizem que estamos com quarenta graus de febre. Mas de uns tempos pra cá tenho desconfiado que qualquer hipótese de vôo é plausível, ainda mais como essa que você disse, aos dez anos voando dez centímetros do chão. E reparou numa coisa? Se não, repara: tem horas que o céu parece o mar quando a gente olha ele muito do alto. Talvez Nietzsche nos explique.