terça-feira, 20 de janeiro de 2009

E isso já era o bastante.

A fumaça da vela fez uma espiral pela manhã.

De laranja o pavio passou a negro em não mais que quinze segundos.

O sol não estava escondido e nem se mostrava fosco pelas nuvens.

O sol nunca teve intenção alguma.

Reconhecer isso era o primeiro passo para iniciar o dia.

Mas como iniciar o dia? Eram sete da manhã. Cinco horas adiante e seria meio-dia.

- Meio-dia é a metade do dia. – dizia-lhe o relógio do computador.

- Mas o tempo não passa. – sussurrava-lhe a revista em cima da mesa da sala.

- As opções são muitas. – concluiu ele em frente ao espelho, logo fechando a porta do banheiro atrás de si e deixando a fumaça da vela para trás.

Entrou no quarto e viu que a cortina não estava totalmente fechada. Aliás, nem a janela estava totalmente fechada. Era janeiro e um vento que parecia vindo de julho entrava devagar – e pelo menos o fato do vento entrar pela janela, aparentemente não atribuía a este qualquer característica humana. Ou estaria errado? Talvez fosse melhor dizer que ele sentia o vento entrar pela janela. Dessa forma, toda sensação descrita partiria dele e de mais ninguém. Essa coisa de falar que as casas olham a rua e que a lua é solitária em dezembro, é pura poetice sem futuro. Mera carência ou solidão.

Importava, assim, reconhecer que estava só.

Tudo bem que havia muitas pessoas com as quais conversava. Correto que havia algumas que até amava e sentia falta muito antes de estarem longe. Mas também era correto afirmar que se não queria atribuir características humanas a coisas da natureza, como o vento e a lua, atribuía tais características ao relógio do computador e a revista em cima da mesa da sala. O que isso queria dizer poderia ser muito, mas quem sabe encontrasse sentido apenas no fato de que tanto o relógio quanto a revista eram feitos de sinais – sinais esses que, quando submetidos ao seu olhar, transformavam-se em comunicação.

Por isso estar atrasado.

Por isso querer ler.

Por isso tudo isso e tudo aquilo.

Por isso, isso. E só. O mais era a espiral da vela que ficara fechada no banheiro e certamente já fora diluída pelo ar. Uma lembrança também havia, mas essa já era uma sensação de solidão, de cimento em meio ao campo, de campo em meio à chuva, de chuva que cai na terra e de animais que saem da terra para entrar no corpo de outros animais que à terra foram confiados.

Fechou a janela e a cortina do quarto, ligou o ventilador no nível um e se sentiu tranqüilo com aquele vento artificial. Puxou o edredon que nem de longe beirava qualquer renda e averiguou se não haviam flores pintadas no seu tecido. Não existiam flores, mas apenas uns matos aqui e ali.

Decidiu dormir contente de si e do que o rodeava. Ao menos sabia quem havia criado aquilo. Se quisesse, podia até mesmo imaginar mãos e olhos tanto na revista quanto no relógio e no edredon. Até o ventilador entrava na roda e por isso mesmo girava aquele vento no nível um.

E isso já era o bastante.

2 comentários:

Anônimo disse...

leio com olhos o que leio, com outros. teus textos já não são textos avulsos de um blog avulso como tantos. são a costela de um Adão que eu fico tentando imaginar. é isso: teu blog é uma Eva.

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Não sei o que te dizer. Parece que descobriram meu segredo. Estou com uma tremenda dor nas costas.