quinta-feira, 18 de junho de 2009

Trinômio.

do ângulo que escora
e orbita
meus propósitos
divido a lua em três partes
para que de um lado esteja
minha presença
do outro
minha vida
e no meio meu fim

a

visto a manta do vento:
cimento do efêmero na liga das pedras e da chuva

corto o tecido da noite com meus olhos de musgo
de cafeína
de dopamina alheia a qualquer fator exterior
e partidária das cascatas de ar
que descem pelos telhados
pelas janelas
fazendo com que do fóssil
brote o ruído
brote o quase-sussurro
da natureza
do choque de elementos díspares e harmoniosos
por sobre a cabeleira da cidade quieta
sonolenta
que eu tenho de baixo para cima
da esquerda para a direita
em meus sonhos
em meus ideais vazios
e na pobre utopia sobre a qual tudo o que sou se sustenta

sinto o frio nos meus dedos
sinto o frio na minha garganta
e fecho as comportas
que contém meu ócio
meu opróbrio
para dar vazão ao pouco que ainda me resta
e se gruda
às paredes calcificadas dos meus ossos

visto a manta da pele:
liga efêmera no cimento do corpo e do espírito

b

a face da minha pele
que não é minha pele
em face daquilo que considero
como primordial
ao meu circular concêntrico
e sem centro
esfacela diante da imagem e do silêncio
das gotas
das luzes que ponteiam a madrugada
e se espalham
por todos os caminhos que minha mente inventa
e imanta
com as palavras
das quais o porvir
irá sugar todo valor
e irá enterrar e desterrar
para que as estrelas
finalmente possam ouvir
e fitar
minha face

minha fase

c

trago o mundo no peito

subo as escadarias do meu coração
com a coragem de quem
morre
como indigente
para readquirir sua personalidade
animal
e humana

quando preciso
desço aos porões que me dão medo
para resgatar a garrafa verde
onde guardei todo desgosto
toda galeria das circunstâncias
que de mim se alimentam
para lembrar que não tenho controle sobre nada
e que por mais que minhas
danças
que minhas encenações
procurem não traçar um postulado pisoteado
sempre terei nos pés
a lama de outros séculos
mesclada ao sangue dos que
como eu
pensaram ter encontrado novas terras
na fumaça de algum mapa

vez ou outra
paro num patamar iluminado
para reformular a confiança nos meus membros
e rabiscar algumas linhas tortas
sujas
que possam servir de espátula
para um excesso de tinta que talvez ocorra

trago o mundo no peito
e agora encolho
seguro os joelhos contra o queixo
para que ele não fuja de mim
pelas frestas
de cada verso

2 comentários:

gloria disse...

Que trinômio povoado de densidades! Você vai desenhando os caminhos de você, rotas em todas direções, por todas as camadas. Não há profundo que a pele não retese, não faça circular em ritmo veloz e intenso. Não há silêncio, não há fim, não há esquecimento: o tudo que importa permanece em estado de latência. Não há névoa que torne a cegueira o modo cotidiano de ludibriar o olho. Essas três dimensões do trinômio dizem de um homem que traz o mundo em cada pequena partícula do lugar que habita.

"quando preciso
desço aos porões que me dão medo
para resgatar a garrafa verde
onde guardei todo desgosto
toda galeria das circunstâncias
que de mim se alimentam
para lembrar que não tenho controle sobre nada"

É tão raro e tão árduo esse movimento de descer e fazer emergir, misturar os achados a outros sentimentos o que ficam (a)guardados nas garrafas e acondicionados nas caixas. Suas linhas tortas não fugirão de você sem que permanaçam. Teu legado de poesia nomadizará, num afã cosmopolita, cigano, errante. Por vezes, o poeta se sentirá esvaziado, calado no vácuo das lembranças. E as palavras, como filhas pródigas poderão surgir como quem não quer nada. Na esquina, no bar ou no simples ato de encontrar amor no gesto cotidiano de abrir as janelas. Eu estou enredada nestes teus fios, assim me vejo e me sinto. Um bj e tuas visitas me fazem bem!

pensar disse...

Edu meu querido poeta, que se deita em terra vermelha se espreguica em livros densos e se acorda em palavras musicadas.Que quer fazer do mundo sua estrada e quer fazer sua estrada de palavras podendo agarrar o mundo num simples e belo poema em movimento.
Bjs