quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Serpente da Lei.

Escrevi sábado sobre a Latino América aqui neste blog, com o texto intitulado O Silêncio das Janelas do Povodo. Escrevi sobre a noção de Eduardo Galeano de que a América Latina é a terra das veias abertas, a qual resta descrita historiográfica e criticamente no clássico As Veias Abertas da América Latina.

Além disso, tracei alguns pontos de convergência entre pressupostos éticos embasados em Enrique Dussel na obra Para uma Ética da Libertação Latino Americana e as propostas políticas descortinadas por Zygmunt Bauman em seu Em Busca da Política. Tentei também fazer algumas ligações entre o pensamento de tais autores com alusões poético-fílmicas, referendando a obra de Glauber Rocha, especialmente no extraordinário Terra em Transe, bem como a poesia de Gujo Teixeira na voz de Luiz Marenco.

Entretanto, mesmo tendo feito tudo isso, o que fiz de maneira completamente despojada de qualquer academicismo, sendo que ensaiei um ensaio, ainda que isso soe redundante, falei que não tinha a pretensão de que as pessoas fossem para a rua, que quebrassem isso ou aquilo ou que simplesmente dessem a cara a bater diante de tantas barbaridades que a simbiose governo/mercado faz por aí.

Neste sentido, defendi que uma mudança deveria partir do que Ortega y Gasset chamou de fundo insubornável do ser humano – ou seja: da solidão da consciência individual deveria partir a reflexão moral que redundasse em uma ação ética a partir da qual toda e qualquer relação do outro resta fundada. Logo, não faria sentido qualquer mudança de cunho verticalizante, mas tão-somente uma mudança que considerasse a parte para apenas em um segundo momento considerar o todo, sendo que o todo seria um complexo universal onde singularidades deveriam conviver a partir de um pressuposto ético que encontraria adjetivo na palavra afeto, aqui tida como afeição e respeito ao outro – e assim em um alicerce ético.

Portanto, o que fiz foi defender redes de relações ao revés de relações em rede, teorema este que é diametralmente oposto à sua inversão lógica, sendo que propondo redes de relações e não relações em rede, não anulo as próprias relações em função da rede. Se fosse o contrário, o universal da rede anularia o singular daqueles que perfazem as próprias relações da rede, fazendo com que a singularidade restasse sobrepujada pela totalidade, com que o todo soterrase a parte.

Contudo, o que não deixei claro foi que essa reflexão seminal foi apenas o movimento de um raciocínio que estou tentando desenvolver partindo da premissa de que o Estado Afetivo de Direito é a condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito. Essa premissa, a qual encontra eco no texto Direito e Afetos de autoria de Eduardo Gonçalves Rocha (disponível em
http://luisalbertowarat.blogspot.com/2007/09/democracia-e-afetos-por-eduardo.html), faz parte da constatação de que o Direito, tanto enquanto ciência quanto como realização social, somente pode se dar a partir de um aporte ético, sendo que a ética é o pressuposto do Direito.

Porém, se a ética é o pressuposto do Direito, essa mesma ética apenas encontra base a partir da moral, a qual está justamente para o fundo insubornável acima referido. Consequentemente, se no texto anterior propus que uma mudança deveria começar partindo dos indivíduos, isto se deu em razão do fato de que o raciocínio que procuro desenvolver segue três etapas que se desenrolam em função de três palavras chave: moral, ética e Direito.

Assim, o fato da abordagem sobre a moral estar fincada em um apelo imagístico e emocional, está ligada justamente à necessidade de construir o afeto entre os indivíduos com base na consciência de que política e poesia constituem uma unidade e não uma ambivalência quando se trata de convencimento e realização.

Caso o contrário fosse, não ouviríamos dos políticos em campanha tantas promessas utopistas que sabem que não poderão realizar quando adstritos ao sistema governamental, este abastecido por lobbys parlamentares que provém de todas as esferas legislativas nacionais, tanto municipais, estaduais e federais, utilizando-se, portanto, de forte retórica a fim de tatuar nos ouvidos da sociedade suas ambições para o futuro da coletividade.

No entanto, como bem disse Amilton Bueno de Carvalho, quem está no poder padece da esquizofrênia do poder, o que certamente fez com que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso dissesse que toda a sua produção intelectual até então tida fosse desconsiderada em relação às ações que ele tomaria enquanto chefe do executivo nacional.

Por conseguinte, se a política está atrelada a poesia e portanto com a retórica utopista que esssa mesma poesia pode fazer erigir, temos de admitr que é impossível que não haja a simbiose proposta entre política/poesia, pois antônimo a isso o que veríamos é o silêncio desses que são, aqui para seguir um postulado da Constituição Federal, os representates do povo no governo.
Mas há muito se sabe que nem de longe quem está no governo é representante do povo, porque quem está no governo mais está lá por conta de um forte aparato midiático que os levou até lá e que convenceu o próprio inconsciente das pessoas a eleger esses tais representates.

Sendo assim, ainda que o primeiro movimento do meu raciocínio implique em uma postura moral que deve ser construída pelos indivíduos partindo de uma postura crítica, o segundo movimento está para uma postura ética desses mesmos indivíduos em relação àqueles com os quais se relacionam dia após dia. Fosse o contrário, apenas diríamos que a atitude de um sujeito representante da Via Campesina há alguns anos atrás, em um laboratório da Monsanto em Porto Alegre, não passou de mero ato terrorista, desconsiderando, apesar disso, que a Monsanto, com seu slogan de que em breve faltará alimento no planeta Terra, somente quer nos vender produtos geneticamente modificados que podem ter consequências nefastas no futuro.

Assim, após a consciência individual tomada com a moral, a qual se dá no silêncio do quarto de cada um, admitindo aquilo que não somos incapazes de dizer ou fazer em público, o que deve nortear a atitude das pessoas é uma consciência ética de respeito pelas gerações atuais e futuras, visto que, do contrário, o próprio Direito, enquanto expressão da normatividade imposta pelo Estado, continuará na mão de uns poucos que fazem o que bem entendem com as leis que, obrigatoriamente, temos de seguir.

A realidade é que no Brasil, ao invés do governo temer o povo, é o povo que teme o governo, o que decorre do fato de que muitos dos nosso “proletários” dependem do próprio sistema para sobreviver e andam na linha reta das conveniências que lhes impõem. Desta forma, se o “proletário” tem uma “prole” para sustentar, como ele irá sustentar essa “prole” se não andar conforme o sistema, já que dele depende para a sua própria sobrevivência?

A realidade é que se antes as chibatas eram de couro, hoje as chibatas se traduzem no próprio salário do qual dependemos para sobreviver. Sendo assim, se o povo apenas se aquietar por medo, considerando que um povo com medo é um povo muito fácil de ser manipulado, nada jamais mudará, sendo necessário, assim, a saída desse mesmo povo às ruas para reinvindicar seus direitos, já que um indivíduo somente se torna um sujeito quando é detentor dos seus direitos.

Do contrário, continuaremos a falar mal dos governantes em mesas de bar e absolutamente nada irá tomar um rumo correto nesse país, já que discussões sérias como essa não são objeto de mesas de bar, mas sim de mesas acadêmicas e governamentais. Portanto, a ação calada e quieta é necessária sim porque é uma ação moral, mas tão-somente a ação moral nada muda, vez que deve ser seguida por uma ação ética e posteriormente por uma ação política por via do Direito.

Afinal, a serpente da lei sempre pica os descalços – mas mais ainda os desavisados.

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