quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Revolução Francesa e o Solidarismo Analgésico.

Venho tratando nas últimas semanas das implicações do senso imediatista na sociedade atual. Tenho referido que vivemos em uma sociedade onde impera a Lógica do “Carpe Diem”, na qual o imediatismo tanto com relação às pessoas quanto com relação às coisas faz com que o processo de aproximação se dê em razão do consumo. Essa aproximação dada em razão do consumo, faz com que a liberdade se dê enquanto liberdade de consumir. Dando-se a liberdade relacionada com a possibilidade de consumo em uma determinada estrutura social, se alguns terão a possibilidade de desfrutar das maravilhas dessa sociedade, outros passarão a vida buscando essa liberdade sem jamais alcançá-la. Desta maneira, se o significado da liberdade está relacionado com a possibilidade de consumo, chega-se a conclusão de que se a liberdade existe, ela é para poucos.

Entretanto, é possível que ainda se fale em liberdade se a própria liberdade é para poucos? A conclusão óbvia é que não. Certo é que hoje temos mais liberdade em relação ao passado. Mas mais liberdade implica em uma graduação da liberdade e não necessariamente em liberdade. A liberdade, contudo, será sempre uma graduação da liberdade e não necessariamente liberdade porque apenas será liberdade em relação a algo ou alguém. Portanto, mesmo que se critique a liberdade atual relacionada com a possibilidade de consumir, esta é somente uma face da liberdade a partir das suas condições de existência.

Porém, partindo dos lemas da Revolução Francesa, cujo marco se deu em 14 de julho de 1789 com a Queda da Bastilha, estes baseados na tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”, pode-se dizer que as conquistas do Estado Moderno que se formou a partir de então estiveram relacionadas com esses ideais. Apesar disso, ainda que a liberdade e a igualdade sejam garantias constitucionais, por exemplo, elas não passam de estipulações formais ao invés de estipulações com reflexos efetivamente materiais. Isto se dá em razão do simples fato de que nascemos iguais tão-somente porque nascemos nus, já que nossa igualdade estará sempre relacionada com a estrutura social na qual nascemos. O mesmo ocorre com a liberdade, porque é clara a conclusão de que a liberdade apenas se dá em uma sociedade igualitária, sendo impossível a efetivação da liberdade em uma sociedade desigual.

Mas e a fraternidade? Com relação a esta, é de se dizer que a fraternidade implica em solidariedade e solidariedade é a face que a sociedade atual menos demonstra. Alguns podem dizer que o brasileiro é solidário, que sempre ajuda seu semelhante quando este necessita. Mas a realidade é que a solidariedade do brasileiro atualmente é impulsionada por determinações da mídia, durando o tempo que dura o estardalhaço midiático que evoca a própria solidariedade. Neste sentido, com certeza que temos solidariedade para com aqueles que nos são próximos, para com nossos amigos e nossa família e, em alguns casos, certas pessoas demonstram uma solidariedade franca em relação aos mais necessitados. Mas o que ocorre em uma sociedade onde impera a Lógica do “Carpe Diem”, é que a solidariedade existe mais para ajudar a si próprio do que para ajudar os outros, já que, muito embora o mundo desabe ao nosso redor, se nos atrelamos a alguma ação dita “humanitária”, ao menos podemos dizer que “fizemos nossa parte”. E se fizemos nossa parte, livramo-nos da culpa de termos ficado de braços cruzados. Trata-se assim de um solidarismo analgésico.

Em face de tudo isso, ainda que os ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” tenham impulsionado gerações na luta política, a estrutura social e econômica na qual estamos posicionados e a qual estamos presos, absorveu esses ideais e os transformou em objetos de consumo. Transformando ideais em objetos de consumo, talvez tenhamos que, para efetivamente fazer com que idéias se tornem ações, não vê-los como ideais, mas sim como possibilidades de movimento para a mudança da realidade. Caso não houver essa transformação de idéia em movimento, permaneceremos presos à concepção de que uma sociedade igualitária não passa de uma utopia inatingível. Portanto, antes de uma revolução social, precisamos de uma revolução do pensamento para que a própria revolução social ocorra, pois um outro mundo é possível somente com uma mudança do pensamento acerca do próprio mundo.

2 comentários:

FabioZen disse...

Lendo tua postagem "paisano" Eduardo, remetendo à lembrança do dia 14 de julho,Queda da Bastilha,simbolicamente esse fato histórico estende-se a nossa compreensão a total opressão do povo pelo statos quo.Fato como esses aconteceram ao redor do mundo, aqui o último e raro"os caras-pintadas"pelo impeachment do Collor.A capacidade do brasileiro de "se acostumar" com qualquer tipo de situação,comentada em um tópico lá da comu,nos deixa assim expectantes de um Sarney,herança maldita dos tempos da ditatura e do coronelismo,lutando bravamente para parecer normal todas as absurdas falcatruas já aplicadas pelo velhaco maranhense ao longo de 50 anos de vida pública.É essa analgesia moral que nos faz presenciar toda a miséria humana que cheira mal,anda maltrapilha e expõe suas chagas diariamente nas nossas fuças e jogamos a culpa nas administrações que realmente são deploráveis.Talvez um guilhotinamento de conceitos e legados caudilhescos de gerações resolvesse...

pensar disse...

Edu,
E quem sabe a liberdade completa seja a liberdade do ego( o ego eh uma imposicao social a qual nos identificamos e muitas vezes achamos q somos)?
Bjs Mari