domingo, 5 de julho de 2009

O Elefante dos Domingos.

Amanheceu o domingo com cara de chuva. Ou eu que amanheci com os olhos nublados? Não interessa.

Uns passarinhos cantam nas árvores do pátio. Os cães devem estar dormindo depois de suas conversas noturnas.

Há pouco assisti no Globo Rural uma reportagem sobre quem planta café. Sempre me interessei por coisas do campo. Gosto até de ver aqueles comerciais estranhos de produtos que supostamente revolucionam o tratamento do gado. Mas o fato é que não tenho a menor intimidade com isso.

Porém, tenho intimidade com o quê? Com esse domingo com cara de chuva ou com meus olhos que estão nublados de sono?

Sei apenas que a madrugada passou rápida. O livro do Saer, o livro do Bauman, umas palavras aqui, outras ali e logo veio o dia.

Nunca acreditei que os dias começam após a meia-noite. Pode até ser que as datas comecem formalmente após a meia-noite. Mas dia, só com sol. De resto, ontem e nada mais.

Penso em dormir agora. Mas também penso que poderia ficar acordado e dormir após um churrasco ao meio-dia. Aguentarei? Meu estômago responde que sim. Mas ao mesmo tempo dá ares de Atacama em suas dobras.

Mais fácil seria deitar, coçar o pé no colchão e dormir. Abraçar quem dorme comigo todas as noites e não pensar em outra coisa senão no sono.

Mas então por que a escrita? Por que perder tempo com essas frases que nada dizem de importante? O que é importante? “Importante é o que importa”, falei em um conto de uns cinco anos atrás. Mas o que importa?

-Importa o que é. – me sussura uma voz de imediato.

Mas o que é? A voz se aquieta e não diz mais nada. Talvez seja apenas expectativa de chuva. Ou de sono. Água por água, tudo acaba escorrendo. Quem fica somos nós: olhos, café, peito e contas.

Que nada...

Negócio é espantar a monotonia com o churrasco do meio-dia. Negócio é esquecer de quem planta café e dos programas obscuros que ensinam como inseminar vacas manualmente. Negócio é esquecer dos negócios e imaginar um elefante imenso caminhando pouco a pouco por cima de tudo que está acordado.

Esse elefante não virá da Índia porque nunca entendi como podem existir elefantes na Índia. Esse elefante, ao contrário, virá pesado por sobre uma escada de passarinhos e me olhará fixo com sua tromba de água. Por medo ou por ser domingo, enfim dormirei.

E então é que chegarei a conclusão mais sábia de todas: esse elefante é que carrega a cidade aos domingos. Longe dele, não é domingo. Com ele, tudo depende da harmonia das suas costas e do seu andar preguiçoso e distante.

Não importam mais as padarias que vendem frango assado, os adolescentes com voz de cerveja ou os casais dos móteis de peles morais. Não: importa apenas o passo pausado do elefante e o silêncio dos cães, porque é aí reside o domingo.

Tudo depende do elefante dos domingos e nada tem a ver com meus olhos nublados. Afinal, de qualquer forma irá chover e de qualquer forma já estou dormindo.

Falta apenas fechar os olhos para a mãe travesti do sono: o sonho. É dele que o elefante dos domingos se alimenta e afoga as preocupações da segunda. Por isso hoje me esqueço de mim na chama branda de um fogão de quatro bocas que guarda minha liberdade assistida. E um pouco de café para as quatro horas da tarde.

2 comentários:

Canteiro Pessoal disse...

Eduardo. Educo o meu olhar da observação para seu: "Tudo depende do elefante dos domingos e nada tem a ver com meus olhos nublados. Afinal, de qualquer forma irá chover e de qualquer forma já estou dormindo". Penso no quanto nosso olhar aos estereótipos produz-nos paralisia, fatalismo e cegueira.
A cada segundo do dia precisamos romper esse modelo autoritário do estereótipo e voltarmos para a observação mesmo em dias de chuva. Atrás do pensamento da chuva está um céu com o esplendor do sol pensando no atuar do que em nós não podemos negar. É um fato pessoal. Olhar que envolve atenção e presença. Vamos dançar lentos no dançante das cordas desta chuva no seu tanto assim? O tão íntimo nosso lançando-se ao vento do pedido no fazer chuvarada dentro do que vai existir. E ainda que cá-nós, mortais, em dias corridos estejamos sendo nublados-ofuscados por tanto do monólogo de outrora ensinado e por teimosia no atuar como amigo, podemos expressar-nos aqui. E em que tom começaremos ? Sem Tom! Muitos irão: - Mas, sem tom !? Não pode-se escrever música letral sem tom ! Nós cantaremos assim, segredos, pois a única maneira de escrever é sem armadura.
Aprendamos achar o silêncio em nós para ouvir a música. Sim ! O silêncio é fundamental. O silêncio entre as notas. Assustar as pessoas assustadas por tanto ruídos. Ruídos no impossível ouvir do silêncio.
Como descrever o cheiro do silêncio ? Seria desenhá-lo sobre olhos fechados e sem o estereótipo. A imagem sobre a imagem do infinito na estampa duma boca em sede de entrega quebrando paradigmas. Numa mistura complexa de passado, presente e futuro esboçado no íntimo e num misto de cores e palavras sentidas pintando ingredientes secretos.

[...]

Beijos mil

Priscila Cáliga

Marjorie Bier disse...

Um dos melhores...