quarta-feira, 1 de julho de 2009

O Devedor Eterno.

Semana passada escrevi sobre a lógica do “carpe diem”. Falei do quanto essa lógica faz com que ao invés de nos submeter ao processo que antecede toda conquista, queiramos que tudo aconteça da noite para o dia. Defendi o argumento com as expressões “atalhos” e “torpedos”, as quais, surgindo amarradas aos computadores e celulares, hoje significam muito mais, concluindo que o melhor “atalho” para os “torpedos” é explodir sem sair do lugar. Entretanto, também prometi que voltaria a escrever acerca do assunto partindo do fato dos cartões de crédito nos estragularem mês a mês, bem como do fato do "ficar" relacionado às casas noturnas ou quaisquer outros ambientes ser algo corriqueiro entre as pessoas. Desta forma, é disso que irei tratar hoje.

Com relação aos cartões de crédito, a tentação que eles proporcionam é tremenda. Com eles você pode comprar qualquer coisa sem ter dinheiro na hora da compra, o que gera a possibilidade de pagar tal coisa em outro momento. Todos os estabelecimentos comerciais que conheço utilizam esse sistema, o qual, até onde sei, é bastante seguro para esses estabelecimentos, pois posiciona a cobrança nas empresas que concedem os cartões de crédito e não nos estabelecimentos. Contudo, não me interessa falar desses estalecimentos comerciais ou mesmo das empresas que concedem os cartões de crédito, mas sim do ímpeto da compra que sustenta o próprio consumidor que utiliza os cartões de crédito.

Esse ímpeto, o qual é impulsionado por todos os lados pela mídia, faz com que você fique preso a dívidas sem que muitas vezes tenha condições de pagá-las. Levado ao extremo, faz de você um devedor eterno, o qual necessita do seu emprego para pagar suas dívidas e então sobreviver. Fazendo de você um devedor eterno, essas dívidas disseminam o medo na sociedade. Esse medo, relacionado também a violência das ruas, angustia você e aprisiona você em contas que terá de pagar em não se sabe quantas vezes, tendo de garantir seu emprego, o que igualmente gera medo, para que possa pagar tais contas e então sobreviver.

Com o “ficar” das casas noturnas ou quaisquer outros ambientes ocorre o mesmo, com a diferença de que não existem contas futuras a pagar. Se você prefere relacionamentos fugazes ao invés de relacionamentos duradouros, certamente faz isso, ainda que diga que é apenas por diversão, para não trazer para si qualquer comprometimento, já que o comprometimento, a exemplo das dívidas dos cartões de crédito, suscita inevitáveis cobranças, as quais não estão para suas expectativas emocionais no assoalho da lógica do “carpe diem” e do medo.

Se inicialmente o “ficar” era símbolo da revolução sexual que teve início na metade do século passado, hoje o “ficar” se torna símbolo do próprio medo, visto que se inexiste a intenção do comprometimento emocional e existe a intenção do comprometimento financeiro, surge um nítido descompassado entre realidade financeira e realidade emocional, pois se por um lado há a sustentação dos pagamentos financeiros futuros, por outro lado há a isenção dos comprometimentos com relação às cobranças emocionais futuras. Isso provoca o distanciamento entre as pessoas, promove o desligamento dos laços afetivos e o surgimento de conexões ao invés de relacionamentos, porque é isso que a fugacidade do “ficar” suscita.

Desta maneira, porém, tenho de dizer que não me posiciono contra uma nem outra prática, mas apenas faço um diagnóstico claudicante do que existe por trás das mesmas. O temor que tenho é de que no assoalho do medo, esqueçamos do futuro emocional e apenas corramos atrás do futuro financeiro. Se meu temor se concretizar de maneira irreversível, a impessoalidade das relações e o surgimento de supostos especialistas que “entendem” dessas relações será ainda maior. Logo, tendo de correr atrás de dinheiro para pagar dívidas financeiras, também teremos de correr atrás de dinheiro para pagar esses especialistas, tornando-nos eternos endividados com nosso bolso e principalmente com nossos sentimentos oprimidos pelo imediatismo da lógica do “carpe diem”. Assim é que os “torpedos” pegarão seu melhor “atalho” de vez, gerando um medo irreversível para o qual jamais estaremos preparados.

4 comentários:

pensar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
pensar disse...

Edu,

Com ressonancia...., a realidade esta dita e cada vez mais escravos surgem sem nem ao menos se darem conta.
Um grande beijo
Mari

Juliana Vermelho Martins disse...

Eduardo

É o retrato do mundo em que vivemos.
O que eu procuro fazer, é tentar viver o melhor possível nele, já que não posso pedir pra mudar mesmo...

Quanto aos selos... mulheres são mais ligadas com essas, como dizer, "coisinhas fofas". E sentem quando não há referência ou comentário de retorno. Talvez eu faça parte de um grupo de mulheres mutantes. Isso tudo chega em mim e para, não continua dali pra frente. Um dia descobrem o gen que não funciona em mim, quem sabe?
Mas também sou bem mais ligadas aos comentários, com certeza!

Marjorie disse...

Teu texto me fez lembrar Shakespeare... "De todas as paixões baixas, o medo é a mais amaldiçoada."