quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Cavalo das Quartas.

Parece que hoje foi uma repetição de ontem. Não fez sol e a chuva cessou em alguns momentos para retornar em muitos.

Aqui dentro de casa está tudo úmido. Até meus pensamentos parecem úmidos.

Talvez isso tenha postergado tanto minhas palavras de hoje. Talvez elas tenham escorregado em algum azulejo do banheiro e estatelado no chão, sangrando dois dentes perto da pia. Mas o provável é que tenha sido apenas preguiça.

Costumamos colocar as culpas da nossa inércia em tudo quanto nos rodeia e raras vezes em nós. É muito mais fácil responsabilizar a chuva ou o governo do que dizer que você não fez o que tinha que fazer por pura falta de vontade. Mas também não é crime nenhum a falta de vontade.

Lembro de um poema do Pessoa que fala do prazer em descumprir um dever. E nesses tempos em que os deveres são muitos e o tempo é pouco, quem sabe seja justamente disso que necessitamos. Claro que existem prazos que devem ser cumpridos e exigências inadiáveis se queremos conquistar algo. Mas de todas essas exigências, quais são aquelas que verdadeiramente importam?

Ao falar isso, recordo que quando tinha dezoito anos colei no teto do meu quarto, bem em cima da cama, uma cartolina com a seguinte pergunta: O QUE IMPORTA? Essa pergunta me fez cair em uma crise existencial daquelas. Porém, quando hoje recordo dessa crise, me dou conta de que ela foi mais um pretexto pra encher a cara do que qualquer outra coisa. Por causa da crise, eu podia chegar em casa a hora que fosse e faltar aulas e aulas da faculdade que cursava com a desculpa de que estava em crise. Mas esse tempo no qual dormia e acordava com o questionamento sobre o que importa me foi muito proveitoso.

Na verdade tiveram que acontecer algumas coisas para que eu me desse conta desse tempo. Tive de passar por algumas experiências não muito boas que inclusive me legaram uma cicatriz no queixo para que esse tempo realmente me fosse proveitoso. E posso dizer que de maneira alguma agiria de forma diversa. Com certeza que me prejudiquei em alguns aspectos e deixei passar várias oportunidades bem diante do meu nariz. Mas ainda que sempre tenhamos a tendência a glamourizar o passado, como se o antes fosse eternamente melhor que o agora, ao menos nesse sentido me valeu a pena ler aquela pergunta amanhecer após amanhecer.

Isso me remete diretamente aos deveres que não cumpri e aos deveres que hoje tenho de cumprir para sobreviver. Para algumas coisas não posso simplesmente abdicar da responsabilidade. Entretanto, tento o máximo possível não culpabilizar o mundo ou as pessoas pela inexistência de efetividade em alguns atos que pratico ou deixo de praticar. Muito antes disso, o único responsável sou eu, coisa que aprendi com o Albert Camus.

Por isso é que hoje, ouvindo a chuva que molha o telhado e me chega com um vapor leve pela janela, penso que a aceitação da fatalidade é necessária para certos alicerces daquilo que somos. Não podemos compactuar com as fatalidades que dizem que o mundo é este e nenhum outro mundo é possível, por exemplo. Mas temos de compactuar e aceitar aquelas fatalidades relacionadas a nossa própria condição humana. Nessa condição, jamais saberemos ao certo o que verdadeiramente importa. Mas dentro de nós ou ao menos no olhar de certas pessoas, poderemos perceber que aquilo que verdadeiramente importa não pode ser comprado ou aproveitado ao deus-dará do consumo.

Por outro lado, aquilo que verdadeiramente importa talvez esteja para aqueles cavalos que não se deixam domar. Mesmo que o domador tente pôr um cabresto em seus movimentos, eles sempre se desvencilham de qualquer viseira que diga o lado para o qual devam cavalgar. Por isso é que ao invés de apenas aceitarmos a inevitabilidade dos invariáveis aborrecimentos que toda quarta-feira nos traz, temos de tentar mudar nosso rumo com gestos visíveis e invisíveis que digam justamente daquilo que somos.

Por mais que falem que somos enquanto momento, que somos fragmentados e jamais passíveis de uma união, existe algo que nos faz únicos na fatalidade da existência. Como cavalos selvagens, temos de negar a viseira das ruas e compor o horizonte dos campos em pé, sabendo que se a noite existir, a lua desenhará nossa sombra na grama e fará com que nossos sonhos de eternidade rabisquem uma nova constelação a cada estrela que apaga.

Essa é a única liberdade possível para as quartas úmidas e chuvosas. Estranho será se nada nos parecer estranho e não nos darmos conta de que nosso único dever é o sonho.

3 comentários:

pensar disse...

Que lindo, Edu.E tuas palavras me acertam em cheio, eh impressionante.
E muito importante estarmos sempre nos perguntando: o q importa?
Vai minha dica de um filme q assisti hoje:
Huckabees.
Bjs e boa quinta

adri antunes disse...

olá Du, como vai? a dissertação foi concluída, revisada e rererevisada e agora vou pra banca, dia 07 de agosto. estou tranquila pelo fato de ter terminado, mas um pouco apreensiva porque terei de apresentá-la em público, enfim, é meio paradoxo, mas verdadeiro.
um bjuuu

Ana Valeska Maia disse...

Meus olhos ficaram úmidos lendo tuas palavras, as daqui e as que você deixou lá no meu blog.
É fato, é fácil responsabilizar o outro. É conveniente, né? Eu não quero mais isso. Ando pelejando para encontrar meu caminho. Vez em quando descumpro um dever, mas sempre atendendo ao dever maior de ser verdadeira comigo mesma.
Então “o que importa”?
Valeu a lembrança da responsabilidade pelos atos, pela busca, pela vida que escolhemos viver.
Gostei do teu cavalo.
Um beijo.