domingo, 28 de dezembro de 2008

Não sei porquê essas bandas de metal insistem em fazer clipes ao estilo Terror Classe C.

Não sei porquê essas bandas de metal insistem em fazer clipes ao estilo Terror Classe C. Devem pensar que isso atrai a revolta desse bando de adolescentes inúteis que existem mundo afora. Porém, sabendo que muitos amigos meus adoram esse tipo de música e até mesmo esse estilo de clipe Terror Classe C, melhor eu não falar muito disso sob o risco de tomar uns bons sopapos numa esquina qualquer.

Por essa razão, uma vez que não tenho nada além de físico de jogador de pife, troco de assunto – caso contrário, apanho.

Mas falar do quê?

Tenho de confessar que ver o Motorhead fazer um clipe sobre o Hellraiser – aquele monstrengo dos filmes de Terror Classe C que tem uma penca de espinhos/pregos no rosto – me fez dar uma certa risada. Claro que foi uma risada mesclada com pena, sendo que parte dessa pena parte de mim mesmo. E por quê? Ora, enquanto me quebro por cá tentando fazer algo decente no que insistem chamar de “campo artístico”, os caras me fazem uma bobagem daquelas e ficam por cima da carne seca ganhando grana e mulheres. Deveria eu fazer o mesmo? Deveria eu, magro desse jeito, deixar o cabelo crescer e balançar as madeixas que nem epiléptico ao som de uma guitarra que não sei por qual motivo existe? Claro que o clipe é dos anos oitenta, época na qual ser besta era estar na moda, mas mesmo isso me provoca um nó na garganta, o que apenas se intensifica nesses tempos de mulheres frutas e derivados.

Em realidade um pouco de inveja também ajuda. E eu tenho um pouco de inveja dos caras (pronto, falei). Já tentei aqui e ali linhar algumas musiquinhas folk. Já compus algumas músicas nativistas também. Mas a realidade é que não me achei em nenhum desses caminhos, e o que sigo fazendo mesmo é escrever. Certa vez, quando eu tinha lá meus quinze anos de idade, inventei de fazer yoga e contei um sonho interessante para a minha professora de então, a Dona Cirene.

Contei pra ela que dia mais dia sonhava que estava deitado em uma espécie de máquina de pinball gigante. Esta máquina, por sua vez, esticava meus ossos e eu sentia a bolinha de ferro bater por todo canto do meu corpo. As luzes da máquina eu não via e muito menos via quem era o féla-da-puta que estava jogando pinball comigo lá dentro. Nem mesmo dor eu me recordo de sentir e deixo claro que a tal bolinha não entrou em nenhum lugar que trago comigo enquanto orifício essencial. Mas falar disso pra ela me fez um certo bem, ainda mais quando ela me deu uma explicação pra lá de simples:

- Eduardo, é por conta disso que você é tão alto. A máquina dos teus sonhos te estica e você não pára de crescer.

Quando ela me falou isso pensei: “péra lá! isso explica alguma coisa!” E foi aí que comecei a fazer yoga duas vezes por semana. Porém, como eu tinha quinze anos de idade e estava naquela fase em que tudo o que é calmo irrita, seis meses depois desse meu início caí na gandaia e o que mais fiz foi tomar um preparado que uns amigos chamavam de KRYSMURF. Por que KRYSMURF? A história é longa mas vou resumir ela em poucas linhas.

Tinha um amigo antigo que ainda anda por aí cujo apelido no mirc (esse programa de comunicação internáutica pré-ICQ, pré-MSN e acho que até pré-chat) era KRYCEK e outro cujo apelido era SMURF. Certa noite, no sítio de um outro amigo, noite esta que era fria, inventaram de comprar vinho tinto barato seco ou suave, não lembro, daqueles de dois livros que grudam uma nhaca azul no fundo, dois litros de cachaça de um real, uma garrafa de coca-cola e misturar tudo dentro de uma terceira garrafa para logo a seguir mexer e mexer para aprontar o drink. E aí surgiu o KRYSMURF. E para que meu único leitor perceba a significância disso deixo uma pista: troquei o centro zen pelo centro dos meus pés descompassados ao voltar pra casa depois de porres homéricos. E um friso importante: SEM CAIR.

Na verdade nunca entendi direito como consegui chegar em casa ileso, sem ser assaltado nem nada, por tantas e tantas vezes. Tinha madrugadas que eu fazia questão de dar uma volta imensa por todos os quarteirões que circundavam a casa dos meus pais só pra ver se me acontecia algo diferente. Nesses momentos lembrava de um filme que vi lá pelos meus oito anos de idade que tinha por título Fogo no Céu. Nesse filme, um camarada era seqüestrado por alienígenas que faziam poucas e boas com o pobre por algumas semanas. Esse filme até hoje me dá medo e não posso vê-lo em hipótese alguma. Mas por algum motivo, apesar de eu sempre ter medo de extraterrestres, acho que eu queria era ser abduzido ao andar por essas ruas tão desertas em horas tão remotas da madrugada.

Isso me aconteceu lá pelos idos dos meus quinze, dezesseis anos, conforme já falei acima. Depois desses ocorridos fui ficando um pouco mais comedido, e hoje o máximo que tomo de destilado é whiskey mesmo, coisa que me tira fora do sério completamente. Claro que eu tenho que confessar que se vier uma vodka, uma cachaça, um rum bem preparado, também mando ver, mas voltar pros tempos do KRYSMURF acho que seria suicídio, até porque meu fígado de vinte e quatro anos não é mais como o de antigamente. Tenho um cunhado que diz que a primeira compra que fará quando legalizarem o mercado de órgãos humanos, é comprar um fígado novo pra deixar congelado no freezer e trocar quando precisar. Mas creio que o único empecilho disso é o fato da empregada desse meu cunhado confundir um fígado humano com um fígado de boi e fazer o talzinho frito à milanesa pro almoço de um sábado. Claro que isso soaria meio Hannibal, mas o que não soa meio Hannibal nesses dias atuais?

O Oswald de Andrade, lá nos anos vinte do século passado, idealizou e até escreveu um manifesto defendendo a tal da Antropofagia. Em suma o lance era o seguinte: o Brasil absorve a cultura de tantos países que é impossível dizer que há uma identidade nacional. Como fala um ex-sogro meu em um livro chamado Os Dez Brasis, o Jorge Baleeiro de Lacerda, não existe um Brasil apenas, mas sim vários Brasis. Desta forma, se nos é impossível ter uma cultura só, que sejamos o repositório de várias culturas, ainda que tenhamos que cuspir os ossos dos colonizadores na cara dos seus filhos para que eles construam jangadas que nos levem pra fora dessa prisão.

Mas isso aqui é uma prisão? Acho que estou exagerando, porque apesar de tudo é bom morar por este canto do mundo no qual, ao invés de furacões e terremotos, temos CPIs e processos judiciais tricentenários.

Lembro que li certa vez um texto do Antonin Artaud que dizia que o homem somente seria completamente livre quando estivesse desprovido de todos os seus órgãos. Sei que ele falou isso no sentido figurado e no sentido do que ele chamava de Teatro da Crueldade. Mas o que ele quis dizer mesmo foi que para sermos o que somos temos que negar toda representação daquilo que acreditamos ser. Não adianta nada ficar fumando cigarro mentolado quando você quer fumar um malborão vermelho daqueles de dar dó nos pulmões. Não adianta nada simular silêncio quando sua fala não sai porque você tem é medo do que vai falar. O que nos faz seres humanos é a capacidade de nos superarmos em todos os instantes. É nisso que somos insuperáveis. E é por isso que dominamos o planeta do jeito que dominados.

Este domínio, por sua vez, já está tomando uns pontos dos quais nem desconfiávamos. Dizem que é culpa do tal do El Niño e La Niña. Mas se essas crianças são tão porretas assim, mais estão para o Oskar do Günter Grass do que qualquer outra coisa. E como sei que hoje até as crianças são meio bundonas apesar de mais inteligentes que nós quando tínhamos a idade delas, tenho plena consciência de que isso é papo furado de quem mora no septuagésimo andar de um edifício e tem por jardim uma floresta tropical bem no terraço. Falar que tudo é coisa normal e que sempre foi assim, culpa da fumaça dos vulcões e coisa e tal, vivendo nessas condições, é fácil demais, mas enfrentar ônibus lotados cheirando asa de trabalhador e trabalhadora que sua e sua e faz a camisa ficar empapada bem no canto do sovaco, já é coisa bem diferente. Preguiça ideológica é o que mais há entre homens de boa intenção, há de se convir, pois o poder corrompe até o Édipo.

Mas não é que eu queira fazer uma apologia da experiência em contraponto à teoria. Longe disso, até porque sou bem mais teoria que experiência. O que eu quero dizer é que não dá pra ser que nem aquele lunático do 007 – O Mundo Não é o Bastante, o qual queria controlar todas as notícias que ocorreriam pelos quatro cantos do planeta provocando essas mesmas notícias. O que eu quero dizer é que antes de tomar qualquer atitude, seja uma empresa ou um indivíduo, estes agentes tem de pensar no quanto esta atitude irá afetar os outros e por via oblíqua eles próprios, uma vez que temos que confessar que só temos uma atmosfera e é dela que dependemos para tudo há milhões e milhões de anos. Simone de Beauvoir estava completamente certa quando escreveu O Sangue dos Outros, apesar de eu discordar que “o inferno são os outros”, como disse o Sartre, já que desconfio que o inferno somos nós e nossos medos e ponto final, o que talvez surja de uma interpretação extensiva da máxima sartreana.

Contudo, tentando me colocar no lugar do carinha que mora em uma cobertura no septuagésimo andar de um edifício de luxo, até chego a pensar que estaria pouco me lixando pro povo que passasse lá embaixo. Talvez até cuspisse neles lá de cima, calculando, logo a seguir, qual velocidade o cuspe atingiria para ver se conseguia realizar um antigo sonho de matar alguém. Poderia ser um trabalhador, um leiteiro ou até uma empregada doméstica (profissões bem do POVO com letras garrafais assim). Poderia ser qualquer um. Mas como certamente nunca terei esse privilégio, prefiro me utilizar dessa máquina mortífera que o computador me lega sem que nenhum Mel Gibson tenha consciência disso – e sem ter que apelar pro horror daquele filme chamado Albergue, do qual o único mérito é comparar os corredores de tortura com os corredores dos prostíbulos de Amsterdã.

Alias, já parou pra pensar, meu fiel leitor, que o Gibson deve ter comido meia Hollywood, cheirado até a cinza do pai dele e agora deu uma de virar crente? Assim não dá, assim não pode, porque desse jeito até eu sou canonizado. Mas felizmente tenho procurado andar distante disso. Logo, enquanto os atos papais e a fumaça que sai lá daquela chaminé de padaria que fica por trás do Concílio que escolhe os novos papas não sumir e desenhar no céu meu nome para logo depois o mesmo ser renegado pelo Santíssimo, fico tranqüilo traquinando minhas frases e lembrando que na TV ainda devem estar passando aqueles clipes toscos que só a MTV sabe guardar.

Indo ali averiguar, vi que o Motorhead já foi pras cucuias e existem uns magrões dando uma de stars do rock inglês. Acho legal rock inglês, mas depois de Oasis e The Verve, sem contar o clássico Radiohead, o rock inglês não é nada. Claro que os puristas me falarão dos Beatles e coisa e tal, mas se gosto de uma ou duas músicas dos cabeludinhos é muito, então prefiro ficar com as primeiras bandas que citei. Ah!, e se lembrarem do Pink Floyd, só não coloquei o dito na lista porque daí já é covardia.

Mas agora que já sinto minhas pálpebras pesarem acho que é hora de dar tchau, como diziam (ou dizem?) os Telletubbies – aqueles bichinhos gays pra caramba que servem pra educar retardados. Já me sinto melhor depois de ter falado das minhas aulas de yoga e do quanto os clipes dos anos oitenta são horríveis, pois mesmo que este espaço não seja algo como que uma “terapia compartilhada”, tudo o que fazemos o é, desde o trabalho até o sexo. Mas daquele tempo dos anos oitenta nem o The Cure se salva – e olha que teve uma época desses meus vinte e quatro anos na qual eu era viciado em The Cure.

O que esqueci de dizer, porém, foi que falei pra Dona Cirene (aquela que tentou me ensinar yoga) que meu sonho era um dia tocar violão pra trezentas mil pessoas, algo meio Woodstock assim. Hoje dou risada disso e acho que é uma pretensão quase que impossível, até porque mudei bastante de lá pra cá. Mas partindo do fato de que não sei instalar contador de visitas nessa joça de espaço internáutico, é bem capaz de muita gente me ler sem que eu saiba que me lêem. A estes anônimos/enigmáticos/calados leitores eu agradeço, mas como desconfio que existe apenas um leitor deste espaço (que talvez até seja meu super-ego), prefiro dizer pra ele me deixar um comentário sobre qualquer texto só pra me dar a luz de que essas coisinhas aqui tem algum valor mesmo que sejam assim escritas ao deus-dará e revisadas no máximo uma vez.

Que fique bem entendido que não estou pedindo elogios ou rasgação de seda. Longe disso: estou perguntando se alguém me ouve aqui. E se alguém me ouve aqui, por favor se manifeste ou pelo menos me deixe um skrap naquele recanto que deixa as carnes à mostra que se chama orkut. Seja para o bem, seja para o mal, ao menos saberei que com alguém falo, mesmo que esse alguém possa bem utilizar excertos dos meus textos em trabalhos particulares. Se este alguém fizer isso, eu juro que persigo o dito até ter que dar ossos pros Cérberos e entrar no Inferno – isso se não besuntar o camarada de presunto e dar de lanche a esses Cães do Capeta que certamente tem uma existência infinita e faminta.

Para quem entendeu, o recado está dado.

Para quem não entendeu, que pergunte pro Google.

Porém, pra concluir, já que são quase cinco horas da manhã de domingo (mais precisamente quatro horas e trinta e nove minutos quando fecho esse parênteses), digo que não sou tão violento assim. Às vezes tenho até medo de machucar demais as baratas quando mato as cujas. Quando eu tinha lá meus sete anos meu pai me obrigou a estrebuchar um peixe vivo em cima da pia. Lembro que eu chorava pacas porque via o peixe se mexendo e perguntava pro pai: “mas pai, ele não tá vivo?”. E o meu pai respondia: “claro que tá, mas tu não quer comer ele?”. Nisso eu fiquei quieto e limpei o peixe que se debatia por entre minhas mãos até que enfim morreu, isso sem deixar de chorar calado por um instante sequer, desconfiando que até o peixe, com seus olhos de peixe naturalmente molhados, também de algum modo chorava, porque ninguém quer virar fritada no bucho de outrem, há de se concordar.

Quando fizemos a fritada de peixe com limão galego por cima, ficou uma delícia de babar os beiços. O problema maior só aconteceu quando eu comecei a mastigar o safadinho e lembrar do seu olhar de peixe quase-morto ao meu olhar de menino assustado que não queria cometer um assassinato. Mas ao contrário do que talvez possa se denotar, não vomitei nem nada. Firme e forte engoli o peixe que havia matado, o que fez com que eu me sentisse algo neandertal.

E não posso dizer que isso foi ruim.

Aliás, quem é vegetariano é fresco, havemos de combinar, mesmo que eu saiba que pode ter gente que caia de pau em cima de mim depois dessa declaração.

Aos finalmentes, já que isso daqui está ficando muito longo, ruim mesmo foi ouvir ontem há tarde um bando de adolescentes descendo a rua berrando como se fossem espécimes tribais que chamariam atenção das fêmas à base de urros. Como podem as coisas ainda serem assim? São os hormônios, me responderam minhas amigas psicólogas. Pra mim, ao contrário, é a babaquice mesmo, pois caso contrário nem o Motorhead ou o Hellraiser existiriram.

Mesmo assim, viva a liberdade de expressão, ainda que no mais vezes ela expresse uma incontinência intestinal.

(P.S.1: Essa foto também é do Henri Cartier-Bresson. Quem me dera ser um gurizinho desses carregando faceiro duas garrafas de vinho francês na metade do século passado, quando não existiam computadores, fax, telefones celulares e todo esse aparato que nos mata dia após dias sob o pretexto de que temos que estar em eterna comunicação – e por conta disso em contínuo desentendimento.)

(P.S.2: Pensando por este ângulo, acho que a tal da Torre de Babel é mais uma profecia que uma história. Mas outra hora penso nisso, já que prefiro me sonhar nos anos cinquenta carregando faceiro duas garrafas de vinho pelas ruas de Paris.)

2 comentários:

K. disse...

Escuto The Cure e entendo perfeitamente esse problema com peixes... Isso tudo por causa de um pensamento a respeito de Motorhead e Hellraiser.

K. disse...

Escuto The Cure e entendo perfeitamente teu problema com peixes... E pensar que todas essas palavras surgiram por causa de um pensamento a respeito de Motorhead e Hellraiser.