terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Não é que eu esteja fazendo contagem regressiva para o fim do ano.

Não é que eu esteja fazendo contagem regressiva para o fim do ano. Longe disso. Mas o fato de saber que amanhã é dia trinta e um de dezembro me dá uma certa agonia e acho apropriado falar acerca disso. Mas falar o quê? Aí começam os empecilhos de quem começa a escrever. E se fossem só empecilhos, as coisas até que seriam boas e até mesmo bobas. O problema é que tais empecilhos se transmutam em monstros que por sua vez se transformam em pulgas que ficam de maneira insistente atrás de nossas orelhas. E é dessa coceira que provém a escrita.

Não estou querendo dizer que o trabalho do escritor é algo penoso. Não tenho aquele senso ao modo Olavo Bilac. Até acho divertido escrever e se isso não me fizesse bem de maneira alguma o faria. Mas a realidade é que só fazer bem não quer dizer nada, porque arte não é catarse ou expiação de demônios inconscientes. Se o camarada quer se livrar de suas neuroses, que vá para o psicanalista e ponto final, pois se escrever gera empecilhos para quem escreve, é óbvio que nem sempre aquele que escreve irá querer escrever. Entretanto mesmo assim escreverá pelo fato de precisar escrever, pelo fato de precisar falar. Mas entre falar e falar para alguém existe o abismo do ser escutado e do se deixar escutar. E aí as coisas complicam mais ainda.

Alguém já disse alguma vez que todo mundo que escreve quer ser entendido. Eu discordo. No máximo todo mundo que escreve quer ser escutado, mas entre ser entendido e ser escutado existe uma grande diferença. Ser entendido me soa como ser digerido, e existem certas coisas que caem melhor se degustadas do que digeridas. Caso contrário, não haveria motivo algum para os charutos existirem, e se esta comparação é chula que o seja, porque é dessa forma que penso algumas vezes quando leio poesia.

Por falar em poesia, faz algum tempo que não me aventuro por essas plagas. Não que meus versos tenham secado, mas a realidade é que não ando lá muito sério para as coisas da vida, de modo que não estou pronto atualmente para fazer poesia. E se existe coisa séria nessa coisa de escrever, essa coisa é poesia, ainda que existam por aí milhares de seres que rimam “mi” com “si” e se acham gênios ao redor do seu próprio umbigo, chorando pela amada que perderam com o cotovelo afundando no balcão de um boteco qualquer.

Lembrar disso talvez seja interessante nesse dia trinta de dezembro de dois mil e oito, ainda mais quando tenho consciência que amanhã é dia trinta e um de dezembro de dois mil e oito. Quando o Kubrick fez o 2001 – Uma Odisséia no Espaço, certamente que vislumbrou um hipotético ano de 2001 no qual aquilo que imaginou poderia acontecer. É óbvio que ele não fazia previsões de evolução espacial ou algo do tipo, ainda que os teóricos das mil conspirações capitalistas/comunistas da Guerra Fria digam o contrário, já que tem gente que insiste que o Solaris do Tarkovsky é uma resposta ao 2001 do Kubrick. Coisa mais besta não há, pois mesmo que naquela época – idos dos anos 60 – praticamente tudo tivesse influência governamental, atrelar realizações cinematográficas tão grandiosas a sensos políticos tão estritos é no mínimo sonegar o significado que a arte tem para o ser humano.

Quando o Kubrick imaginou o 2001, certamente que jogou com os símbolos ao adotar tal títutlo. Mesmo que baseado no livro de Arthur Clarke, prefiro acreditar que a inteligência de Kubrick superou em muito a metáfora de Clarke. 2001, afinal, é um ano após o ano 2000. Se o ano 2000 sempre jogou mil possibilidades no inconsciente coletivo, que dirá o ano 2001 – ano este que, após as possibilidades do ano 2000, fez com que uma odisséia, releitura do eixo grego original escrito por Homero, surgisse em proporções astrofísicas e metafísicas para a humanidade. A grandiosidade desta realização está para além de qualquer interpretação, e aqui não quero me atrelar a uma crítica cinematográfica qualquer, mesmo que as leituras desta obra de Kubrick possam ser muito frutíferas neste campo um tanto reflexivo no qual me proponho a escrever.

O que quero dizer é que o ano 2000 passou e o ano de 2001 também passou. Passou também a Guerra Fria e tanto o Kubrick quanto o Tarkovsky morreram. O Olavo Bilac, aquele que ficava delineando versos parnasianos enquanto alguns quarteirões dali ainda era viva a Hilda Furacão, há muito não passa de um autor que é obrigatório nos vestibulares do Brasil e que meia dúzia de intelectuais admiram. Não que eu não goste do Bilac, mas o fato é que perfeição demais enjoa quando é ela mesma que se quer. Claro que o Kubrick e o Tarkovsky queriam perfeição. Aliás, sei que queriam. Mas quando a perfeição é a própria razão da obra, quando a idéia é o próprio mote da narrativa, alguma coisa se perde e quem perde com isso é a própria arte.

Tendo passado o ano 2000, o ano 2001 e por conseqüência todos os anos subseqüentes até chegarmos a este 2008, daqui pouco mais que vinte e quatro horas será 2009. Se isso significa alguma coisa no sentido astrológico ou numerológico, prefiro nem saber, mesmo que alguns anos atrás até me interessasse por essas besteiras. Mas tentando remontar alguns fatos da minha vida até o dia de hoje, lembro que quando eu tinha lá meus onze anos, fiz com alguns amigos o tal do Jogo do Copo.

O Jogo do Copo consiste no fato de umas quatro pessoas desenharem em uma folha em branco o alfabeto e eventualmente alguns números, posicionarem suas mãos em um copo cheio d’água e dali em diante invocarem algum espírito para que ele possa responder questionamentos que caso contrário jamais poderiam ser respondidos. Neste então, acho que estávamos eu e mais dois colegas questionando sabe-se lá qual espírito. Quando perguntei em que ano acabaria o mundo, o copo (ou o espírito, vá saber) marcou o ano de 2012, e por algum motivo isto ficou na minha cabeça e agora veio à tona.

Mas o que acontecerá no ano de 2012? Sei que haverão os Jogos Olímpicos em Londres no ano de 2012, e seria no mínimo irônico o mundo acabar nessa data, ainda mais quando estou aqui costurando Bilac, Kubrick, Tarkovsky, Homero e até a Hilda Furacão. Recém jogando no Google esse ano, descobri que o mesmo é envolto em profecias e mais profecias e existe até um saite desses pra adolescentes nerds ou desocupados corriqueiros que fala sobre isso. Pra quem tiver interesse, o link é
http://www.doismiledoze.com/, mas já advirto que uma mera corrida de olhos pelo conteúdo do dito me fez pensar que não passa de baboseira.

Neste sentido, talvez o tal espírito do nosso Jogo do Copo quisesse mesmo dizer alguma coisa. Mas se ele queria dizer alguma coisa, o Kubrick e o Clarke também queriam dizer algo, e não foi por isso que tomamos contato com alguma forma de vida inteligente extraterrena no ano de 2001. Logo, se não ocorrer alguma hecatombe nuclear, certamente que às vésperas de 2012 estarei escrevendo sobre o ano de 2011 assim como hoje tento escrever sem muito sucesso sobre o ano de 2008. Filmes continuarão a ser feitos, textos continuarão a ser escritos, e com sorte a arte somente evoluirá até lá.

Espero que até 2012 eu tenha começado a estudar Física, porque essa é a última fronteira da Filosofia. E por mais que isso soe muito Paulo Coelho, já que tudo que fala em “última”, “derradeira” e coisa e tal lembra “infinito” e portanto todas as besteiras que o cercam, prefiro pensar o Universo através do conhecimento da Física e da Filosofia do que destas besteiras de fim do mundo e coisa e tal.

Com sorte e algum empenho também faço algo que preste enquanto artista. Se conseguir isso, já será o bastante. Afinal das contas, ninguém nunca soube o que se passa na cabeça de um suicida segundos antes de disparar o gatilho. O segredo está em descobrir isso sem ser suicida.

Acho que essa constatação vale o ano de 2008, mesmo que a contagem prossiga e amanhã eu certamente escreva mais alguma coisa.

(P.S.1: Alguém lembra desse fotograma do 2001 do Kubrick que encabeça meu texto? O monolito está presente em todos os momentos da existência humana tanto no âmbito macro quanto no âmbito micro. É algo como um ponto final. Mas prefiro falar sobre isso em rodas de cerveja do que escrever sobre isso no dia de hoje. O motivo? Fico assustado e tenho pleno direito a isso, quanto mais nesse final de ano.)


Nenhum comentário: