sábado, 27 de dezembro de 2008

Entretanto, o que realmente fiz ou deixei de fazer na sexta e na quinta simplesmente sumiu da minha cabeça.

Há dois dias que o tempo parece ter parado para mim. Sei que hoje é sábado e por mera aplicabilidade lógica das letras do calendário, tenho consciência de que os dias que antecederam esse sábado foram sexta e quinta. Entretanto, o que realmente fiz ou deixei de fazer na sexta e na quinta simplesmente sumiu da minha cabeça. Contudo, acho que coisas erradas com um “R” bem grande não aconteceram, o que me dá um certo alívio moral, visto que não sinto nenhuma dor estranha na região lombar do meu corpo - quanto mais no terrível ísquio.

A realidade é que essas festas de fim de ano tiram o sujeito do ar. Você sabe que quando passa o Natal o Ano Novo está próximo, e por conta de um senso plenamente idiota fica achando que as coisas irão mudar de uma hora para outra após os ponteiros indicarem meia-noite e um do dia primeiro de janeiro. Tem gente que estoura champagnes e quebra lustres ou mesmo deixa cega a avó. Tem gente que enche o mar de flores em devoção a sabe-se lá qual Orixá e por conta disso faz com que os tais barquinhos sejam ninhos de albatrozes ou pássaros que o valham. Eu, ao contrário, apenas dou uns abraços aqui, uns beijos na bochecha de uns ali, tomo várias e várias cervejas entremeadas com uns tragos de champagne na lentinha e deixo estar. Antigamente jogava as rolhas de champagnhe em cima do telhado e fazia um pedido. Mas quando me dei por conta de que isso era uma baita de uma besteira, abdiquei deste costume idiota.

Talvez isso pareça frio. Talvez isso pareça até mesmo desprovido de esperança. Mas como ter esperança quando os fogos iluminam o céu da cidade e sempre existe uma tia carente assistindo o Show da Virada na Globo? É algo deprimente. Tudo bem que isso pode até anular o meu primeiro argumento – aquele de que não faz sentido algum pensar que da meia-noite do dia trinta e um de dezembro à meia-noite e um do dia primeiro de janeiro algo vai mudar –, mas o fato é que ficar com os olhos estatelados em shows gravados na televisão, com aquele monte de gente vestida de branco dando sorrisinhos pra lá e pra cá é muito, mas muito deprimente.

Imaginem o dia em que houverem tevês em todos os cantos: na praça, no ônibus, no banheiro, em baixo da cama dos motéis. Será um verdadeiro inferno, pois confundiremos (e não tenho a menor dúvida disso) a realidade do que vimos com a carne e com os ossos com a representação do que sentimos com nosso ego acalmado pelas idiossincrasias que nos fazem comprar mais e mais. Esses dias, assistindo a um show de uma dessas bandas emo na MTV, me dei por conta de que mais da metade da platéia, ao invés de desfrutar o momento do show, ao invés de pular e se escabelar com aqueles acordes simples e distorcidos, ficava com celulares e câmeras digitais apontadas para o pessoal da banda para registrar o momento do show. Mas aí eu pergunto: de que adianta registrar o momento do show se na realidade você não está ali para vivenciar o show mas sim para registrá-lo? Parece que o advento das mídias nos fez repórteres do cotidiano sem que saibamos lidar com isso. E ao contrário do que previam uns dois séculos atrás, quanto mais tecnologia temos, mais distantes ficamos da realidade e mais trabalhamos, isto sem cumprir hora ou bater cartão-ponto algum, já que tal coisa é privilégio de funcionários públicos e metalúrgicos da verve do Lula.

Voltando ao meu ponto chave, a face mais nefasta desta ocorrência é que abdicamos do aqui-agora em prol de uma lembrança que irá despontar no nosso orkut, no papel de tela do nosso computador ou nos e-mails que iremos enviar aos amigos nos gabando que vimos fulano ou cicrano tocar bem próximo das nossas fuças. Mas falar do que ocorreu, falar das sensações que sentimos ao ouvir os tais acordes simples distorcidos de uma banda emo qualquer, não poderemos falar, isto porque estávamos preocupados em registrar o momento ao invés de viver o momento. Qual a vantagem disso? Tentarei traçar umas linhas sobre o assunto, ainda que esteja com preguiça e saiba que não chegarei a lugar algum.

A realidade, e aqui me restrinjo ao exemplo dos emos xaropes e chorões, é que essas pessoas mais se apegam a imagens do que a sujeitos. Por exemplo: se eu aparento em sociedade ser um sujeito respeitável, que tem uma boa dicção e honra com suas dívidas, ainda que de vez em quando deixe de pagar as contas do bolicho, a sociedade irá com toda certeza me respeitar. Mas esse respeito estará ligado às minhas roupas, aos meus sorrisos, a namorada com a qual ando abraçado na rua e tudo mais. Já se eu fosse um adolescente de dezesseis anos cabeludo e cheio de espinhas pela cara, daqueles que não pega nem gripe e só dá abraço na mãe que compra camisetas pretas de uma banda metal da Finlândia para o prazer do filhinho marmanjo, as coisas seriam completamente diferentes.

Ter consciência dessas ocorrências é mais de trinta passos dados para superá-las. Apenas vivenciá-las, no entanto, dando maior valor às fotografias do show do que ao próprio show, é anular aquilo que eu sou em prol de uma representação daquilo que eu gostaria de ser. O orkut, do qual acima fiz uma breve referência, é um exemplo clássico disso. Quer coisa mais voyuer que o orkut? Quer coisa mais fuxiquenta que ficar vendo qual é o par ideal que a menina do 402 idealiza? Não há, por Deus!, e isso só nos faz mais carentes dia após dias, masturbadores de um desejo que jamais concretizaremos, coisa que nem o Freud explicaria, já que se alguém quer pornografia hoje em dia é só acessar o Google e se acabar na mão. Tudo o que conta, e por estes rasos argumentos creio que provo minha tese, é a imagem e mais nada, é o símbolo e mais nada, ainda que nossos signos apontem para um rumo completamente diverso desses que os tais astrólogos charlatões propalam pelos jornais do país - coisa da qual talvez eu fale outra hora, apesar de hoje em dia achar uma bobagem atrelar o nosso destino daqui ao movimento das estrelas lá do firmamento, lá de trilhões de anos-luz da nossa realidade.

Quando os parentes se abraçam na Noite de Natal e fazem uma churrascada violenta no Feriado de Natal, o que estão tentando fazer é passar uma imagem de felicidade que muitas vezes (ou na maior parte das vezes) é completamente desprovida de realidade. Entretanto, se o que vale é a imagem e a representação que essa imagem tem perante os olhos dos outros, deixemos estar que tudo dará certo. O churrasco não sairá queimado, a salada de tomate com cebola não dará azia, e por mais que o vômito seja inevitável ante tanta cerveja escorrendo pelo corpo por dois dias seguidos, não é nada que um engove ou um figatil não resolvam. No resto, o fígado que se vire. Por conseqüência, no ano seguinte será a mesma coisa e assim por diante. E se alguém morrer no entremeio, a gente logo esquece e pra já está comemorando, já que não existe ser humano tão querido ao ponto de não ser algum dia esquecido.

Caso em algum momento alguém decidir mudar estes hábitos, estes costumes, este more embutido no inconsciente familiar de cada um de nós, as conseqüências serão no mínimo chatas. Esse que tentar mudar passará por revoltadinho, por descontente com o mundo e com as coisas, e ainda que ganhe um presente legal na Noite de Natal, deixará o dito em um canto qualquer sem querer nem olhar o que existe por detrás da embalagem. Caso seja esta a estrutura que proceda, nada novamente irá mudar, e como diz aquela música de uma banda gaúcha da qual não me lembro o nome, a revolução desse camarada não ultrapassará as paredes do quarto dele, sendo que alguma madrinha dirá para a mãe dele (sim, porque ele certamente será adolescente): “conheço um psicólogo ótimo!”.

Por isso é que prefiro que esses dois dias (leia-se quinta e sexta) tenham passado em branco para mim. Pelo menos assim não crio peso na consciência ou fico tentando achar coerência na lógica familiar que carrego comigo. Sem me importar com isso, deixo que o sol brilhe na tarde deste sábado e apenas prossigo tracejando essas poucas linhas para relatar não sei o quê – sabendo, em realidade, que se trata apenas de um sentimento, de uma sensação, de um senso ético e estético que perpassou minhas mãos e o qual tive a obrigação de registrar por aqui ao invés de passar o dia todo dormindo.

Se meu registro tem algum valor, não faço a menor idéia. Se alguém lerá meu registro, também não faço a menor idéia, já que, como falei algumas postagens atrás, não sei instalar contador de visitas nessa joça. A realidade, contudo, é que o registro existe, e talvez na posteridade ele apenas diga que tardes brancas que redundam em Noites de Natal e dias praticamente apagados da memória não trazem nada de bom ao sujeito a não ser a dispersão do seu próprio ser em meio a copos de cerveja e abraços falsos entre parentes e amigos.

Ah!, e isso quando algum advogado não fica negociando com o avô uma manha pra fazer o inventário dos bens dele e dividir entre as sete filhas. Afinal das contas, lei é lei e ponto final, e se a lei não for cumprida ou levada a risca à tempo, o banzé será maior ainda.

Quem disse que tudo é festa? Negócios, negócios. Bigodes, bigodes. Pombos, pombos, mesmo que sempre exista um que decida lhe dar um chapéu branco especial para o seu cacho favorito que você só chama de favorito porque não acha outro nome legal pro dito.

(P.S.1: O crédito da foto é de um rapaz chamado Henri Cartier-Bresson. Há algum tempo buscava fotos desse camarada mas não me lembrava o nome do cujo. Hoje pela manhã, por um completo acaso dos astros, encontrei várias do dito, e esta, em especial, muito me atraiu.)

(P.S.2: Por qual motivo esta foto me atraiu? Talvez porque o sujeito esteja pulando uma poça, tentando ultrapassar uma poça, sabendo que inevitavelmente irá cair na poça. Isso se assemelha ao que mais ou menos penso dessa coisa de escrever e criar, porque sujeito reflete e reflete e até acredita que vai entrar pra posteridade com suas frases e coisa e tal, quando em realidade vai é apodrecer em baixo da terra ou virar comida de tatu como qualquer um, a não ser que queira optar pela frescura de ser cremado e ter suas cinzas lançadas no Rio Uruguai ou no Mar da Terra do Fogo.

(P.S.3: Mas confesso, meu único e fiel leitor: fico com a segunda opção. Assim ao menos não sentirei, mesmo que em cinza, mesmo que morto, esse calor hediondo da região onde moro. Se a Bahia realmente tivesse brisa fora do poema do Manuel Bandeira, me bandiava pra lá. Mas tenho compromissos por cá e até gosto daqui. Por isso fico com esse ventilador que gira e sussurra sem parar, como se fosse um fantasma que corre pelos corredores de um hotel que só imagino: “graaaaaaxa! graaaaaaxa! graaaaaaxa!”.

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