sexta-feira, 22 de maio de 2009

Quando não tenho mais cabeça pros meus pés.

Não sei o que pensar da minha vida. Não sei o que sentir sobre minha vida. Apenas penso e sinto minha vida a partir daquilo que vivi e vivo.

Para além ou aquém disso, existe uma infinitude de possibilidades que certamente já estão inscritas no meu presente mas que ainda não pude perceber.

Quando perceberei? Perceberei?

Desconfio há algum tempo do que o Jung chama de sincronicidade. Não que eu queira ser metafísico e abobado como um daqueles roqueiros de Porto Alegre nos idos dos anos setenta. Mas o fato é que certos eventos tem apenas uma relação casual de sentido entre si e não uma relação de causa-efeito, sendo que essa relação casual de sentido é atribuída justamente pelo sentido que abribuímos aos eventos.

Se estamos procurando um apartamento para alugar, ou melhor, andando na rua com o pensamento em um apartamento para alugar, e vemos logo uma placa que diz de um apartamento no qual alguns meses depois você está morando, algo isso deve dizer além de puro acaso. E não é que eu queira atribuir uma definição a tudo. Se quisesse, acreditaria em algo maior e diria que meu destino é pré-estabelecido. Mas apesar de saber do próprio vir-a-ser eterno e incompleto daquilo que sou, desconfio que alguma coisa gira em sincronia com aquilo que penso e sinto e que acaba abraçando todas as pessoas e coisas do Universo.

Que isso é bonito, é. Mas não chega nem perto da 9ª Sinfonia do Beethoven.

Quem me dera ser músico para poder dizer o indizível.
Quem me dera ser mais do que alguém que escreve por necessidade e porque vê na própria linguagem a única possibilidade de ser para além da própria vida. Quem me dera ser o que nunca fui ou serei porque justamente não sou.

Mas não disse acima que no presente existem possibilidades inscritas que sequer percebemos? Mas não disse acima da sincronicidade do Jung, dos roqueiros de Porto Alegre, das partituras do Beethoven?

Tudo me soa interligado demais para estabelecer diferenciações plenas entre uma coisa e outra – entre uma pessoa e outra. Não há hegemonia de saberes assim como não há hegemonia de sentires.

O que há é a hegemonia da própria vida em todos os cantos, jorrando pelos becos das ruas sem nome que nossos peito sequer desconfiava que existiam antes de certas experiências.

Como dar nome para isso?

Domingo desses, acho que dezembro passado, acordei feliz com uma música à Bob Dylan na cabeça. Peguei o violão.

E ela é assim:

Quando não tenho mais cabeça pros meus pés

Já me parece tão normal
Querer algo assim real
Que nunca vai dizer aonde ir
E nesse rumo é que eu sigo
Sabendo que às vezes é preciso
Esquecer de sonhar pra não dormir

Por isso foi que levantei
Sem ter nos olhos qualquer lei
Mas dentro da minha boca a solidão
De saber que amanhecia
Nada mais que mais um dia
Apenas esse sol e o verão

Mas nem por isso me deixei
Levar por isso que eu sei
Porque nem sempre sei o que falar
De tanta coisa que senti
De tanta coisa que eu vi
Ao ponto de sem pontos continuar

Porque o mundo me parece o que é
Quando não tenho mais cabeça pros meus pés
E só me sei sem um horário em qualquer hora
Porque o sentido é um atraso que demora

Até que nós enfim perdemos a paciência
E então dizemos que foi só coincidência
O fato de andarmos mudos ao falar
E tanto ouvirmos sem podermos escutar

Mas não importa o que se diz
Quando se sabe que é feliz
Aquele que não diz e só sorri
Ainda que a foto do sorriso
Seja às vezes um motivo
De uma explosão que está por vir

E neste quadro sem moldura
Mais vale esse pendura
O branco de uma tela de estar
Olhando assim como quem cria
Perto da luz do meio-dia
Para que a noite possa naufragar

Nos olhos de um verde-azulado
De tarde até mesmo alaranjado
Como quem só descasca a razão
E sabe que aquele suco
Antes de ser só um produto
É a prova de que existe um coração

Pulsando forte sob o peito de quem é
Sem um motivo ou razão em qualquer fé
Seguindo apenas com a pressa da paciência
Que sabe que não foi só uma coincidência

Cada encontro em cada rua assim sem nome
Tão deslocada quanto a sorte do pronome
Que só se dá em algum sentido e algum norte
Quando existe uma palavra que dê sorte

Assim como a minha sorte foi traçada
No vento forte que batia na sacada
Enquanto o sol me acordava e me dizia
Que toda vida não passava de um dia

E que por isso entre cantar e só falar
Mais me valia ter a voz para olhar
Todo este mundo que só parece o que é
Quando não tenho mais cabeça pros meus pés


(Preciso dizer mais?

Sim: viverei como um gole d'água em um copo de sol. E isso não é só uma coincidência significativa.)

5 comentários:

Canteiro Pessoal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canteiro Pessoal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canteiro Pessoal disse...

Lindo demais Eduardo. Lê-lo propicia no meu íntimo a releitura, pois leitura tão somente é banal, o segredo está no nuance de uma releitura.
Perceberei, hum !?
A pergunta me faz voltar para um escrito, sabes, onde passamos a maior parte do tempo em nossa imaginação, no presente, no passado ou no futuro ?
Creio que passamos muito pouco tempo no presente. Passamos grande parte dele no passado, mas na maior parte do tempo estamos tentando adivinhar o futuro.
No passado, se bem que muita coisa pode ser lembrada e aprendida ao se olhar pra trás, mas somente para uma visita, não para uma estada demorada.
- Por que fazemos isso ?
É nossa tentativa desesperada de conseguir algum controle sobre algo que não podemos controlar. Impossível ter poder sobre o futuro, porque ele não é real, e jamais será.
- Então, porque temos tanto medo da vida ?
A pessoa que vive dominada pelos medos não encontra liberdade no amor. A imaginação é uma capacidade poderosa. Mas, sem sabedoria, a imaginação é um docente cruel.

Aprendo que a "palavra" inspira poetas e dá canções aos músicos, mas a pérola precisa estar na concha da mão do viver presente para que sejas conduzida até o lindo jardim.
Palavra que seria o nosso atuar de vida neste palco imperdível, com dores e sem dores.

Beijos mil querido.

Priscila Cáliga

pensar disse...

Que lindo isso.E o que direi se o meu silencio pode expressar tudo que as palavras me faltam.
Bjus

Débora Cattani disse...

Ola Eduardo, vim te fazer uma visita e gostei demais dos teus escritos que parecem verter direto da alma e por isso são tão densos e levam a alguma reflexão pertinente.Ao ler esse texto,pensei em vários acasos que ocorrem em nossa vida e muitas vezes não damos atenção, mas talvez o destino tenha seus jogos e reviravoltas...bjos.