terça-feira, 26 de maio de 2009

Assim me sou mais espelho para desenhar consoantes logo ao sair do banho, suponho.


"O mundo sou eu que nomeio", falei no início de maio, mesmo que não saiba o autor da tirinha acima e nem do que me provoca agora esse rebuliço por dentro. Se eu soubesse, faria alguma diferença? Se a libido é uma forma substanciosa de chamar o desejo ou o tesão, o ímpeto e os gestos que o ímpeto gera são os mesmos para todas as pessoas, com algumas variações de ordem aqui e ali. Por isso é que acho que minha alma não passa de mais um órgão das minhas entranhas. Do contrário, nada disso existiria. Podem fazer a autópsia, dou o aval agora mesmo, mas deixem eu morrer primeiro. Meu coração não suporta mais de um bisturi quando em cada beijo há uma denúncia e cada parcela dos lábios desfralda tão-somente uma carência. Há fome e há necessidade de se ter fome pelo mero gosto da pele. Mas há também o vício vizinho que não se avizinha de nós, deixando a grossa espera de algo que nunca vêm. E calamos enquanto vou embora ao som dos meus pés empacotados no tênis. Fica o salivar na língua que dança e esfaima o catre rubro da boca. Mas nada se pode ver, nada se pode fazer, e ainda há de persistir essa vontade imensa de que tudo torne a ser como jamais nos foi – em cada denúncia, em cada carência, em cada futuro, em cada sonho, seja de um maio nomeado ou não, porque rebuliço por rebuliço, sou um poeta-ouriço: basta admitir, nem que seja para o meu coração se cuidar de mim, já que nem todos os bisturis são de metal e absolutamente todos inexistem sem um par de mãos. Por isso concluo: "o mundo sou eu que nomeio" sim, mas só nomeio o mundo que os outros me nomeiam como mundo. No mais, apenas emponcho vazios em cada palavra dita no anagrama dos amanhãs que sobem dos bueiros da madrugada. Se eu cruzar com um bêbado ou um cachorro, é possível que encontre rostos familiares na fumaça do quase-inverno. Porém, antes da familiaridade dita assim, de plancha, tem que existir a familiaridade conquistada e reiterada comigo mesmo. E essa, para vocês que querem de uma vez o aval para a autópsia já autorizada, ainda não conquistei. Portanto aguardem que enquanto isso me cuido de mim e até durmo de lado. Vai saber se aquela frase dos meus dezesseis anos não me aparece letárgica no teto e me pergunta novamente: "O QUE IMPORTA?". Da última vez, lembro que era Carnaval e que acabei me machucando. Dessa vez, qual é a profundidade do meu mergulho? Se eu soubesse, faria alguma diferença? Até aqui, pelo que percebi, mergulharei de qualquer jeito, como quem pula no Ijuí consciente da fundura que desconhece mas intui pelo mero correr do barro. Espero, contudo, que o poço seja profundo e que eu jamais volte a querer tocar o órgão da minha alma: quero que ele continue com suas palpitações rijas mas flácidas, inquietas mas cálidas, apaixonadas mas tímidas, enovelando pus mas vertendo aquilo que me faz viver. Assim me sou mais espelho para desenhar consoantes logo ao sair do banho, suponho. Afinal, "o mundo sou eu que nomeio" e ninguém mais precisa saber do meu alfabeto. A razão? Maio não acabou. Portanto, pode chover chuva fina nas margens verdes do meu coração: único estribo de mim, desfeito à paciência dos mares porque se sabe unicamente rio em todas as suas veias e caminhos.

5 comentários:

pensar disse...

Oi Edu,

"O mundo sou eu que nomeio", nada mais certo, pois que significado tem as coisas sem o significado q dou a elas.Nada faz sentido e nem precisa fazer se o olhar eh preciso.Nada tenho a esconder, nada tenho a mentir se sou sendo como as aguas (atravessei o rio com meu barco agora posso larga-lo)no mero fluir o desejo nasce satisfeito, e se aproveita o instante como unico e eterno, e a agua nao quer se conter.
Bjs

Marjorie Bier disse...

O mundo é você quem nomeia.
E no meio do mundo há você.
E há maio.
E há mais...

Camila disse...

"Maio
já está no final
o que somos nós afinal
se já não nos vemos mais"

Esse trecho da musica Maio do Kib Abelha me veio a cabeça enquanto te lia.
Achei deliciosa as contradiçoes do ser.
Muito bom te ler, Eduardo.
Um beijo!

Biba disse...

Eduardo, aproveito as horas deste feriado aqui em Caxias e te visito. Sempre surpreendida pela tua escrita e teus dizeres poéticos, desejo que sempre tenhas essas dúvidas e desafios em sua alma para colher palavras com eles.

beijo grande
carpe diem!!!

Beatriz disse...

Exato. Vc é o que se nomeia e na pluralidade dos catres nas bocas, nos machucados de Carnaval, nos cortes de bisturi sob lâminas de beijo. Imponente, vc!
Cuide-se e durma de lado. não há o que temer. Nada demais acontecerá. Nada se resolverá, não há problema à vista. Há só vc e a necessidade de darpalavra a coisas que deslizam sobre a superficie viva