quinta-feira, 14 de maio de 2009

Lembrava de quando jogava pac man.

Lembrava de quando jogava pac man.

Lembrava de quando jogava pac man porque não gostava mais de jogar vídeo-game depois que não mais se jogava pac man. Até sabia que poderia baixar de algum site o pac man antigo, aquele com tela azul e bichinhos amarelos. Mas não fazia sentido jogar o pac man antigo na tela de um computador novo. Não seria como jogar pac man na tela da televisão do tempo em que jogava pac man. Por isso perdeu o sono naquela noite. Talvez isso não fosse motivo para perder o sono, mas o fato de não mais poder jogar pac man na tela da televisão antiga era muito mais do que simplesmente isso. As coisas sempre eram muito mais do que fazer ou não fazer e sempre eram muito menos do que fazer. Se fossem simplesmente fazer, OK. Se fossem simplesmente não fazer, OK também. Mas havia algo que se perdia no fato de não mais poder fazer aquilo que lembrava, porque lembrar, apesar de estar para viver o que se viveu nem que seja na lembrança, já é perder demais. É perder demais porque se lembra. E por isso tentou não lembrar mais de quando jogava pac man.

Quis lembrar de quando deixou de jogar pac man.

Quis lembrar de quando deixou de jogar pac man porque era difícil lembrar de quando jogava pac man. Mas lembrar de quando deixou de jogar pac man também era pensar quando jogava pac man, porque dizia de uma perda. Dizia de uma perda de quando jogava pac man. Mas quando deixou de jogar pac man? O pac man continuava a existir quando deixou de jogar pac man, então a sua escolha não estava para a inexistência do pac man. Talvez tivesse deixado de jogar pac man porque surgiu um outro jogo interessante. E por mais que gostasse de jogar pac man, o outro jogo era mais interessante que pac man. Talvez porque houvessem mais cores do que o azul da tela e os bichinhos amarelos. Azul e amarelo podem estar para uma flor e para o céu. Mas naquela lembrança estavam para a televisão e para o jogo. E por mais que todos os dias as flores podem estar para o céu, sua lembrança não suportava lembrar do azul e do amarelo do pac man. E por isso decidiu lembrar de quando deixou de jogar pac man.

Quis lembrar de quando deixou de jogar pac man e por que havia deixado de jogar pac man.

Quis lembrar de quando deixou de jogar pac man e porque havia deixado de jogar pac man porque só lembrar de quando jogava e de quando deixara de jogar não explicava tudo. Por mais que tentasse ou objetivamente isso pudesse explicar tudo através de uma afirmação e de uma negação, uma afirmação e uma negação explicam as coisas de maneira muito rasa, explicam os fatos de maneira muito escassa. O SIM e o NÃO são apenas um SIM e um NÃO. Um OK é apenas um OK. Mas com relação a quê ou ao quê esse SIM e esse NÃO e quem sabe este OK estão? Foi aí que lembrou do computador. Foi aí que lembrou do primeiro OK quando os computadores ainda nem liam CD.

Então lembrou do primeiro disquete.

Lembrou do primeiro disquete que era grande e que não guardava tantos dados quanto guardava um CD de música naquela época. Talvez nem guardasse o pac man. Quantos Kbytes cabiam naquele disquete? Era um disquete grande, negro, opaco. Era feito de opacidade. Uns textos guardava. Uns textos curtos que eram feitos também em uma tela azul mas de letras brancas. Se também eram feitos em uma tela azul, assim como o pac man, que relação guardavam esses textos feitos em uma tela azul com letras brancas com o próprio pac man? Talvez fossem como nuvens. Como nuvens que estavam no céu perto de uma flor amarela e perto do azul do céu. Mas não era disso que ele falava naquele tempo.

Por isso lembrou que falava de coisas negras naquele tempo.

Falava de coisas negras. Sim, falava de coisas negras. Mas o que eram coisas negras? As coisas negras realmente eram negras para ele naquele momento em que ele falava de coisas negras na tela azul e com letras brancas? Não, as coisas não eram negras. As coisas negras que ele falava eram coisas negras apenas a partir da lembrança que ele tinha de que eram coisas negras. Naquele tempo que ele falava coisas negras as coisas não eram coisas negras. Eram palavras brancas. Eram palavras brancas em uma tela azul que de certo modo estavam relacionadas com os bichinhos amarelos. Algumas coisas comiam. Algumas coisas recusavam comer. Mas haviam também fantasmas.

E ele lembrou que os fantasmas eram brancos.

Ele lembrou que os fantasmas eram brancos porque os bichinhos eram amarelos e porque as letras que ele falava no computador no tempo em que escrevia na tela azul com letras brancas eram negras. Então haviam quatro cores. Havia o azul, havia o amarelo, havia o branco e havia o negro. Azul era o céu e era a tela. Amarelos eram os bichinhos e eram as flores. Brancas eram as letras e eram os fantasmas que perseguiam os bichinhos. E as coisas que ele falava eram negras, mas só eram negras porque ele lembrava que eram negras e de alguma forma elas eram negras apenas no agora de ele lembrar que elas eram negras. Naquele tempo que ele falava elas não eram negras. Mas o que ele falava? Ele falava de si. Ou do que pensava de si

Foi aí que se deu conta de que ele falava de si com letras brancas.

Ele falava de si com letras brancas coisas que eram negras. Coisas que eram negras ele falava de si com letras brancas. Assim como os fantasmas que perseguiam os bichinhos amarelos eram brancos, ele falava de coisas negras com letras brancas. Quem sabe as coisas eram negras na lembrança apenas porque haviam os fantasmas brancos. E fantasmas brancos talvez também queiram devorar flores amarelas assim como devoram os bichinhos amarelos do pac man. Mas quais eram as coisas brancas que poderiam devorar as flores amarelas? Talvez as nuvens.

E notou, quase em lembrança, que as nuvens eram brancas.

Lembrou e notou que as nuvens eram brancas porque o céu era azul e porque os fantasmas do pac man eram brancos. E as nuvens que eram brancas traziam chuva para as flores que eram amarelas e que faziam essas flores crescerem. Mas às vezes as nuvens que eram brancas se tornavam negras e acabavam com as flores que eram amarelas porque choviam demais. Choviam demais porque estavam carregadas demais. E o sol que também era amarelo com o tempo fazia as flores amarelas se tornarem brancas. Ou amarelo-queimado. Amarelo-queimado por água. E água congelada queima.

Mas água congelada também gela. Além de chover de nuvens negras, água congelada também gela, e se gela, gela branca.

Mas se água congelada além de gelar queima, o que a água congela? A água congela a lembrança das coisas negras mas também torna as coisas brancas negras caso queime. Caso queime de maneira ártica, as coisas, com certeza, passam a ser negras, mesmo que em algum momento houvessem sido brancas. E a tela no final sempre era negra. A tela no final sempre era negra e ainda que dissesse algo bom, continuaria a ser negra, para em algum momento simplesmente apagar. E por fim os bichinhos do pac man, fossem eles os bichinhos amarelos ou os fantasmas brancos, que, de qualquer forma, não deixavam de ser bichinhos, ainda que mortos. Talvez inclusive fossem bichinhos amarelos mortos que queriam, agora brancos, devorar seus antigos semelhantes.

E era de um antigamente de uns vinte anos que ele lembrava ao lembrar que jogava pac man.

Lembrava que jogava pac man e um dia o jogo acabou e ele correu para o pai pedir para o pai ligar de novo o jogo que ele não sabia ligar de novo.

Mas o pai ligava? Nem sempre o pai ligava.

Às vezes o pai dizia que era hora de ir dormir. Naquele dia o pai disse que era hora de dormir.

É hora de ir dormir, disse o pai, a escola, a escola.

Então ele foi dormir e quando acordou sentiu vontade de dizer coisas negras com letras brancas na tela azul do computador que tinha um disquete grande e negro no qual não cabia o pac man.

Pai, o disquete é grande mas é pequeno.

Pai, o disquete precisa ser maior, disse no dia seguinte.

Ou isso foi depois?

Mas o fato é que tempo acabou e o disquete diminuiu. E acabou tanto o tempo que o disquete se foi. Do disquete veio o CD que antes trazia apenas música. Com o tempo o disquete passou a inexistir e existia apenas o CD que agora trazia filmes.

E o CD que agora trazia filmes era um espelho. E o CD que agora trazia filmes também trazia coisas negras porque ele gostava de riscar coisas vermelhas e negras no CD que agora trazia filmes.

Os nomes dos filmes é que eram negros mas eram escritos em vermelho. Até que um dia cansou desses nomes e fez tudo envermelhecer. E já havia passado algum tempo desde o tempo em que ele jogava pac man. Mas as coisas brancas não existiam mais e agora eram apenas coisas negras e ele não mais queria pedir para o pai ligar o jogo que ele não sabia ligar. O pai apenas teria outro, isso que pensava. Outro que pediria para jogar pac man e talvez não escrevesse coisas negras em letras brancas mas coisas brancas em letras negras.

E lembrasse algum dia que um dia jogava pac man. Mas fosse outro.

4 comentários:

gloria disse...

Eduardo, eu sigo teus escritos como se mergulhasse de forma inteira nos seus fluxos. Em alguns filmes me sinto como se uma ferramenta sugadora de "periespiritos" (essa palavra existe?), me puxasse pra dentro da película. Neles, vou navegando num estado de ter saído do corpo e estar num lugar de enredo outro, sem que decifre portas de entrada e saída. Fico em trânsito. O s teus textos me chamam e eu me movo. Eu sei do que vc. fala quando diz:

As coisas sempre eram muito mais do que fazer ou não fazer e sempre eram muito menos do que fazer. Se fossem simplesmente fazer,

As coisas são quantuns de energia desassossegadora que nos invadem e nos movem em busca de "nào sei nem o quê". As cores e a tela do Pac Man mudam o cenário de onde o Eduardo se vê. Por isso voc6e assinala:

Mas havia algo que se perdia no fato de não mais poder fazer aquilo que lembrava, porque lembrar, apesar de estar para viver o que se viveu nem que seja na lembrança, já é perder demais. É perder demais porque se lembra. E por isso tentou não lembrar mais de quando jogava pac man.

Eu ando junto contigo nessa frase que ecoa e me transmuda para lá e para cá: é perder demais poque se lembra. Esses matizes marcam o cenário das lembranás que permanecem vivas. o negro falado ainda era tão branco, as palvras ainda não tinham aquele velcro que cola de forma irrevogável cores às coisas vividas. elas ainda podiam movimentar-se, como uma vasta aquarela que se põe no desenho e pode apagar e produzir outro conjunto de cores.

Chega um tempo que cada cor é cada cor, e é esse talvez seja o tempo em que:
não escrevesse coisas negras em letras brancas mas coisas brancas em letras negras.

"As coisas negras que ele falava eram coisas negras apenas a partir da lembrança que ele tinha de que eram coisas negras. Naquele tempo que ele falava coisas negras as coisas não eram coisas negras."

Amo o que você escreve porque sinto ímpetos de sair do lugar. de passear contigo.

Quanto ao meu texto no blog, é estranho, como acabei de casar acho que tive necessidade de firmar um ir e vir condensados, uma cadência do ficar, do preservar com a percepção que partir é uma condiçào. para que dessa vez eu possa me entregar de forma mais inteira. Nào deixar esse poema para um fim, mas enunciá-lo desde o início para que tudo permaneça. algo assim, nào sei se consegui me dizer.

estou cada vez mais cheia com a secretaria de direitos humanos, por isso nào estranhe algumas ausências e textos mal digitados.

bjs

adri antunes disse...

olá! obrigada pela visita! sua presença é sempre bem vinda!
bjuuu

Anônimo disse...

Mande lembranças a Matusalém! rsrsrs... EU JOGAVA PACMAN... e continuo jogando num laptop pra lá de moderninho... ADORO!

Canteiro Pessoal disse...

Querido Eduardo, amei seu comentário e durante a semana falarei sobre e do seu escrito novo, pois li, mas estou na correria por muitos trabalhos e leitura. E seu [s] merecem palavras num abrilhantar sem igual.
Vou deixando um outro espaço, particular, na íntegra este é o meu primeiro parto.

Jardim Secreto I
http://pcotaveira.blogspot.com

Precioso, linda semana !

Beijos mil...

Priscila Cáliga