quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Acabará o ano daqui a duas horas e eu me sinto completamente apartado disso.

Acabará o ano daqui a duas horas e eu me sinto completamente apartado disso.

Não entendo a razão dos fogos de artifício ou a pressão das cidras que irão certamente quebrar vários lustres.

Apenas mudará da meia-noite para meia-noite e um e esse é aparentemente o motivo da festa.

Muitos risos serão injustificados e não vejo muito sol no porvir, apesar de desconfiar que algumas coisas irão melhorar.

E os fatos são apenas esses, nem mais nem menos: não me sinto parte disso apesar de me sentir passando por isso.

Em todo caso, ficam aqui minhas últimas linhas de 2008, ainda que essa história de últimas linhas seja uma baita de uma frescura.

(P.S.1: Esta é uma foto do Telescópio Huble. Larguei no Google o seguinte: “Champagne Supernova”. Lembram daquela música do Oasis? Poisé: ainda que as coisas estejam no pé que estão, acho que é uma bela imagem de fim de ano e início de ano para todos os sem rosto que certamente passam por este espaço.)


terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Não é que eu esteja fazendo contagem regressiva para o fim do ano.

Não é que eu esteja fazendo contagem regressiva para o fim do ano. Longe disso. Mas o fato de saber que amanhã é dia trinta e um de dezembro me dá uma certa agonia e acho apropriado falar acerca disso. Mas falar o quê? Aí começam os empecilhos de quem começa a escrever. E se fossem só empecilhos, as coisas até que seriam boas e até mesmo bobas. O problema é que tais empecilhos se transmutam em monstros que por sua vez se transformam em pulgas que ficam de maneira insistente atrás de nossas orelhas. E é dessa coceira que provém a escrita.

Não estou querendo dizer que o trabalho do escritor é algo penoso. Não tenho aquele senso ao modo Olavo Bilac. Até acho divertido escrever e se isso não me fizesse bem de maneira alguma o faria. Mas a realidade é que só fazer bem não quer dizer nada, porque arte não é catarse ou expiação de demônios inconscientes. Se o camarada quer se livrar de suas neuroses, que vá para o psicanalista e ponto final, pois se escrever gera empecilhos para quem escreve, é óbvio que nem sempre aquele que escreve irá querer escrever. Entretanto mesmo assim escreverá pelo fato de precisar escrever, pelo fato de precisar falar. Mas entre falar e falar para alguém existe o abismo do ser escutado e do se deixar escutar. E aí as coisas complicam mais ainda.

Alguém já disse alguma vez que todo mundo que escreve quer ser entendido. Eu discordo. No máximo todo mundo que escreve quer ser escutado, mas entre ser entendido e ser escutado existe uma grande diferença. Ser entendido me soa como ser digerido, e existem certas coisas que caem melhor se degustadas do que digeridas. Caso contrário, não haveria motivo algum para os charutos existirem, e se esta comparação é chula que o seja, porque é dessa forma que penso algumas vezes quando leio poesia.

Por falar em poesia, faz algum tempo que não me aventuro por essas plagas. Não que meus versos tenham secado, mas a realidade é que não ando lá muito sério para as coisas da vida, de modo que não estou pronto atualmente para fazer poesia. E se existe coisa séria nessa coisa de escrever, essa coisa é poesia, ainda que existam por aí milhares de seres que rimam “mi” com “si” e se acham gênios ao redor do seu próprio umbigo, chorando pela amada que perderam com o cotovelo afundando no balcão de um boteco qualquer.

Lembrar disso talvez seja interessante nesse dia trinta de dezembro de dois mil e oito, ainda mais quando tenho consciência que amanhã é dia trinta e um de dezembro de dois mil e oito. Quando o Kubrick fez o 2001 – Uma Odisséia no Espaço, certamente que vislumbrou um hipotético ano de 2001 no qual aquilo que imaginou poderia acontecer. É óbvio que ele não fazia previsões de evolução espacial ou algo do tipo, ainda que os teóricos das mil conspirações capitalistas/comunistas da Guerra Fria digam o contrário, já que tem gente que insiste que o Solaris do Tarkovsky é uma resposta ao 2001 do Kubrick. Coisa mais besta não há, pois mesmo que naquela época – idos dos anos 60 – praticamente tudo tivesse influência governamental, atrelar realizações cinematográficas tão grandiosas a sensos políticos tão estritos é no mínimo sonegar o significado que a arte tem para o ser humano.

Quando o Kubrick imaginou o 2001, certamente que jogou com os símbolos ao adotar tal títutlo. Mesmo que baseado no livro de Arthur Clarke, prefiro acreditar que a inteligência de Kubrick superou em muito a metáfora de Clarke. 2001, afinal, é um ano após o ano 2000. Se o ano 2000 sempre jogou mil possibilidades no inconsciente coletivo, que dirá o ano 2001 – ano este que, após as possibilidades do ano 2000, fez com que uma odisséia, releitura do eixo grego original escrito por Homero, surgisse em proporções astrofísicas e metafísicas para a humanidade. A grandiosidade desta realização está para além de qualquer interpretação, e aqui não quero me atrelar a uma crítica cinematográfica qualquer, mesmo que as leituras desta obra de Kubrick possam ser muito frutíferas neste campo um tanto reflexivo no qual me proponho a escrever.

O que quero dizer é que o ano 2000 passou e o ano de 2001 também passou. Passou também a Guerra Fria e tanto o Kubrick quanto o Tarkovsky morreram. O Olavo Bilac, aquele que ficava delineando versos parnasianos enquanto alguns quarteirões dali ainda era viva a Hilda Furacão, há muito não passa de um autor que é obrigatório nos vestibulares do Brasil e que meia dúzia de intelectuais admiram. Não que eu não goste do Bilac, mas o fato é que perfeição demais enjoa quando é ela mesma que se quer. Claro que o Kubrick e o Tarkovsky queriam perfeição. Aliás, sei que queriam. Mas quando a perfeição é a própria razão da obra, quando a idéia é o próprio mote da narrativa, alguma coisa se perde e quem perde com isso é a própria arte.

Tendo passado o ano 2000, o ano 2001 e por conseqüência todos os anos subseqüentes até chegarmos a este 2008, daqui pouco mais que vinte e quatro horas será 2009. Se isso significa alguma coisa no sentido astrológico ou numerológico, prefiro nem saber, mesmo que alguns anos atrás até me interessasse por essas besteiras. Mas tentando remontar alguns fatos da minha vida até o dia de hoje, lembro que quando eu tinha lá meus onze anos, fiz com alguns amigos o tal do Jogo do Copo.

O Jogo do Copo consiste no fato de umas quatro pessoas desenharem em uma folha em branco o alfabeto e eventualmente alguns números, posicionarem suas mãos em um copo cheio d’água e dali em diante invocarem algum espírito para que ele possa responder questionamentos que caso contrário jamais poderiam ser respondidos. Neste então, acho que estávamos eu e mais dois colegas questionando sabe-se lá qual espírito. Quando perguntei em que ano acabaria o mundo, o copo (ou o espírito, vá saber) marcou o ano de 2012, e por algum motivo isto ficou na minha cabeça e agora veio à tona.

Mas o que acontecerá no ano de 2012? Sei que haverão os Jogos Olímpicos em Londres no ano de 2012, e seria no mínimo irônico o mundo acabar nessa data, ainda mais quando estou aqui costurando Bilac, Kubrick, Tarkovsky, Homero e até a Hilda Furacão. Recém jogando no Google esse ano, descobri que o mesmo é envolto em profecias e mais profecias e existe até um saite desses pra adolescentes nerds ou desocupados corriqueiros que fala sobre isso. Pra quem tiver interesse, o link é
http://www.doismiledoze.com/, mas já advirto que uma mera corrida de olhos pelo conteúdo do dito me fez pensar que não passa de baboseira.

Neste sentido, talvez o tal espírito do nosso Jogo do Copo quisesse mesmo dizer alguma coisa. Mas se ele queria dizer alguma coisa, o Kubrick e o Clarke também queriam dizer algo, e não foi por isso que tomamos contato com alguma forma de vida inteligente extraterrena no ano de 2001. Logo, se não ocorrer alguma hecatombe nuclear, certamente que às vésperas de 2012 estarei escrevendo sobre o ano de 2011 assim como hoje tento escrever sem muito sucesso sobre o ano de 2008. Filmes continuarão a ser feitos, textos continuarão a ser escritos, e com sorte a arte somente evoluirá até lá.

Espero que até 2012 eu tenha começado a estudar Física, porque essa é a última fronteira da Filosofia. E por mais que isso soe muito Paulo Coelho, já que tudo que fala em “última”, “derradeira” e coisa e tal lembra “infinito” e portanto todas as besteiras que o cercam, prefiro pensar o Universo através do conhecimento da Física e da Filosofia do que destas besteiras de fim do mundo e coisa e tal.

Com sorte e algum empenho também faço algo que preste enquanto artista. Se conseguir isso, já será o bastante. Afinal das contas, ninguém nunca soube o que se passa na cabeça de um suicida segundos antes de disparar o gatilho. O segredo está em descobrir isso sem ser suicida.

Acho que essa constatação vale o ano de 2008, mesmo que a contagem prossiga e amanhã eu certamente escreva mais alguma coisa.

(P.S.1: Alguém lembra desse fotograma do 2001 do Kubrick que encabeça meu texto? O monolito está presente em todos os momentos da existência humana tanto no âmbito macro quanto no âmbito micro. É algo como um ponto final. Mas prefiro falar sobre isso em rodas de cerveja do que escrever sobre isso no dia de hoje. O motivo? Fico assustado e tenho pleno direito a isso, quanto mais nesse final de ano.)


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Hoje é dia vinte e nove de dezembro e daqui quarenta e oito horas acabará o ano de dois mil e oito.

O entardecer é cor-de-rosa e ainda faz calor. Hoje é dia vinte e nove de dezembro e daqui quarenta e oito horas acabará o ano de dois mil e oito. Se existem expectativas para o ano de dois mil e nove, creio que as mesmas começaram no início deste ano de dois mil e oito. Mas entre falar de expectativas e falar do que estou pensando deste entardecer cor-de-rosa, prefiro uma terceira alternativa.

Então irei contar uma história.

João era uma menino de uma perna só. Nascera assim e quando o médico vira que nem o toco da perna ele tinha, falara para a mãe:

- Olha, vai ser complicado ele viver desse jeito.

A mãe, ainda nas dores pós-parto, meio arrebentada da barriga pra baixo, apenas olhou pro médico e disse:

- De qualquer modo é complicado.

E assim João foi crescendo.

Quando completou cinco anos, seu pai cujo nome é desconhecido lhe deu de presente uma perna de madeira. Era uma perna rústica, havia de admitir, e logo de início algumas farpas da madeira lhe cutucavam a outra perna causando imenso incômodo a João. Em todo caso, porém, já era alguma coisa ter uma perna de madeira ao invés de uma perna só, sendo que antes desse protótipo que ganhara do pai, João andava era se arrastando mesmo.

Na verdade ele até gostava de andar se arrastando. Com a cara quase colada no chão, via coisas que outras pessoas jamais teriam a oportunidade de ver. Via a forma das formigas e das baratas e cada rachadura do piso ele também via. Havia tardes de janeiro nas quais ele gostava de ficar analisando os vincos entre as lajotas para comparar se os vincos da lajota da direita eram simétricos aos vincos da lajota da esquerda. E assim esquecia que o sol brilhava e que na praça em frente a sua casa as crianças iam para cima e para baixo na gangorra que o Vereador Nelson instalara no inverno passado.

Quando João ganhou a perna de madeira do pai, o pai lhe disse, aliás:

- Filho: essa perna sou eu que estou te dando, mas tu tens que agradecer pro Vereador Nelson que mora lá na Zona Leste, porque se não fosse ele eu não teria emprego e aí não poderia comprar essa perna. Por isso amanhã nós vamos lá. E vamos à pé, só pra provar pro Vereador que a perna de madeira agora te faz uma pessoal normal.

João achou a idéia estranha e pra falar a verdade não compreendeu direito qual era a intenção do pai ao querer caminhar até a Zona Leste com o filho. Conhecera o Vereador Nelson da janela do seu quarto quando ainda se locomovia rastejando. Vira ele fumando um charuto gordo e colocando seus dois filhos, um mulatinho e um albino, em cada ponta da gangorra no inverno passado. O povo ao redor aplaudira mas João não compreendera ao certo a intenção da gangorra e nem mesmo a euforia do povo. Talvez agora que tinha uma perna de madeira as coisas poderiam ser diferentes. Mas isso era história para outras histórias, porque agora ele tinha que pensar que teria que andar até a casa do Vereador Nelson junto com seu pai.

E assim ocorreu.

Quando chegaram na casa do Vereador Nelson, o dito estava sentando na varanda branca com um charuto gordo no canto da boca. João lembrou que o charuto era da mesma cor do charuto do dia da inauguração da gangorra e até achou que aquilo bonito, porque o charuto era da mesma cor da cara do Vereador Nelson. Contudo preferiu não mais pensar nisso porque não gostava muito do cheiro do charuto.

- Agora sim és um menino normal! – disse o Vereador abraçando João e apertando suas costas na altura dos suspensórios pretos e novos que a mãe comprara justamente para aquela visita.

- Sim, doutor! – disse o pai. – E graças ao senhor agora ele é um menino normal!

- Graças a mim não, meu caro! Graças a Deus! Quem fez isso foi Deus!

João tentou sorrir mas não conseguiu. Os cabelos pretos lambidos com brilhantina, coisa que a mãe fizera especialmente para a visita, eram o motivo do fato de ele não conseguir sorrir. Porém, como sentiu o pai lhe dar um cutucão nas costas, forçou um “obrigado” e um riso em colchete pra não ter que ouvir desaforos do pai no caminho de volta pra casa. Afinal, a Zona Leste ficava a quarenta quarteirões da sua casa e não queria ir da casa do Vereador Nelson até sua própria casa tomando esporros do pai, considerando que se a perna lhe incomodara muito em todo trajeto até ali, com esporros a coisa seria pior ainda. Mas como o pai disse que ele tinha que ir à pé até a casa do Vereador Nelson, ele apenas obedeceu e foi isso que ocorreu.

Na volta pra casa João se sentia diferente. O “graças a Deus” do Vereador por algum motivo ficou soando na sua cabeça. Quando estava se aproximando de casa, olhou a gangorra pintada de vermelho e azul e viu que a lua já nascia lá por detrás dela. Achou aquilo bonito mas logo lembrou que tanto a gangorra quanto a sua perna de madeira eram presentes do Vereador Nelson, e por alguma razão isso lhe deu uma enorme tristeza, já que apesar de ser o pai que comprara a perna de madeira, a razão de tudo era o Vereador, e isso ele tinha claro pra si.

Durante o jantar decidiu não comer a sopa de beterraba que a mãe havia feito especialmente pra ele. Sempre gostara de sopa de beterraba, mas naquelas condições, com aquela perna de madeira que tinha farpas raspando na sua outra perna, não sentia a menor fome. O que lhe passava pela cabeça era o fato de que ano após ano teria que remendar a perna, pois afinal iria crescer. E isso de ter que colocar tábuas e mais tábuas na sua perna de madeira até que enfim sua perna normal deixasse de crescer, trazia uma completa falta de ânimo a João, pois no final das contas seria um trabalho completamente inútil.

Quando todos foram dormir e ele estava só no seu quarto, já sem a perna de madeira que tirara para conseguir pegar no sono, decidiu se arrastar até a janela e abrir a mesma bem devagarinho. Quando abriu notou que era uma noite clara, e que apesar do calor não havia ninguém na rua naquela hora que poderia ser nove ou dez da noite. Lá mais adiante, na praça em frente a sua casa, a gangorra que o Vereador havia dado a comunidade permanecia parada em seu azul e vermelho foscos à luz dos postes amarelos. João sentiu vontade de ir até lá mas não vontade de ir até lá com a perna de madeira que ganhara: sentiu vontade de se arrastar até lá.

E foi isso que fez.

Cuidando pra não fazer barulho para o seu pai que dormia em uma rede no meio da sala, ele rastejou pelo corredor, passou pela cozinha, abriu a porta com mão leve e logo estava na rua. A calçada estava gelada mas o calçamento da rua ainda estava quente. Ele nunca reclamara dessas sensações. Até gostava de saber que se por um lado as pessoas andavam com duas pernas, ele andava com todo corpo, pois isso lhe dava o privilégio de sentir coisas que ninguém jamais chegaria a sentir. E sentindo o calçamento quente que entrou na praça e ficou parado diante da gangorra vermelha e azul.

Sabia que mesmo sem uma perna poderia subir em uma das pontas da gangorra. Entretanto, certamente ficaria no chão e mais nada, já que teria de haver outra pessoa na outra ponta para o efeito da gangorra se concretizar. Como não havia ninguém, intuiu a falta de nexo da sua jornada até a gangorra e com algum pesar se arrastou em direção a sua casa. Quando estava quase atravessando a rua, com o rosto um tanto manchado de terra e grama, uma caminhonete passou em alta velocidade e atropelou João. Certamente o motorista pensou que fora um cachorro ou algo do tipo porque não fez a menor questão de parar. Contudo ele atropelara João, o qual, antes de morrer, olhou uma última vez para a gangorra vermelha e azul e lembrou das palavras do Vereador Nelson:

- Graças a mim não, meu caro! Graças a Deus! Quem fez isso foi Deus! – e isso lhe soou completamente sem sentido, porque fora ele quem quisera atravessar a rua para ver a gangorra na praça em frente a sua casa. Além disso, o pai só era empregado da prefeitura por causa de um concurso público e isso não tinha nada a ver com o Vereador Nelson ou com Deus.

Só foram encontrar o corpo morto de João no outro dia pelas sete da manhã. E foram os lixeiros que o encontraram. O pai, quando ficou sabendo do ocorrido, lamentou o fato de não ter chaveado a porta que dava pra rua, pois caso contrário João não teria saído. A mãe, que sempre fora uma figura quieta naqueles cinco anos de existência de João, dissera para uma rádio local que aquilo era muito complicado e só. O Vereador Nelson lamentara o ocorrido e pronunciara um extenso discurso no funeral de João, o qual, contudo, ninguém conseguiu escutar por conta da chuva forte que caia no telhado de zinco da funerária. O enterro de João se deu na manhã seguinte e hoje ninguém mais lembra dele naquela rua.

Permanece, porém, a gangorra vermelha e azul, a qual hoje talvez esteja iluminada por este entardecer cor-de-rosa do dia vinte e nove de dezembro de dois mil e oito. Se daqui quarenta e oito horas apenas uma pessoa subir em uma das suas extremidades, nada adiantará, pois são necessárias duas pessoas para que a brincadeira se dê, para que o efeito da gangorra se dê.

Ninguém vive sozinho e para isso não há alternativa.

Essa é a condição e também a história.

(P.S.1: A tela de hoje é de Edward Hopper.)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Não sei porquê essas bandas de metal insistem em fazer clipes ao estilo Terror Classe C.

Não sei porquê essas bandas de metal insistem em fazer clipes ao estilo Terror Classe C. Devem pensar que isso atrai a revolta desse bando de adolescentes inúteis que existem mundo afora. Porém, sabendo que muitos amigos meus adoram esse tipo de música e até mesmo esse estilo de clipe Terror Classe C, melhor eu não falar muito disso sob o risco de tomar uns bons sopapos numa esquina qualquer.

Por essa razão, uma vez que não tenho nada além de físico de jogador de pife, troco de assunto – caso contrário, apanho.

Mas falar do quê?

Tenho de confessar que ver o Motorhead fazer um clipe sobre o Hellraiser – aquele monstrengo dos filmes de Terror Classe C que tem uma penca de espinhos/pregos no rosto – me fez dar uma certa risada. Claro que foi uma risada mesclada com pena, sendo que parte dessa pena parte de mim mesmo. E por quê? Ora, enquanto me quebro por cá tentando fazer algo decente no que insistem chamar de “campo artístico”, os caras me fazem uma bobagem daquelas e ficam por cima da carne seca ganhando grana e mulheres. Deveria eu fazer o mesmo? Deveria eu, magro desse jeito, deixar o cabelo crescer e balançar as madeixas que nem epiléptico ao som de uma guitarra que não sei por qual motivo existe? Claro que o clipe é dos anos oitenta, época na qual ser besta era estar na moda, mas mesmo isso me provoca um nó na garganta, o que apenas se intensifica nesses tempos de mulheres frutas e derivados.

Em realidade um pouco de inveja também ajuda. E eu tenho um pouco de inveja dos caras (pronto, falei). Já tentei aqui e ali linhar algumas musiquinhas folk. Já compus algumas músicas nativistas também. Mas a realidade é que não me achei em nenhum desses caminhos, e o que sigo fazendo mesmo é escrever. Certa vez, quando eu tinha lá meus quinze anos de idade, inventei de fazer yoga e contei um sonho interessante para a minha professora de então, a Dona Cirene.

Contei pra ela que dia mais dia sonhava que estava deitado em uma espécie de máquina de pinball gigante. Esta máquina, por sua vez, esticava meus ossos e eu sentia a bolinha de ferro bater por todo canto do meu corpo. As luzes da máquina eu não via e muito menos via quem era o féla-da-puta que estava jogando pinball comigo lá dentro. Nem mesmo dor eu me recordo de sentir e deixo claro que a tal bolinha não entrou em nenhum lugar que trago comigo enquanto orifício essencial. Mas falar disso pra ela me fez um certo bem, ainda mais quando ela me deu uma explicação pra lá de simples:

- Eduardo, é por conta disso que você é tão alto. A máquina dos teus sonhos te estica e você não pára de crescer.

Quando ela me falou isso pensei: “péra lá! isso explica alguma coisa!” E foi aí que comecei a fazer yoga duas vezes por semana. Porém, como eu tinha quinze anos de idade e estava naquela fase em que tudo o que é calmo irrita, seis meses depois desse meu início caí na gandaia e o que mais fiz foi tomar um preparado que uns amigos chamavam de KRYSMURF. Por que KRYSMURF? A história é longa mas vou resumir ela em poucas linhas.

Tinha um amigo antigo que ainda anda por aí cujo apelido no mirc (esse programa de comunicação internáutica pré-ICQ, pré-MSN e acho que até pré-chat) era KRYCEK e outro cujo apelido era SMURF. Certa noite, no sítio de um outro amigo, noite esta que era fria, inventaram de comprar vinho tinto barato seco ou suave, não lembro, daqueles de dois livros que grudam uma nhaca azul no fundo, dois litros de cachaça de um real, uma garrafa de coca-cola e misturar tudo dentro de uma terceira garrafa para logo a seguir mexer e mexer para aprontar o drink. E aí surgiu o KRYSMURF. E para que meu único leitor perceba a significância disso deixo uma pista: troquei o centro zen pelo centro dos meus pés descompassados ao voltar pra casa depois de porres homéricos. E um friso importante: SEM CAIR.

Na verdade nunca entendi direito como consegui chegar em casa ileso, sem ser assaltado nem nada, por tantas e tantas vezes. Tinha madrugadas que eu fazia questão de dar uma volta imensa por todos os quarteirões que circundavam a casa dos meus pais só pra ver se me acontecia algo diferente. Nesses momentos lembrava de um filme que vi lá pelos meus oito anos de idade que tinha por título Fogo no Céu. Nesse filme, um camarada era seqüestrado por alienígenas que faziam poucas e boas com o pobre por algumas semanas. Esse filme até hoje me dá medo e não posso vê-lo em hipótese alguma. Mas por algum motivo, apesar de eu sempre ter medo de extraterrestres, acho que eu queria era ser abduzido ao andar por essas ruas tão desertas em horas tão remotas da madrugada.

Isso me aconteceu lá pelos idos dos meus quinze, dezesseis anos, conforme já falei acima. Depois desses ocorridos fui ficando um pouco mais comedido, e hoje o máximo que tomo de destilado é whiskey mesmo, coisa que me tira fora do sério completamente. Claro que eu tenho que confessar que se vier uma vodka, uma cachaça, um rum bem preparado, também mando ver, mas voltar pros tempos do KRYSMURF acho que seria suicídio, até porque meu fígado de vinte e quatro anos não é mais como o de antigamente. Tenho um cunhado que diz que a primeira compra que fará quando legalizarem o mercado de órgãos humanos, é comprar um fígado novo pra deixar congelado no freezer e trocar quando precisar. Mas creio que o único empecilho disso é o fato da empregada desse meu cunhado confundir um fígado humano com um fígado de boi e fazer o talzinho frito à milanesa pro almoço de um sábado. Claro que isso soaria meio Hannibal, mas o que não soa meio Hannibal nesses dias atuais?

O Oswald de Andrade, lá nos anos vinte do século passado, idealizou e até escreveu um manifesto defendendo a tal da Antropofagia. Em suma o lance era o seguinte: o Brasil absorve a cultura de tantos países que é impossível dizer que há uma identidade nacional. Como fala um ex-sogro meu em um livro chamado Os Dez Brasis, o Jorge Baleeiro de Lacerda, não existe um Brasil apenas, mas sim vários Brasis. Desta forma, se nos é impossível ter uma cultura só, que sejamos o repositório de várias culturas, ainda que tenhamos que cuspir os ossos dos colonizadores na cara dos seus filhos para que eles construam jangadas que nos levem pra fora dessa prisão.

Mas isso aqui é uma prisão? Acho que estou exagerando, porque apesar de tudo é bom morar por este canto do mundo no qual, ao invés de furacões e terremotos, temos CPIs e processos judiciais tricentenários.

Lembro que li certa vez um texto do Antonin Artaud que dizia que o homem somente seria completamente livre quando estivesse desprovido de todos os seus órgãos. Sei que ele falou isso no sentido figurado e no sentido do que ele chamava de Teatro da Crueldade. Mas o que ele quis dizer mesmo foi que para sermos o que somos temos que negar toda representação daquilo que acreditamos ser. Não adianta nada ficar fumando cigarro mentolado quando você quer fumar um malborão vermelho daqueles de dar dó nos pulmões. Não adianta nada simular silêncio quando sua fala não sai porque você tem é medo do que vai falar. O que nos faz seres humanos é a capacidade de nos superarmos em todos os instantes. É nisso que somos insuperáveis. E é por isso que dominamos o planeta do jeito que dominados.

Este domínio, por sua vez, já está tomando uns pontos dos quais nem desconfiávamos. Dizem que é culpa do tal do El Niño e La Niña. Mas se essas crianças são tão porretas assim, mais estão para o Oskar do Günter Grass do que qualquer outra coisa. E como sei que hoje até as crianças são meio bundonas apesar de mais inteligentes que nós quando tínhamos a idade delas, tenho plena consciência de que isso é papo furado de quem mora no septuagésimo andar de um edifício e tem por jardim uma floresta tropical bem no terraço. Falar que tudo é coisa normal e que sempre foi assim, culpa da fumaça dos vulcões e coisa e tal, vivendo nessas condições, é fácil demais, mas enfrentar ônibus lotados cheirando asa de trabalhador e trabalhadora que sua e sua e faz a camisa ficar empapada bem no canto do sovaco, já é coisa bem diferente. Preguiça ideológica é o que mais há entre homens de boa intenção, há de se convir, pois o poder corrompe até o Édipo.

Mas não é que eu queira fazer uma apologia da experiência em contraponto à teoria. Longe disso, até porque sou bem mais teoria que experiência. O que eu quero dizer é que não dá pra ser que nem aquele lunático do 007 – O Mundo Não é o Bastante, o qual queria controlar todas as notícias que ocorreriam pelos quatro cantos do planeta provocando essas mesmas notícias. O que eu quero dizer é que antes de tomar qualquer atitude, seja uma empresa ou um indivíduo, estes agentes tem de pensar no quanto esta atitude irá afetar os outros e por via oblíqua eles próprios, uma vez que temos que confessar que só temos uma atmosfera e é dela que dependemos para tudo há milhões e milhões de anos. Simone de Beauvoir estava completamente certa quando escreveu O Sangue dos Outros, apesar de eu discordar que “o inferno são os outros”, como disse o Sartre, já que desconfio que o inferno somos nós e nossos medos e ponto final, o que talvez surja de uma interpretação extensiva da máxima sartreana.

Contudo, tentando me colocar no lugar do carinha que mora em uma cobertura no septuagésimo andar de um edifício de luxo, até chego a pensar que estaria pouco me lixando pro povo que passasse lá embaixo. Talvez até cuspisse neles lá de cima, calculando, logo a seguir, qual velocidade o cuspe atingiria para ver se conseguia realizar um antigo sonho de matar alguém. Poderia ser um trabalhador, um leiteiro ou até uma empregada doméstica (profissões bem do POVO com letras garrafais assim). Poderia ser qualquer um. Mas como certamente nunca terei esse privilégio, prefiro me utilizar dessa máquina mortífera que o computador me lega sem que nenhum Mel Gibson tenha consciência disso – e sem ter que apelar pro horror daquele filme chamado Albergue, do qual o único mérito é comparar os corredores de tortura com os corredores dos prostíbulos de Amsterdã.

Alias, já parou pra pensar, meu fiel leitor, que o Gibson deve ter comido meia Hollywood, cheirado até a cinza do pai dele e agora deu uma de virar crente? Assim não dá, assim não pode, porque desse jeito até eu sou canonizado. Mas felizmente tenho procurado andar distante disso. Logo, enquanto os atos papais e a fumaça que sai lá daquela chaminé de padaria que fica por trás do Concílio que escolhe os novos papas não sumir e desenhar no céu meu nome para logo depois o mesmo ser renegado pelo Santíssimo, fico tranqüilo traquinando minhas frases e lembrando que na TV ainda devem estar passando aqueles clipes toscos que só a MTV sabe guardar.

Indo ali averiguar, vi que o Motorhead já foi pras cucuias e existem uns magrões dando uma de stars do rock inglês. Acho legal rock inglês, mas depois de Oasis e The Verve, sem contar o clássico Radiohead, o rock inglês não é nada. Claro que os puristas me falarão dos Beatles e coisa e tal, mas se gosto de uma ou duas músicas dos cabeludinhos é muito, então prefiro ficar com as primeiras bandas que citei. Ah!, e se lembrarem do Pink Floyd, só não coloquei o dito na lista porque daí já é covardia.

Mas agora que já sinto minhas pálpebras pesarem acho que é hora de dar tchau, como diziam (ou dizem?) os Telletubbies – aqueles bichinhos gays pra caramba que servem pra educar retardados. Já me sinto melhor depois de ter falado das minhas aulas de yoga e do quanto os clipes dos anos oitenta são horríveis, pois mesmo que este espaço não seja algo como que uma “terapia compartilhada”, tudo o que fazemos o é, desde o trabalho até o sexo. Mas daquele tempo dos anos oitenta nem o The Cure se salva – e olha que teve uma época desses meus vinte e quatro anos na qual eu era viciado em The Cure.

O que esqueci de dizer, porém, foi que falei pra Dona Cirene (aquela que tentou me ensinar yoga) que meu sonho era um dia tocar violão pra trezentas mil pessoas, algo meio Woodstock assim. Hoje dou risada disso e acho que é uma pretensão quase que impossível, até porque mudei bastante de lá pra cá. Mas partindo do fato de que não sei instalar contador de visitas nessa joça de espaço internáutico, é bem capaz de muita gente me ler sem que eu saiba que me lêem. A estes anônimos/enigmáticos/calados leitores eu agradeço, mas como desconfio que existe apenas um leitor deste espaço (que talvez até seja meu super-ego), prefiro dizer pra ele me deixar um comentário sobre qualquer texto só pra me dar a luz de que essas coisinhas aqui tem algum valor mesmo que sejam assim escritas ao deus-dará e revisadas no máximo uma vez.

Que fique bem entendido que não estou pedindo elogios ou rasgação de seda. Longe disso: estou perguntando se alguém me ouve aqui. E se alguém me ouve aqui, por favor se manifeste ou pelo menos me deixe um skrap naquele recanto que deixa as carnes à mostra que se chama orkut. Seja para o bem, seja para o mal, ao menos saberei que com alguém falo, mesmo que esse alguém possa bem utilizar excertos dos meus textos em trabalhos particulares. Se este alguém fizer isso, eu juro que persigo o dito até ter que dar ossos pros Cérberos e entrar no Inferno – isso se não besuntar o camarada de presunto e dar de lanche a esses Cães do Capeta que certamente tem uma existência infinita e faminta.

Para quem entendeu, o recado está dado.

Para quem não entendeu, que pergunte pro Google.

Porém, pra concluir, já que são quase cinco horas da manhã de domingo (mais precisamente quatro horas e trinta e nove minutos quando fecho esse parênteses), digo que não sou tão violento assim. Às vezes tenho até medo de machucar demais as baratas quando mato as cujas. Quando eu tinha lá meus sete anos meu pai me obrigou a estrebuchar um peixe vivo em cima da pia. Lembro que eu chorava pacas porque via o peixe se mexendo e perguntava pro pai: “mas pai, ele não tá vivo?”. E o meu pai respondia: “claro que tá, mas tu não quer comer ele?”. Nisso eu fiquei quieto e limpei o peixe que se debatia por entre minhas mãos até que enfim morreu, isso sem deixar de chorar calado por um instante sequer, desconfiando que até o peixe, com seus olhos de peixe naturalmente molhados, também de algum modo chorava, porque ninguém quer virar fritada no bucho de outrem, há de se concordar.

Quando fizemos a fritada de peixe com limão galego por cima, ficou uma delícia de babar os beiços. O problema maior só aconteceu quando eu comecei a mastigar o safadinho e lembrar do seu olhar de peixe quase-morto ao meu olhar de menino assustado que não queria cometer um assassinato. Mas ao contrário do que talvez possa se denotar, não vomitei nem nada. Firme e forte engoli o peixe que havia matado, o que fez com que eu me sentisse algo neandertal.

E não posso dizer que isso foi ruim.

Aliás, quem é vegetariano é fresco, havemos de combinar, mesmo que eu saiba que pode ter gente que caia de pau em cima de mim depois dessa declaração.

Aos finalmentes, já que isso daqui está ficando muito longo, ruim mesmo foi ouvir ontem há tarde um bando de adolescentes descendo a rua berrando como se fossem espécimes tribais que chamariam atenção das fêmas à base de urros. Como podem as coisas ainda serem assim? São os hormônios, me responderam minhas amigas psicólogas. Pra mim, ao contrário, é a babaquice mesmo, pois caso contrário nem o Motorhead ou o Hellraiser existiriram.

Mesmo assim, viva a liberdade de expressão, ainda que no mais vezes ela expresse uma incontinência intestinal.

(P.S.1: Essa foto também é do Henri Cartier-Bresson. Quem me dera ser um gurizinho desses carregando faceiro duas garrafas de vinho francês na metade do século passado, quando não existiam computadores, fax, telefones celulares e todo esse aparato que nos mata dia após dias sob o pretexto de que temos que estar em eterna comunicação – e por conta disso em contínuo desentendimento.)

(P.S.2: Pensando por este ângulo, acho que a tal da Torre de Babel é mais uma profecia que uma história. Mas outra hora penso nisso, já que prefiro me sonhar nos anos cinquenta carregando faceiro duas garrafas de vinho pelas ruas de Paris.)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Entretanto, o que realmente fiz ou deixei de fazer na sexta e na quinta simplesmente sumiu da minha cabeça.

Há dois dias que o tempo parece ter parado para mim. Sei que hoje é sábado e por mera aplicabilidade lógica das letras do calendário, tenho consciência de que os dias que antecederam esse sábado foram sexta e quinta. Entretanto, o que realmente fiz ou deixei de fazer na sexta e na quinta simplesmente sumiu da minha cabeça. Contudo, acho que coisas erradas com um “R” bem grande não aconteceram, o que me dá um certo alívio moral, visto que não sinto nenhuma dor estranha na região lombar do meu corpo - quanto mais no terrível ísquio.

A realidade é que essas festas de fim de ano tiram o sujeito do ar. Você sabe que quando passa o Natal o Ano Novo está próximo, e por conta de um senso plenamente idiota fica achando que as coisas irão mudar de uma hora para outra após os ponteiros indicarem meia-noite e um do dia primeiro de janeiro. Tem gente que estoura champagnes e quebra lustres ou mesmo deixa cega a avó. Tem gente que enche o mar de flores em devoção a sabe-se lá qual Orixá e por conta disso faz com que os tais barquinhos sejam ninhos de albatrozes ou pássaros que o valham. Eu, ao contrário, apenas dou uns abraços aqui, uns beijos na bochecha de uns ali, tomo várias e várias cervejas entremeadas com uns tragos de champagne na lentinha e deixo estar. Antigamente jogava as rolhas de champagnhe em cima do telhado e fazia um pedido. Mas quando me dei por conta de que isso era uma baita de uma besteira, abdiquei deste costume idiota.

Talvez isso pareça frio. Talvez isso pareça até mesmo desprovido de esperança. Mas como ter esperança quando os fogos iluminam o céu da cidade e sempre existe uma tia carente assistindo o Show da Virada na Globo? É algo deprimente. Tudo bem que isso pode até anular o meu primeiro argumento – aquele de que não faz sentido algum pensar que da meia-noite do dia trinta e um de dezembro à meia-noite e um do dia primeiro de janeiro algo vai mudar –, mas o fato é que ficar com os olhos estatelados em shows gravados na televisão, com aquele monte de gente vestida de branco dando sorrisinhos pra lá e pra cá é muito, mas muito deprimente.

Imaginem o dia em que houverem tevês em todos os cantos: na praça, no ônibus, no banheiro, em baixo da cama dos motéis. Será um verdadeiro inferno, pois confundiremos (e não tenho a menor dúvida disso) a realidade do que vimos com a carne e com os ossos com a representação do que sentimos com nosso ego acalmado pelas idiossincrasias que nos fazem comprar mais e mais. Esses dias, assistindo a um show de uma dessas bandas emo na MTV, me dei por conta de que mais da metade da platéia, ao invés de desfrutar o momento do show, ao invés de pular e se escabelar com aqueles acordes simples e distorcidos, ficava com celulares e câmeras digitais apontadas para o pessoal da banda para registrar o momento do show. Mas aí eu pergunto: de que adianta registrar o momento do show se na realidade você não está ali para vivenciar o show mas sim para registrá-lo? Parece que o advento das mídias nos fez repórteres do cotidiano sem que saibamos lidar com isso. E ao contrário do que previam uns dois séculos atrás, quanto mais tecnologia temos, mais distantes ficamos da realidade e mais trabalhamos, isto sem cumprir hora ou bater cartão-ponto algum, já que tal coisa é privilégio de funcionários públicos e metalúrgicos da verve do Lula.

Voltando ao meu ponto chave, a face mais nefasta desta ocorrência é que abdicamos do aqui-agora em prol de uma lembrança que irá despontar no nosso orkut, no papel de tela do nosso computador ou nos e-mails que iremos enviar aos amigos nos gabando que vimos fulano ou cicrano tocar bem próximo das nossas fuças. Mas falar do que ocorreu, falar das sensações que sentimos ao ouvir os tais acordes simples distorcidos de uma banda emo qualquer, não poderemos falar, isto porque estávamos preocupados em registrar o momento ao invés de viver o momento. Qual a vantagem disso? Tentarei traçar umas linhas sobre o assunto, ainda que esteja com preguiça e saiba que não chegarei a lugar algum.

A realidade, e aqui me restrinjo ao exemplo dos emos xaropes e chorões, é que essas pessoas mais se apegam a imagens do que a sujeitos. Por exemplo: se eu aparento em sociedade ser um sujeito respeitável, que tem uma boa dicção e honra com suas dívidas, ainda que de vez em quando deixe de pagar as contas do bolicho, a sociedade irá com toda certeza me respeitar. Mas esse respeito estará ligado às minhas roupas, aos meus sorrisos, a namorada com a qual ando abraçado na rua e tudo mais. Já se eu fosse um adolescente de dezesseis anos cabeludo e cheio de espinhas pela cara, daqueles que não pega nem gripe e só dá abraço na mãe que compra camisetas pretas de uma banda metal da Finlândia para o prazer do filhinho marmanjo, as coisas seriam completamente diferentes.

Ter consciência dessas ocorrências é mais de trinta passos dados para superá-las. Apenas vivenciá-las, no entanto, dando maior valor às fotografias do show do que ao próprio show, é anular aquilo que eu sou em prol de uma representação daquilo que eu gostaria de ser. O orkut, do qual acima fiz uma breve referência, é um exemplo clássico disso. Quer coisa mais voyuer que o orkut? Quer coisa mais fuxiquenta que ficar vendo qual é o par ideal que a menina do 402 idealiza? Não há, por Deus!, e isso só nos faz mais carentes dia após dias, masturbadores de um desejo que jamais concretizaremos, coisa que nem o Freud explicaria, já que se alguém quer pornografia hoje em dia é só acessar o Google e se acabar na mão. Tudo o que conta, e por estes rasos argumentos creio que provo minha tese, é a imagem e mais nada, é o símbolo e mais nada, ainda que nossos signos apontem para um rumo completamente diverso desses que os tais astrólogos charlatões propalam pelos jornais do país - coisa da qual talvez eu fale outra hora, apesar de hoje em dia achar uma bobagem atrelar o nosso destino daqui ao movimento das estrelas lá do firmamento, lá de trilhões de anos-luz da nossa realidade.

Quando os parentes se abraçam na Noite de Natal e fazem uma churrascada violenta no Feriado de Natal, o que estão tentando fazer é passar uma imagem de felicidade que muitas vezes (ou na maior parte das vezes) é completamente desprovida de realidade. Entretanto, se o que vale é a imagem e a representação que essa imagem tem perante os olhos dos outros, deixemos estar que tudo dará certo. O churrasco não sairá queimado, a salada de tomate com cebola não dará azia, e por mais que o vômito seja inevitável ante tanta cerveja escorrendo pelo corpo por dois dias seguidos, não é nada que um engove ou um figatil não resolvam. No resto, o fígado que se vire. Por conseqüência, no ano seguinte será a mesma coisa e assim por diante. E se alguém morrer no entremeio, a gente logo esquece e pra já está comemorando, já que não existe ser humano tão querido ao ponto de não ser algum dia esquecido.

Caso em algum momento alguém decidir mudar estes hábitos, estes costumes, este more embutido no inconsciente familiar de cada um de nós, as conseqüências serão no mínimo chatas. Esse que tentar mudar passará por revoltadinho, por descontente com o mundo e com as coisas, e ainda que ganhe um presente legal na Noite de Natal, deixará o dito em um canto qualquer sem querer nem olhar o que existe por detrás da embalagem. Caso seja esta a estrutura que proceda, nada novamente irá mudar, e como diz aquela música de uma banda gaúcha da qual não me lembro o nome, a revolução desse camarada não ultrapassará as paredes do quarto dele, sendo que alguma madrinha dirá para a mãe dele (sim, porque ele certamente será adolescente): “conheço um psicólogo ótimo!”.

Por isso é que prefiro que esses dois dias (leia-se quinta e sexta) tenham passado em branco para mim. Pelo menos assim não crio peso na consciência ou fico tentando achar coerência na lógica familiar que carrego comigo. Sem me importar com isso, deixo que o sol brilhe na tarde deste sábado e apenas prossigo tracejando essas poucas linhas para relatar não sei o quê – sabendo, em realidade, que se trata apenas de um sentimento, de uma sensação, de um senso ético e estético que perpassou minhas mãos e o qual tive a obrigação de registrar por aqui ao invés de passar o dia todo dormindo.

Se meu registro tem algum valor, não faço a menor idéia. Se alguém lerá meu registro, também não faço a menor idéia, já que, como falei algumas postagens atrás, não sei instalar contador de visitas nessa joça. A realidade, contudo, é que o registro existe, e talvez na posteridade ele apenas diga que tardes brancas que redundam em Noites de Natal e dias praticamente apagados da memória não trazem nada de bom ao sujeito a não ser a dispersão do seu próprio ser em meio a copos de cerveja e abraços falsos entre parentes e amigos.

Ah!, e isso quando algum advogado não fica negociando com o avô uma manha pra fazer o inventário dos bens dele e dividir entre as sete filhas. Afinal das contas, lei é lei e ponto final, e se a lei não for cumprida ou levada a risca à tempo, o banzé será maior ainda.

Quem disse que tudo é festa? Negócios, negócios. Bigodes, bigodes. Pombos, pombos, mesmo que sempre exista um que decida lhe dar um chapéu branco especial para o seu cacho favorito que você só chama de favorito porque não acha outro nome legal pro dito.

(P.S.1: O crédito da foto é de um rapaz chamado Henri Cartier-Bresson. Há algum tempo buscava fotos desse camarada mas não me lembrava o nome do cujo. Hoje pela manhã, por um completo acaso dos astros, encontrei várias do dito, e esta, em especial, muito me atraiu.)

(P.S.2: Por qual motivo esta foto me atraiu? Talvez porque o sujeito esteja pulando uma poça, tentando ultrapassar uma poça, sabendo que inevitavelmente irá cair na poça. Isso se assemelha ao que mais ou menos penso dessa coisa de escrever e criar, porque sujeito reflete e reflete e até acredita que vai entrar pra posteridade com suas frases e coisa e tal, quando em realidade vai é apodrecer em baixo da terra ou virar comida de tatu como qualquer um, a não ser que queira optar pela frescura de ser cremado e ter suas cinzas lançadas no Rio Uruguai ou no Mar da Terra do Fogo.

(P.S.3: Mas confesso, meu único e fiel leitor: fico com a segunda opção. Assim ao menos não sentirei, mesmo que em cinza, mesmo que morto, esse calor hediondo da região onde moro. Se a Bahia realmente tivesse brisa fora do poema do Manuel Bandeira, me bandiava pra lá. Mas tenho compromissos por cá e até gosto daqui. Por isso fico com esse ventilador que gira e sussurra sem parar, como se fosse um fantasma que corre pelos corredores de um hotel que só imagino: “graaaaaaxa! graaaaaaxa! graaaaaaxa!”.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Recém abriu sol mas o dia permanece branco.

Chovia até agora pouco. Recém abriu sol mas o dia permanece branco. Receio que suba um calor infernal dessas poças que estão nas ruas. Mas hoje é o dia que traz consigo a Noite de Natal e eu deveria estar feliz. A razão disso desconheço, porém sei que é assim. Haverá peru, panetone, frutas cristalizadas e tudo o mais que existe em uma Noite de Natal. Parentes trocarão abraços, primos lembrarão de besteiras que fizeram juntos e certamente algum tio tomará uma cervejada daquelas e procurará algum santo pra ficar conversando até de manhã. Tudo como sempre foi nestes meus vinte e quatro anos de vida.

Mas eu quero isso?

O mero fato de direcionar uma pergunta sobre os fatos da Noite de Natal faz com que todas minhas convicções balancem. Em realidade (em realidade mesmo, aquela coisa que chega a apertar a garganta) nunca vi muito fundamento nessa tal de Noite de Natal. Pra começar, ninguém sabe ao certo quando Jesus Cristo nasceu. O que aconteceu foi que a Igreja Católica Apostólica Romana, em algum dos seus intermináveis Concílios onde recebe diretamente de Deus as ordens que irão movimentar os homens cá por este planeta, decidiu que Jesus Cristo havia nascido no dia vinte e quatro de dezembro. Ou seria dia vinte e cinco de dezembro? A verdade é que não sei, mas já que estamos falando de Noite de Natal, fiquemos com dia vinte e quatro de dezembro.

Pois bem. Depois disso os poloneses criaram o tal do Santa-Claus que a Coca-cola vestiu de Papai Noel e então todas as fábricas de brinquedos ficaram ricas, a exemplo da Lego, da Estrela e da Gulliver. Mas será que ainda existem a Lego, a Estrela e a Gulliver? Quando eu era pequeno (digamos que fui pequeno até os treze anos e depois virei marmanjo) tinha vários jogos da Lego. Gostava de montar prédios, carros, naves e o diabo-a-quatro. Da Estrela eu devo ter tido alguns brinquedos também, assim como da Guliver. Contudo nenhum deles me marcou como me marcaram os jogos da Lego.

Pensando agora chego a ter vontade de fazer uma analogia de Lego com Logo. Seria interessante, no mínimo. Poderia divagar em mil filosofemas por páginas e páginas. Poderia falar da minha relação com o mundo primeiramente com a Lego e depois com o Logo. Porém considero que não é isso que estou sentindo, e como desde a última postagem prometi sabe-se-lá-pra-quem que não mais escreveria com caixa baixa e sem parágrafos e muito menos no estilo que até o dia trinta de novembro vinha escrevendo, prefiro tecer essas minhas rasas considerações sobre esta tarde que antecipa a Noite de Natal.

Na realidade, acho que estou em busca de um sentido pra isso, pois é verídico que odeio dias brancos. Ontem também foi um dia branco, concordo, sobre ele até escrevi alguma coisa. Mas hoje, tarde que antecipa a Noite de Natal, ser ainda um dia branco, é algo que no mínimo me deixa sem ânimo. Faz com que eu não queira abrir as cortinas da biblioteca e deixe essa luz opaca iluminar minha caneca de café preta. Faz com que eu fique remoendo tudo quanto fiz no decorrer deste ano tão-somente porque algum Concílio da Igreja Católica Apostólica Romana decidiu que no dia vinte e quatro de dezembro haveria a Noite de Natal e ponto final. O que eles sabiam da minha vida?! Valha-me Deus, como dizia o Brás Cubas!

Concordo que essa coisa de Fim de Ano até tem um significado maior. Mas encordoar Noite de Natal com Fim de Ano já é demais pra minha cabeça e faz com que eu fique buscando motivos pra comemorar. Claro que as coisas não vão mal. Claro que as coisas não vão tão bem assim. Mas saber que a decisão de umas pessoas que jamais tiveram a capacidade de saber da minha existência influencia no meu aqui-agora, neste dia branco que agora mostra um sol tímido por sobre as poças que a chuva deixou, me faz ter vontade de inventar a Máquina do Tempo do H.G. Wells e dar uns bons sopapos nesses camaradas. Porém, creio que eu me diluiria em uma massa amorfa de espaço-tempo e tédio se o fizesse. Afinal, atingir a velocidade da luz não é brincadeira. Logo, fico com meu pequeno relato-crise desta tarde branca que traz consigo a Noite de Natal.

Mas será que ainda existem a Estrela, a Lego e a Gulliver?

Admito: eu queria é brincar nem que fosse de Jaspion lilliputtiano, pois ficar nessas de brincar com responsabilidade não dá certo, ainda mais quando o sujeito acorda e dá de cara com um pós-chuva somado a um dia branco que traz consigo a Noite de Natal.

E é essa minha angústia, distante de Concílios e refrigerantes, perto de um passado que agarro a partir das coisas que lembro mas que sempre escapam quando o vento do agora me bate nas fuças.

(P.S.1: Quanto à foto, é o tal do Conjunto de Estrelas NGC 2264, coisa que a Agência Espacial Européia chamou de “árvore de Natal no Espaço”.)

(P.S.2: Essa coisa de chamar o tal do conjunto de estrelas de “árvore de Natal no Espaço” me lembra Umberto Eco. Em algum texto dele li sobre golfinhos humanizados para o nosso deleite. E disso nem preciso de prova: basta dizer que conversamos com cachorros e plantas (e eu converso com meu cáctus, do qual tenho um dó tremendo, confesso). O problema disso é que nada escapa ao nosso umbigo. Se o planeta e a coisas tem outro umbigo, pra nós que se dane, havemos de confessar.)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

minha última postagem é do dia trinta de novembro.

minha última postagem é do dia trinta de novembro. de lá pra cá nada escrevi neste espaço. se eu quisesse poderia dizer que isso quer significar muito. mas dizer isso não significa nada. portanto silencio e parto para outros rumos textuais. porém, em primeiro lugar, é preciso falar que não mais escreverei textos em caixa baixa e desse modo um tanto glutão de blocos/palavras/frases. convenhamos que fica um tanto ruim de ler. quando começarei com isso não sei. porém o fato é que começarei. contudo, se isso surtirá algum significado intersubjetivo (que palavra hermética e horrível!) não faço a menor idéia. afinal das contas, não sei aplicar neste espaço um contador de visitas pra saber se alguém lê o que escrevo. por conta disso é que pela primeira vez na história deste local (sim, isto é um local, ainda que virtual) existirá um compêndio de palavras/frases tão reduzido como este. motivo de preguiça? talvez. fato é que o calor, ao contrário do frio, faz com que a vontade reste desprovida de geometria e por consequência de foco. os sinais disso se espelham na minha pressão baixa e na minha testa suada nesta tarde de segunda-feira, sentindo o ventilador ventilar vento quente nos meus pés. mas melhor que seja assim do que de outro modo. por isso fico por cá. mas acho que na parte da noite (ou de madrugada, vá saber) mais haverá. e deixo dito, já que por ora tentarei comer um tomate com sal enquanto assisto um filme do bergman. ou seria melhor relaxar e ficar com medo de estar sozinho em casa assistindo um arquivo x? fico com a primeira opção, ainda que o inconsciente dê mais medo que qualquer bizarrice do chris carter.

(p.s.1: quanto a foto, é o pampa de itaqui no mês de setembro deste ano. fazia muito frio. soprava muito vento. crédito: franciele regina ramos setim, uma moça ruiva que conheço há uns cinco anos pelo que dizem por aí.)

(p.s.2: "o frio geometriza as coisas," diz alejo carpentier. o calor dissolve as coisas, digo eu, por mais tacanho e óbvio que isso possa parecer.)