quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A Liberdade da Palavra.

O artigo que abaixo publico desvirtua um tanto do contexto desse blog. O motivo é que ele consiste na coluna semanal (todas as quintas-feiras) que escrevo para o jornal A Tribuna Regional da cidade de Santo Ângelo (RS), local onde resido. Porém, seu teor fala de temas universais, razão pela qual decidi postá-lo aqui.
Logo, abaixo segue o mesmo.

Escrever não é só ordenar idéias em palavras. Escrever é dedicação. Escrever é obediência a determinadas regras. Vez ou outra me pego pervertendo o português. Isso é triste. Ainda que consiga uma mínima coerência textual, isso não basta. Quanto mais no espaço exíguo de uma coluna. Ao falar disso lembro de Dostoiévski e outros tantos autores que inicialmente estruturaram seus livros publicando capítulo após capítulo em jornais. Isso daria certo hoje em dia? Presumo que não. Minha negatividade com relação a esse ponto é simples. Mais vale se atirar numa poltrona e desfrutar das beldades que a tela encena do que sentar, ler e imaginar o que se passa em determinado livro. Com certeza alguns argumentarão que o livro traz maior liberdade de imaginação para quem lê. Mas aí entra outra pergunta: as pessoas querem liberdade? A resposta é não: as pessoas querem prisões de liberdade.

Artaud dizia que a liberdade total viria com a ausência do corpo. Enquanto estivermos confinados nessa carne e nesses ossos que nos fazem humanos, jamais seremos livres. Isso é uma crítica, uma provocação. Nosso limite é a morte. O que não propicia, para um pensamento que se queira minimamente lógico, crendices do tipo “pós-morte”. Não entendo como tanta gente fala disso se ninguém conseguiu ir para o outro lado e voltar para dizer como acontecem as coisas por lá. O fato em si é que é o medo que alicerça toda e qualquer crença. E é também o medo que alicerça todo e qualquer agrupamento humano.

Rosseau, Hobbes e Locke são unânimes ao dizer que os seres humanos construíram o Estado para ordenar suas vidas. Caso assim não fosse, não teríamos faixas de segurança, não teríamos direito ao voto e muito menos eu teria o direito de falar o que estou falando. Mas a questão central que Rosseau, Hobbes e Locke colocam é que existe um contrato tácito entre as pessoas que vivem em sociedade para que o Estado lhes dê as mínimas condições de sobrevivência. E falar desse assunto pode gerar várias polêmicas.

Tentando setorizar essas polêmicas, vejamos o Bolsa Família. O que ele tenta fazer, baseado no pensamento de John Rawls, é equiparar os pontos de partida social. Isso quer dizer que todas as pessoas deveriam ter as mínimas condições de partida econômica na sociedade para conquistar e efetivamente concretizar suas ambições. Os puritanos, defensores da moral e dos bons costumes, certamente dirão que isso é auxiliar vagabundo. Mas eles apenas dizem isso porque para eles não é interessante que haja o mínimo de igualdade social entre os cidadãos. Afetaria sua riqueza, seu poder. Então não me venham falar que é preciso aprender a pescar ao invés de dar o peixe. Nem todos os riachos tem peixes e nem todas as pessoas detém condições mínimas para pescar.

Mas voltando para a questão da liberdade, trata-se de algo que muito me atordoa. Ninguém jamais conseguiu conceituá-la. Deve-se dizer também que toda e qualquer espécie de liberdade está inserida em um contexto de relações de poder. Portanto, junto com Artaud, digo que a única liberdade possível é a ausência do corpo. Mas como apenas podemos ser apenas enquanto corpos, o que nos resta? Poderia escrever um poema. Mas para me fazer minimamente inteligível, tenho de escrever parágrafos um tanto encadeados para chegar a uma idéia final. E qual a idéia final? A simples, boba e óbvia idéia de que não há final. No Universo nada tem fim: tudo continua. E quando aceitarmos isso, finalmente saberemos da nossa condição essencial: seres-para-a-morte, como disse Heidegger, mas que detém as condições de seres-para-a-vida a partir da consciência de que estamos aqui por um curto espaço de tempo e é nele que devemos fazer o possível para descobrir alguma coisa acerca desse mistério que é a vida e a morte.

Com a escrita acontece o mesmo. Desvendei algo com essas palavras? Não. Como diz o amigo Érico Müller, jogo idéias para cima e que caiam na cabeça de quem cair. Essa é minha intenção. Se eu quisesse trazer respostas, viraria demagogo. Como suscito perguntas, quero provocar o pensar. Mas os que duvidam das minhas letras, me aguardem. Razão? Não sei, mas descobrirei. E é essa a força que move minha existência, quer ela siga padrões gramaticais ou não. Arrogância? Não. Apenas sou humano. E minha liberdade é a palavra, o sangue e a honra de ser humano e poder falar. Isso me basta. É a única dignidade possível.

2 comentários:

ítalo puccini disse...

bom pra caramba!

escrever é doloroso. digo que é dar a cara a tapa. ao tabefe mesmo.

parabéns pelo artigo bem construído e fundamentado!

abraço.

João Pedro disse...

Mais um ótimo texto. Só não concordo com a última frase. Preferiria o texto sem a última frase.

Em Comunicação, transpor textos de impressos para o meio virtual consiste no conceito de "extensão dos conteúdos", possibilitando a abrangência de acesso.