quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Simplesmente Maluf.

Sérgio Buarque de Holanda fala que a herança do Brasil para o mundo será o homem cordial. Mas essa cordialidade não se confunde com gentileza, já que a palavra “cordial” provém das palavras latinas “cor” e “cordis”, as quais significam “coração”, designando alguém que age impulsionado pelas emoções e despreza as convenções sociais estabelecidas, o que faz com que exista um reflexo das relações familiares ou privadas nas relações políticas. Um dos motivos para esse comportamento, estaria no fato de que as instituições políticas brasileiras foram concebidas de maneira unilateral e coercitiva, sem diálogo com a população. Então, se por um lado os detentores do poder se utilizaram dessas instituições para favorecer os seus, por outro lado as demais pessoas buscaram meios de burlar os regramentos sociais em busca de favorecimentos para si ou para pessoas da sua relação, criando assim o que alguns chamam de “jeitinho brasileiro”.

Encontramos um precedente disso no comportamento clássico dos indivíduos em relação aos vereadores. No mais das vezes, o brasileiro não vota em um vereador por crer nas propostas do candidato, mas sim porque acredita que poderá obter vantagens no futuro através desse candidato. Essas vantagens, porém, não provém das atitudes legislativas do vereador, mas sim da sua relação com os representantes do Poder Executivo, já que são esses, segundo o senso comum nacional, que efetivamente podem remodelar situações estabelecidas e/ou criar situações que favoreçam o eleitor que inicialmente votou em determinado candidato.

Esse comportamento, portanto, está relacionado a uma forma de navegação social tipicamente nacional, muito presente em uma manchete recorrente nos jornais das últimas semanas: o favorecimento de familiares por alguém que detém determinados poderes em alguma instituição política nacional. Nesse sentido, tenho de dizer que não vejo a razão de tanto estranhamento com o Caso Sarney. As atitudes do Sarney, ao que me parece, estão sendo postas às claras no sentido de dizer de um comportamento completamente estranho frente ao que é moralmente aceito pelo brasileiro, o que é de uma hipocrisia imensa. Concordo que o nepotismo e quaisquer espécies de corrupção devem ser combatidas, mas o fato é que se temos uma sociedade enraizada no conceito de homem cordial, a política invariavelmente irá refletir esse conceito. E talvez isso servisse como uma boa tese de defesa para o Sarney.

Ele poderia alegar que é vítima de um comportamento nacional típico, o qual está tão presente em seu inconsciente que de modo algum pôde pegar algum desvio no decorrer da vida. O senador chamaria psicólogos, filósofos, antropólogos e advogados para dar respaldo a sua defesa, a qual seria rubricada por um parecer psicografado do Rui Barbosa. A Globo então faria uma série de documentários sobre o quanto existe um determinismo inconsciente em todas as atitudes de quem nasce em solo brasileiro. A conclusão viria do Kleiton & Kledir: “coisa de magia, sei lá”. Aí apareceriam alguns remédios tarja preta para combater esse comportamento e tudo estaria perfeito como em um comercial da Monsanto.

Por isso e muito mais, acho ridículo surgirem tantos defensores da moral e dos bons costumes em tempos nos quais a corrupção está nas manchetes de todos os jornais do país. Chego a cogitar que quanto mais as pessoas parecem razoáveis e equilibradas em suas atitudes, com retratos estampados em todas as colunas sociais e coisa e tal, mais sujeira existe por trás dos seus comportamentos. Quem sabe até nos apiedássemos do Sarney se ele seguisse meu conselho de defesa e tudo ocorresse com o aval de especialistas da USP. Ele viraria o símbolo de que no Brasil é impossível ser honesto para que o Maluf, estandarte da desenfreada e injusta perseguição a uma tendência nata de todo brasileiro, com olhos chorosos e melancólicos, finalmente dissesse:

-Eu tenho contas no exterior sim! Mas não é culpa minha! Simplesmente sou brasileiro!

Nisso o Sarney, com a voz embargada de orgulho, bateria nas costas do Maluf e diria:

-Muito me comovo com a confissão de Vossa Excelência! Agora, como eu, és um imortal! E de hoje em diante todo brasileiro, além de ser brasileiro, poderá dizer mundo afora: sou simplesmente... Maluf!

8 comentários:

João Pedro disse...

É uma constatação, presente no seu texto. Mas não concordo muito com generalizações. Acho que o fato de a maioria agir de forma antiética não faz com que deixe de ser antiético.

Tomo a liberdade de colar aqui um texto que saiu ontem na imprensa:

"Seria a extinção do Senado uma discussão salutar à democracia?

O Senado Federal é realmente necessário? Não existe aqui a pretensão de ressuscitar a antiga proposta de extinção do Senado. No entanto, essa é uma preocupação que deveria, sim, ser inerente aos parlamentares.

Afinal, desde o início da hedionda paralisia legislativa que assola a Câmara Alta, nenhum projeto de grande apelo popular foi aprovado e as matérias verdadeiramente relevantes ao país – como as diversas e essenciais reformas – sequer passaram a merecer discursos na tribuna.

Como avaliar, então, a produtividade do Senado? Por que a sociedade brasileira precisa manter – a duras penas e com altíssimos custos – uma instituição que insiste em transformar seu plenário em um picadeiro de lamentáveis embates?

Propor a extinção do Senado seria um alarde parcial. O que se faz necessário e urgente é a necessidade de que os senadores cumpram o exercício de legislar, em um país tão carente de um parlamento probo e atuante.

Nenhuma outra maneira, porém, poderia ser mais eficaz para se medir a necessidade de existência do Senado do que se colocar tudo na ponta do lápis.

O resultado desse cálculo deveria ser motivo ainda maior de preocupação aos parlamentares. Cada senador custa cerca de R$ 140 mil por mês aos cofres públicos, entre salários, regalias, ganhos extras e benefícios.

Analisando sob esse ponto de vista, seria inevitável questionar a necessidade de existência do Senado. Trata-se de uma Casa caríssima para muito pouca produção.

A extinção do Senado pode soar como um exagero. Mas o que claramente se percebe é que muitos dos que ali sentam nas cadeiras de senador, não têm qualificação para tal."

[fonte: jornal O Tempo, BH, ed. 4622, 11.ago.2009, p. 02]

Biba disse...

Estive aqui e colhi algumas coisas para mim das tantas que você enfatizou. Outras fiquei interrogando.

Beijos, Du
Carpe Diem!!

Marjorie Bier disse...

Somos nauseados só de olhar para personalidades triviais decompondo-se na eternidade da tinta do jornal. - Virginia Woolf

Unknown disse...

Sabe, discordo de tudo o que você disse... se alguém me convencer que há qualquer falha no seu raciocínio.

Faz sentido que surjam organizações criminosas (muito mais organizadas que as forças do Estado). A razão é óbvia, como todas as grandes descobertas, a humanidade, do ponto de vista sócio-político, simplesmente é algo que ainda precisa ser inventada. Ou seja, não existe.

Parabéns!

Canteiro Pessoal disse...

Eduardo. Estive agora dando uma conferida em meu blog e visitando uns blog's em falta e percebi que tu não me tens como seguidora mais. Hum, penso assim, [ou não sejas] sobrevém que meu conteúdo não o agrada mais.

Bem, vou indo, preciso dormir amanhã tenho atendimento pela manhã.

.fica na paz!

Priscila Cáliga

Anônimo disse...

Cobrança miguxa é de doer... simplesmente.

Anônimo disse...

Cobrança miguxa é de doer... simplesmente.
[2]

Anônimo disse...

O que é engraçado, para não dizer estranho, é que estamos cobrando dos políticos apenas honestidade, uma coisa tão básica, mas tão cara ao mesmo tempo. Nem estamos falando em bons projetos, em capacidade de administrar a máquina pública e uma série de outras coisas fundamentas num governo, pois aí já seria pedir demais, queremos apenas honestidade, pois isso já nos parece muito, quando na verdade é apenas um início.
As tuas observações sobre a relação entre os vereadores(legislativo) e a população foram perfeitas.