quarta-feira, 26 de agosto de 2009

É tudo culpa da genética.

Se o certo está na esquerda, por que tanta gente nasce destra? Mas se tanto destro faz besteira por aí, será que o certo está na direita? Talvez a solução do Brasil fosse cortar as mãos da sua política. De um lado temos aqueles que vivem do ranço das pedras do Muro de Berlim. De outro lado temos aqueles que dizem amém para o mercado e dizem que tudo está muito bem, obrigado, desde que suas contas bancárias continuem ronaldianas. Acontece exatamente como em um comercial de banco. Parece que tudo quanto o banco oferece é para o seu bem. Mas o banco quer é que você morra pagando juros em devoção ao contrato que você sequer chegou a ler.

Talvez essa seja a melhor imagem do país nesses tempos em que até a Receita Federal, um dos únicos braços do Estado que funcionam de maneira minimamente aceitável, diz que sofreu e sofre influência política. Antigamente poderíamos dizer que se quiséssemos obter informações confiáveis de qualquer Estado, teríamos de recorrer a sua Receita. Mas se hoje nem isso podemos dizer, devemos confiar em quem? Certamente aquele médico que prometia bebês com genes perfeitos seja o caminho. Desde que, é claro, você não se mostre apetitoso ou apetitosa aos olhos do doutor. Quando se trata de patrimônio genético e de comportamentos que provém desse patrimônio, ninguém tem o dever de se controlar. É tudo culpa da genética.

Assim até poderíamos explicar as coisas que acontecem por aqui. Se acham que o PT tem alguma coisa interessante pra dizer fora o que os supostos intelectuais da USP dizem ser correto, culpa da genética. Se a Dilma e o Padre Fábio de Melo colocaram botox nas suas pelancas, culpa da genética também, ora! Fica muito fácil assim. Melhor do que ficar em mil e um comentários sociais pra explicar as coisas que vemos todos os dias. A partir da genética, poderíamos até explicar porque tarde dessas, quando cruzava pelo centro, vi dois jovens abestalhados tendo sua pampinha socada no chão rebocada pela Brigada. A Igreja Universal fazer seus fiéis vomitar pra expulsar o demônio do corpo também não tem culpa de nada. Só faz o que a Bíblia diz. E a Bíblia, por óbvio, também tem lá seus genes. As empresas farmacêuticas que pedem uns trocados pra OMS pra combater a Gripe A, igualmente são umas coitadas. Tem boas intenções, claro, mas precisam de um financiamentozinho pra fabricar uns comprimidos. Se um casal de amigos financiou sua casa em quinze anos pela Caixa, por que essas empresas não poderiam receber uma mão do Estado?

“Todo humano é bom”, canta o Padre Fábio. Logo, ninguém tem culpa de nada. Há um determinismo religiosamente genético em todas as nossas ações. Acontece que nesses tempos fake plastic trees, temos de descobrir quem manipulou tal e tal gene. E também se esse alguém não deu umazinha meio forçada com o sujeito ou sujeita do qual o gene foi manipulado. Se ele for de esquerda, a manipulação ocorreu por um mundo melhor. Se ele for de direita, tudo não passou de intriga da oposição. Mesmo que a manipulação tenha ocorrido, não houve agenda e nem câmera para registrá-la. É como um senhor da high sociaty que pega michês por aí.

Mas ainda que tudo seja culpa da genética, existem algumas verdades que antecedem até mesmo a genética. Por exemplo: nem adolescentes suportam adolescentes. Outra: vivemos no eterno medo de que a Simone lance outro CD de natal. Mais uma: ninguém jamais gostará de literatura se ler Iracema aos quinze anos. Pra acabar: a única coisa certa das canções de amor é que elas estão mentindo. Mas até a Bidê ou Balde me contraria: “se o sexo é o que importa, só o rock é sobre amor!” Em quem confiarei então? Sinceramente não sei. A única coisa da qual tenho certeza é que mais me valem as Evidências do Chitãozinho & Chororó do que as evidências do Juízo Final. Convenhamos que é muito melhor chorar o fim com cachaça do que numa frigideira cheia de enxofre e fogo.
Mas se nem nisso eu estiver certo, talvez seja mais lucro dar um jeito de perder o mindinho e me aposentar. Razão? Sem ele, jamais poderei voltar a desfrutar do enorme prazer de limpar o ouvido sem cotonete. Mas no fim a aflição permaneceria: cortaria o mindinho da direita ou da esquerda? De qualquer forma, a mão ficaria e a aposentadoria também. Felicidade rima com oportunidade. Tudo é questão de passar a mão, seja pela genética ou não, ainda que de vez em quando o Boa Noite Cinderela fale mais alto.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Desintitulados.

Nem só de sexo e dinheiro vive o homem. Sacanagem também é essencial. A democracia surgiu dessa constatação. Mas os cidadãos de bem logo inventaram a ditadura.
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Um peixe não percebe que está no aquário. Seu mundo é o aquário. Tudo quanto ele viver e sentir será restrito ao aquário. E o mar é no máximo um sonho presente na água. Por isso o Brasil precisa de exorcismo. Nosso problema é encosto. Mas ninguém percebe isso. As coisas estão encostadas demais. Se bobear, de tão pesados que andamos, logo perderemos o equilíbrio. E a consciência será nossa cara roxa. Aí nos daremos conta de tudo. A porrada e o tombo são os pais da palavra. Ou pelo menos das cicatrizes.
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Somos todos irmãos. Sempre estamos devendo uns para os outros.
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Dizem que as pessoas podem falar o que pensam. Há previsão constitucional, inclusive. Mas quando a polícia é instruída a recolher cartazes que ofendem a Yeda, existe algo de estranho acontecendo. Alguém escreveu que no começo se queimam livros e depois se queimam pessoas. Cartazes não são livros, mas frases rendem juros. A prova é que as bibliotecas existem. Então o que vem primeiro: o ovo ou a galinha? Nenhum dos dois. Quem vem primeiro é o galo. Porém nesse país eunuco, a extinção é o caminho. Mas talvez o eunuco seja só o guarda. Resta saber quem aproveita o estoque. Ou se o harém não é apenas miragem.
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Se um assassino queima na cadeira elétrica, é justiça. Se um fazendeiro mata ladrões de galinha, é defesa do patrimônio. Mas se alguém se arrisca a dizer a verdade, é burrice. A mentira é o coração do afeto e o motivo dos tapinhas nas costas. Quando muito, de animadas reuniões dançantes e almoços de gente importante. Tanto em um quanto em outro lugar, a conversa é impossível. Nessas circunstâncias, a boca foi feita para outras coisas. E nem todas tem relação com a comida.
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A diferença entre a segurança e o risco, é o tempo de espera para a morte. Depois dela as preocupações acabam. Por isso inventaram a carteira de trabalho. O estranho é alguns reclamarem férias e 13° salário. Certamente não perceberam a liberdade de não ter direitos. A pobreza existe por isso. E o SPC também. São as maravilhas do capitalismo.
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Quando crianças, queremos ser jogador de futebol. Quando adultos, queremos ganhar na loteria. Esses são nossos principais sonhos. Mas entre a impossibilidade da realização de um e outro, é que construímos nossa vida. O grau de sucesso que obtemos é medido pela aproximação com um desses limites. E quem negar é a mulher do padre. Ou seja: a vagabunda da vizinhança. Mas nem por isso pouco bondosa. Afinal, a imoralidade é a razão da felicidade. E a ignorância é sua mãe. Ninguém pode ser feliz abertamente. É pecado.
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Me perguntaram o que eu fazia. Disse que era professor e advogado. Então me falaram:
-Ah! Então você não trabalha quase!
Pensei: nem na Record nem na Globo.
Mas respondi:
-Capaz! Nas horas vagas fabrico foices pra reforçar o orçamento!
Foi aí que percebi que ofendi o sujeito. Ele vestia uma camiseta do Che Guevara.
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Um necrófilo e um suicida são conceitualmente iguais. Perderam a paciência. No meio termo existe a política e a religião. Se uma oferece a salvação pela palavra, outra oferece a salvação pelo silêncio. Mas ninguém explica do que precisamos nos salvar.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Simplesmente Maluf.

Sérgio Buarque de Holanda fala que a herança do Brasil para o mundo será o homem cordial. Mas essa cordialidade não se confunde com gentileza, já que a palavra “cordial” provém das palavras latinas “cor” e “cordis”, as quais significam “coração”, designando alguém que age impulsionado pelas emoções e despreza as convenções sociais estabelecidas, o que faz com que exista um reflexo das relações familiares ou privadas nas relações políticas. Um dos motivos para esse comportamento, estaria no fato de que as instituições políticas brasileiras foram concebidas de maneira unilateral e coercitiva, sem diálogo com a população. Então, se por um lado os detentores do poder se utilizaram dessas instituições para favorecer os seus, por outro lado as demais pessoas buscaram meios de burlar os regramentos sociais em busca de favorecimentos para si ou para pessoas da sua relação, criando assim o que alguns chamam de “jeitinho brasileiro”.

Encontramos um precedente disso no comportamento clássico dos indivíduos em relação aos vereadores. No mais das vezes, o brasileiro não vota em um vereador por crer nas propostas do candidato, mas sim porque acredita que poderá obter vantagens no futuro através desse candidato. Essas vantagens, porém, não provém das atitudes legislativas do vereador, mas sim da sua relação com os representantes do Poder Executivo, já que são esses, segundo o senso comum nacional, que efetivamente podem remodelar situações estabelecidas e/ou criar situações que favoreçam o eleitor que inicialmente votou em determinado candidato.

Esse comportamento, portanto, está relacionado a uma forma de navegação social tipicamente nacional, muito presente em uma manchete recorrente nos jornais das últimas semanas: o favorecimento de familiares por alguém que detém determinados poderes em alguma instituição política nacional. Nesse sentido, tenho de dizer que não vejo a razão de tanto estranhamento com o Caso Sarney. As atitudes do Sarney, ao que me parece, estão sendo postas às claras no sentido de dizer de um comportamento completamente estranho frente ao que é moralmente aceito pelo brasileiro, o que é de uma hipocrisia imensa. Concordo que o nepotismo e quaisquer espécies de corrupção devem ser combatidas, mas o fato é que se temos uma sociedade enraizada no conceito de homem cordial, a política invariavelmente irá refletir esse conceito. E talvez isso servisse como uma boa tese de defesa para o Sarney.

Ele poderia alegar que é vítima de um comportamento nacional típico, o qual está tão presente em seu inconsciente que de modo algum pôde pegar algum desvio no decorrer da vida. O senador chamaria psicólogos, filósofos, antropólogos e advogados para dar respaldo a sua defesa, a qual seria rubricada por um parecer psicografado do Rui Barbosa. A Globo então faria uma série de documentários sobre o quanto existe um determinismo inconsciente em todas as atitudes de quem nasce em solo brasileiro. A conclusão viria do Kleiton & Kledir: “coisa de magia, sei lá”. Aí apareceriam alguns remédios tarja preta para combater esse comportamento e tudo estaria perfeito como em um comercial da Monsanto.

Por isso e muito mais, acho ridículo surgirem tantos defensores da moral e dos bons costumes em tempos nos quais a corrupção está nas manchetes de todos os jornais do país. Chego a cogitar que quanto mais as pessoas parecem razoáveis e equilibradas em suas atitudes, com retratos estampados em todas as colunas sociais e coisa e tal, mais sujeira existe por trás dos seus comportamentos. Quem sabe até nos apiedássemos do Sarney se ele seguisse meu conselho de defesa e tudo ocorresse com o aval de especialistas da USP. Ele viraria o símbolo de que no Brasil é impossível ser honesto para que o Maluf, estandarte da desenfreada e injusta perseguição a uma tendência nata de todo brasileiro, com olhos chorosos e melancólicos, finalmente dissesse:

-Eu tenho contas no exterior sim! Mas não é culpa minha! Simplesmente sou brasileiro!

Nisso o Sarney, com a voz embargada de orgulho, bateria nas costas do Maluf e diria:

-Muito me comovo com a confissão de Vossa Excelência! Agora, como eu, és um imortal! E de hoje em diante todo brasileiro, além de ser brasileiro, poderá dizer mundo afora: sou simplesmente... Maluf!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

De Mentira em Mentira.

Acho curioso o fato das ruas serem batizadas com nomes de alguns “personagens importantes da nossa história”, como o pessoal costuma dizer. Talvez meu estranhamento aconteça porque não acredito que existam “personagens históricos” que possam servir de ponto de referência pra contar qualquer coisa e muito menos que a experiência de vida de alguém ou da humanidade ensina algo além do puro desgosto. Também duvido que 90% dos sujeitos que dão nome para essas ruas fizeram algo importante pelas pessoas. No máximo fizeram algo importante para seus bolsos e para seus herdeiros. É claro que eu posso dar com a língua nos dentes, mas prefiro essa rabugentice do que um dia me lembrar um paspalho que chegou a acreditar que as pessoas fossem essencialmente boas. Por falar nisso, confesso que já tive comigo essa crençazinha. Mas com o tempo me dei conta de que nem eu valia lá grande coisa. Logo me veio a pergunta: por que os outros deveriam valer?

Se eu fosse desses que acredita em horóscopo, diria que isso se dá porque sou leonino e então penso que o mundo gira ao redor do meu umbigo. Haveria uma razão para todos os meus atos e meu destino estaria escrito no movimento dos astros. Mas como não sou dessa turma, apesar de já ter perdido tempo com isso, cheguei a conclusão de que não só eu, mas também a própria humanidade, não vale lá muita coisa. Mas e por qual motivo deveria valer? Partamos do seguinte princípio: para algo ter valor, ou melhor, para o ser humano que pressupõe a humanidade ter valor, sendo que ele não é algo mas alguém, é necessário existir um parâmetro de valor universal. Pois bem: qual é o parâmetro de valor universal para o ser humano? A vida? Se a vida fosse isso, não haveria guerras e nem a pena de morte em qualquer canto do planeta, por exemplo. Portanto a vida não é parâmetro de valor para nada que não esteja relacionado com a mensalidade dos planos de saúde.

Talvez por isso é que para ter a suposição de uma referência nem que seja pra ir na padaria, as ruas são batizadas com nomes de “personagens importantes da nossa história”. E convenhamos que é bem melhor assim do que chamá-las de A, Z, W ou amarelo, vermelho e roxo. Por isso é que pensar demais não faz bem pra ninguém. Mas custa mais de 0,5% da população gastar seus neurônios com algo interessante? Do jeito que a coisa anda, quem gosta de saber a verdade é masoquista, porque se começa a pensar demais, enlouquece. E se chega ao cúmulo de falar o que pensa em público, lascou-se. Mas esses dias me tranquilizei quando um amigo disse que o que está dando dinheiro atualmente são propostas para mudar o mundo. Talvez eu deixe dessa coisa de pensar e invente algum solidarismo empacotado, bonitinho e cheiroso que ajude os descamisados e me traga algum. Afinal, Deus gosta de dar dinheiro pras pessoas: é o Censo do Céu que está desatualizado.


Mas voltando para a questão dos nomes das ruas, a verdade é que não tenho nada contra os tais “personagens históricos”. Acho até bonitinho a gente falar “na Marechal” ou “na Antunes”. É no mínimo uma perversão lingüística, o que é saudável. O que não é saudável, porém, é acreditar que nessa vida alguém faz algo por alguém por caridade. Para os familiares, a esposa e algum que outro amigo, vá lá. Mas pra esse bando de pessoas que passa fome e frio pelas esquinas, ou, para ser generalista, pela humanidade, é puro solidarismo analgésico.

Lembro de uns colegas do segundo grau que iam fazer serviço voluntário “pra contar no currículo”. Paralelo a eles, vou inventar dia desses alguma proposta para mudar o mundo e então virar nome de rua e me tornar um “personagem histórico importante” com grana no bolso, tudo pela vontade divina combinada com meu enorme senso de justiça. Do contrário, certamente serei execrado como um egoísta desalmado por tanta gente solidária e de bom coração que cozinha feijão por aí. Mas um dia descobrirão a verdade. Como diz o André Dahmer, existem dois tipos de pessoas no mundo: os solidários e os egoístas. A diferença entre elas é que se os egoístas são aqueles que destroem a humanidade fantasiados de papões, os solidários são aqueles que apóiam os egoístas fantasiados de anjinhos. E acaba que tudo fica na mesma. No pesar dos comprimidos, batizando ruas ou não, é de mentira em mentira que seguimos nossa vida.